São Paulo, 26 - Após anos recluso e distante dos holofotes, o ex-líder de Cuba Fidel Castro morreu na noite de sexta-feira no país, madrugada deste sábado no Brasil. Ele lutava contra uma doença intestinal há uma década e sua saúde vinha se deteriorando. Em sua última aparição pública, para celebrar seu aniversário de 90 anos em agosto, demonstrava uma aparência frágil.
O presidente de Cuba, Raúl Castro, comunicou em rede nacional de televisão a morte de seu irmão mais velho. O governo cubano declarou nove dias de luto nacional, período que deve se encerrar com o funeral, no dia 4 de dezembro.
Fidel Castro foi uma das figuras mais polêmicas do século passado e também do começo deste século, depois de ter liderado um golpe no país em janeiro de 1959.
Naqueles dias eufóricos, centenas de milhares de cubanos saíram pelas ruas e campos do país gritando liberdade, enquanto um novo governo formado por guerrilheiros barbudos, que haviam lutado durante três anos nas serras contra o ditador Fulgêncio Batista, tomava o poder no país. Nos meses seguintes, cresceu a confrontação entre o líder da revolução, Fidel Castro, e o governo americano. Os Estados Unidos deixavam de comprar quase todo o açúcar produzido pela ilha, praticamente seu único produto de exportação; as refinarias americanas na ilha paravam, ao não receber o petróleo das matrizes nos EUA para a produção; e o país entrou em uma crise profunda.
Mas os cubanos viram algo novo no país: a abertura de escolas feitas por voluntários para combater o analfabetismo, que afligia pelo menos metade da população; o fechamento dos cassinos e bordéis controlados pela máfia ítalo-americana da Costa Leste dos EUA e por partidários de Batista em Havana e em Santiago; a reforma agrária, com a repartição dos enormes latifúndios de cana-de-açúcar e a entrega de títulos de posse a milhares de camponeses miseráveis. Além disso, centenas de ex-militares e policiais do regime de Batista, acusados de torturas e assassinatos, foram levados a julgamentos públicos e punidos.
Era o clima da Guerra Fria. Tudo isso enfureceu os EUA, que armaram a invasão de Playa Giron (ou da Baía dos Porcos, como ficou conhecida no mundo): 1.500 exilados cubanos, armados pela CIA, que partiram da Nicarágua para derrubar o regime liderado por Fidel.
Após terem sido cercados na praia por milícias populares e forças leais do Exército cubano, os invasores se renderam, depois de deixarem mais de cem mortos no combate. Muitos historiadores coincidem: a vitória de Playa Giron e a duração do regime comandado por Fidel só foram possíveis pela enorme popularidade do líder e por grandes avanços sociais que realmente ocorreram em Cuba, pelo menos nas décadas de 1960 e 1970.
O escritor cubano Guillermo Cabrera Infante (1929-2005), um dos maiores críticos da ditadura de Fidel, viveu no exílio em Londres a partir de 1965. Cabrera Infante destilou grande parte das críticas à ditadura de Fidel em seu livro
Mea Cuba
, de 1992, no qual contou como o Partido Comunista cubano conseguiu transformar uma revolução popular em uma ditadura que estrangulou os dissidentes do regime.
O líder cubano nasceu no dia 13 de agosto de 1927, na fazenda de cana-de-açúcar de seu pai, perto de Birán, no litoral da província cubana de Oriente. O pai de Fidel, Angel Castro, nascido na Galícia (Espanha) foi para Cuba com o exército espanhol, durante a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos (1898). Com o fim da guerra, Angel, como vários espanhóis, preferiu tentar a sorte em Cuba, e seu primeiro emprego foi como trabalhador braçal para a
United Fruit
, empresa americana.
Angel era um trabalhador resistente e econômico. Em 1926, ele comprou mais de 9.300 hectares de terra, sua primeira fazenda de cana-de-açúcar.
Fidel teve uma infância despreocupada. Ele entrou na escola pública local aos 6 anos e em 1942, aos 15 anos, começou o curso secundário em Havana. Tornou-se um orador brilhante e líder estudantil. Em 1945, ingressou no curso de Direito da Universidade de Havana.
O primeiro ano marcante para Fidel foi 1948, quando ele visitou Bogotá, capital da Colômbia. Ali participou de uma conferência de estudantes, mas o clima na cidade deteriorou-se rapidamente quando um político colombiano foi assassinado por um fanático.
"Os acontecimentos em Bogotá causaram profunda impressão em Fidel. Ele jamais esqueceria o que esses fatos evidenciaram: a incrível violência que subjaz à superfície pacífica da sociedade latino-americana," escreveu um dos seus biógrafos, o escritor americano John J. Vail, professor de política na Universidade Rutgers (Nova Jersey).
Em 1953, Fidel e seus colegas planejaram a derrubada do ditador Fulgencio Batista. Com 79 companheiros, eles atacaram em 26 de julho o Quartel Moncada, o maior de Santiago de Cuba, em Oriente. O ataque fracassou. Apenas três rebeldes morreram no assalto, mas 80 foram capturados. A maioria dos prisioneiros foi torturada e executada.
Fidel foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas acabou libertado em uma anistia dois anos depois, quando partiu para o exílio no México. Com o apoio de vários companheiros, entre eles o médico argentino Ernesto "Che" Guevara, Fidel planejou a volta a Cuba. Em 2 de dezembro, a bordo do velho iate Granma, eles desembarcaram em uma praia.
Delatados, Fidel e os guerrilheiros sobreviventes fugiram para a Sierra Maestra, onde começaram uma guerra de guerrilhas contra Batista. Em 2 de janeiro de 1959, Ernesto Guevara e Camilo Cienfuegos ocuparam Havana. Batista fugiu e o poder em Cuba foi posto repentinamente nas mãos de jovens revolucionários.
Apesar dos avanços sociais observados pela população, a partir de 1991, com o fim da União Soviética e da ajuda financeira de Moscou a Havana, o regime cubano tornou-se isolado de quase todo o mundo. O país enfrentou sérias crises econômicas e o regime precisou usar a força para calar opositores e dissidentes - um traço que se mostrou já no final de 1959, quando Fidel, seu irmão Raúl e Ernesto "Che" Guevara julgaram o comandante guerrilheiro Huber Matos - um companheiro e dissidente que não aceitou a implantação do marxismo na ilha. Matos passou vinte anos preso na Isla de Pinos e depois partiu para o exílio em Miami.
Em fevereiro de 2006, doente, Fidel passou a presidência de Cuba ao seu irmão Raúl Castro. Em 2011, renunciou ao secretariado geral do Partido Comunista de Cuba. Depois disso ele apareceu poucas vezes publicamente e se manteve afastado mesmo depois de o governo norte-americano de Barack Obama anunciar, em dezembro de 2014, que os dois governos decidiram restabelecer as relações diplomáticas rompidas desde 1961 e adotar uma série de mudanças que ampliarão o comércio e o fluxo de pessoas entre os dois países.
Questionado pelo jornalista italiano Gianni Miná, em entrevista de 1986, se estava satisfeito com seu papel histórico, Fidel respondeu: "Sim, estou plenamente satisfeito com a obra pela qual dediquei minha vida, sem deixar de ter um espírito crítico, sem deixar de ter uma insatisfação no sentido de que devo analisar o que fizemos e de que o que fizemos poderia ter sido feito melhor." (Equipe AE).