Discursos de Donald Trump e secretários espalham incertezas

Além de múltiplas, as vozes que enunciam as posições e orientações de Washington são dissonantes, por vezes contraditórias

Silvio Queiroz
Ausentes dos encontros de Trump com grandes líderes do Canadá, Japão e Israel, Rex Tillerson está isolado - Foto: Carlos Barria/AFP/POOL
Brasília – Passado o primeiro mês do governo Donald Trump, países vizinhos, aliados e – mais ainda – os rivais e adversários firmam a impressão de que a política externa dos Estados Unidos soa como um coro sem nenhuma afinação. Além de múltiplas, as vozes que enunciam as posições e orientações de Washington são dissonantes, por vezes contraditórias. O exemplo mais recente, e talvez o mais gritante, foi exibido na visita do secretário de Estado, Rex Tillerson, ao México. Enquanto ele e o titular da Segurança Interna, o general John Kelly, tratavam de assegurar ao governo local quanto às diretrizes sobre imigração, em especial sobre deportações forçadas e em massa, Trump se vangloriava, em Washington, de estar colocando para fora os maus elementos em um ritmo nunca visto em seu país, e comparava a inciativa a uma operação militar.


É justamente o papel discreto jogado até aqui pelo chefe da diplomacia americana que inquieta e intriga os parceiros. Tillerson esteve ausente de alguns dos principais encontros mantidos pelo presidente com chefes de governo estrangeiros que visitaram a Casa Branca, como os premiês do Canadá, Justin Trudeau, e do Japão, Shinzo Abe. Quando Trump recebeu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, o secretário de Estado estava a caminho da Alemanha, para debutar na arena internacional no encontro de chanceleres do G20, em Bonn. Na véspera, porém, Tillerson jantava com Netanyahu enquanto o presidente afirmava, para quem quisesse ler, pelo Twitter, que os EUA poderiam abdicar da solução de dois Estados para o conflito entre Israel e Palestina.


Com esse movimento de nos afastarmos de algumas de nossas posições estabelecidas (de política externa), semeamos dúvidas entre nossos amigos e aliados sobre o quanto continuamos confiáveis, o quanto podem contar conosco. Em última instância, sobre até que ponto aquilo que valia até ontem continua valendo, raciocina Richard Hass, presidente do Conselho de Relações Exteriores (CFR), instituto apartidário que funciona como uma espécie de laboratório para o Departamento de Estado.

“Nenhum secretário de Estado pode ser bem-sucedido se o resto do mundo não tem a certeza de que ele tem autoridade para falar em nome do presidente. E as dúvidas são veneno para a capacidade do secretário de atuar com eficiência.”

James Mattis tentou tranquilizar parceiros na Otan, enquanto o chefe chamou de obsoleta - Foto: Christof Stache/AFP

Sozinhos no front


Hass, diretor de planejamento político do departamento no governo de George W. Bush, recorre ao título em inglês do filme Esqueceram de mim (Home alone, na tradução literal sozinho em casa), para ilustrar a situação de Tillerson no cargo, inclusive pela falta de familiaridade com a equipe. Até o momento, de 116 postos de alto nível que dependem de indicação do Executivo para ser preenchidos, apenas dois contam com titulares: o do próprio secretário e o da embaixadora na ONU, Nikki Haley.


Preocupante, especialmente para os que observam o cenário, foi o veto de Trump ao nome de Eliott Abrams, veterano dos governos republicanos de Ronald Reagan e George Bush pai, para o segundo posto na hierarquia, o de subsecretário. “Abrams não seria suficientemente leal ao presidente. Falta equipe, ele não conseguiu emplacar nem o nome do vice, esse é um ponto importante”, aponta Hass.


Aaron Miller, diplomata aposentado que serviu a governos de ambos os partidos, compartilha a inquietação. “Tillerson está sendo deliberadamente colocado de lado”, afirma. Está aprisionado em um governo com múltiplos centros que competem entre si e com um presidente que não quer ou não sabe decidir quem deve jogar o papel de liderança na implementação da política externa.


A perspectiva de cortes de pessoal reforça a paralisia em áreas-chaves do departamento e aprofunda a distância entre o corpo profissional da diplomacia e o chefe, cuja experiência anterior é a carreira de quatro décadas na gigante petroleira ExxonMobil. Por isso, nos corredores, ele é referido como o CEO (como são conhecidos os presidentes executivos de empresas privadas), e não o secretário.


É precisamente a impressão de que falta à política externa americana uma voz clara de interlocução que ganha corpo entre os parceiros de Washington,  mundo afora. Foi por essa perspectiva que um diplomata europeu, que representa no Brasil um dos mais firmes aliados dos EUA no continente, interpretou a presença de Tillerson no G20 e a do secretário de Defesa, John Mattis, em uma reunião ministerial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, bloco militar ocidental). “O que pareceu foi que os dois foram à Europa com a missão de 'desdizer' o que Trump tinha dito sobre as alianças, especialmente sobre a Otan, que ele chamou de 'obsoleta”, avalia o diplomata. O problema é que acima deles está o presidente com o seu Twitter.

 

PRINCIPAIS DESAFIOS

NA ONU
Convencer outros países a elevar as contribuições e costurar reforma para inclusão de potências regionais

NO MÉXICO
Erguer um muro ao longo de toda a fronteira (e de cobrar do México os custos da obra) tornou-se uma das pedras fundamentais do programa de Trump, associada à política de deportação de estrangeiros em situação irregular e à promessa de barrar a entrada de cidadãos de países muçulmanos

NA EUROPA
Reiterar os compromissos dos EUA com a segurança coletiva da Europa

CONTRA O TERRORISMO
Combater o extremismo islâmico segundo seu lema de colocar acima de tudo os interesses do país

ISRAEL E PALESTINA

Trump acenou com a ideia de abrir mão da “solução de dois Estados”, pedra angular da política externa americana nas últimas décadas

RÚSSIA
Decidir sobre as sanções impostas a Moscou desde a anexação da Crimeia e sobre o apoio militar aos aliados europeus vizinhos à Rússia

COREIA DO NORTE
Resistir às pressões do regime comunista, com pretensão de garantir poderio militar de dissuasão

 

Pelo Twitter

 

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abriu seu primeiro fim de semana na capital Washington desde a posse com um pedido a seus apoiadores e uma crítica ao antecessor, Barack Obama. Trump fez os comentários  pelo Twitter.

Na primeira mensagem, ele pediu que os milhões de pessoas que votaram nele façam “seu próprio protesto”, o qual ele descreveu como “o maior de todos”. A mensagem foi uma aparente referência às recentes marchas contra sua administração, as quais incluem um protesto de mulheres ocorrido logo depois da posse. O presidente norte-americano ainda disse no sábado que a dívida nacional caiu desde que ele assumiu o cargo e fez comparações com uma alta ocorrida durante o início do governo Obama. Para Trump, essa informação não foi reportada pela imprensa.

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