Jornal Estado de Minas

'Noiva criança' está a caminho da forca


Brasília – Zeinab Sekaanvand Lokran se casou com 15 anos. Aos 17, foi presa após “confessar” o assassinato do marido, Hossein Sarmadi, que a espancava com frequência. Passou 20 dias detida na delegacia, onde foi torturada pelos policiais. Em outubro de 2014, a Corte da província de Azerbaijão Ocidental a condenou pela morte a facadas do companheiro. Zeinab teve acesso a um advogado, apontado pelo Estado, somente na fase final do julgamento. Diante do juiz, confessou que o cunhado, depois de estuprá-la várias vezes, executou o próprio irmão e lhe instruiu a assumir o crime, sob a justificativa de que lhe concederia o perdão. No entanto, a Justiça ignorou a declaração da jovem. Ativistas clamam a ajuda da comunidade internacional para poupar Zeinab da morte.

A “noiva criança” (como é chamada), atualmente com 22 anos, pode ser enforcada amanhã.

O caso ganhou contornos ainda mais bizarros em 2015. Zeinab se casou com um detento da Prisão Central de Oroumieh e ficou grávida. Na época, as autoridades decidiram postergar a execução até depois do parto. Em 30 de setembro, ela deu à luz um bebê natimorto — os médicos da penitenciária afirmaram que a criança tinha morrido dois dias antes, devido ao choque da mãe ante a execução de uma colega de cela.

Em entrevista ao Estado de Minas, o iraniano Mahmood Amiry-Moghaddam, fundador da organização não-governamental Iran Human Rights, explicou que a sentença de morte de Zeinab foi confirmada pela Corte Suprema de Teerã e enviada à seção do Judiciário para implementação do veredicto. “A pressão internacional pode ajudá-la. Com um processo judicial apropriado, seria possível remover a sentença de morte. Há esperança, e nós pedimos à comunidade internacional e a países como o Brasil, que têm relações bilaterais com o Irã, para que levantem o caso de Zeinab com as autoridades do regime”, afirmou.

Amiry-Moghaddam reconhece o caráter parcial do julgamento.
“No Irã, houve muitos casos de pena capital em que o prisioneiro não recebeu um julgamento justo. No caso de Zeinab, as autoridades nem sequer realizaram uma investigação apropriada. Segundo informações que recebemos, eles nem mesmo reconstruíram a cena do assassinato, o que é supostamente comum em todos os casos de homicídio”, lamentou.

Para Tarah Sepehri Far, pesquisadora da Human Rights Watch (HRW) da Divisão Oriente Médio e Norte da África e investigadora de abusos de direitos humanos no Irã e em Omã, há graves problemas no julgamento de Zeinab. “Em primeiro lugar, ela foi culpada por um crime que supostamente cometeu quando era uma criança; e o Irã atropelaria as obrigações internacionais ao executar uma criança criminosa. Em segundo lugar, as alegações de Zeinab de que ela foi abusada pelo marido foram ignoradas pelo tribunal, mas algumas fontes também nos falaram sobre problemas relacionados às evidências do crime", relatou à reportagem, por e-mail.  “Nós, da HRW, apelamos ao governo iraniano para que suspenda a execução de Zeinab e conceda a ela novo julgamento, baseado no novo Código Penal do Irã e de acordo com os padrões dos direitos humanos internacionais.”

VIOLAÇÕES

A ativista da HRW lembra que a instituição se opõe à pena capital sob quaisquer circunstâncias. De acordo com Tarah, o Irã pratica o método para uma gama muito mais extensa de crimes do que o permitido sob a lei internacional, incluindo para delitos como “insulto ao Profeta Maomé”,  apostasia, relações homossexuais, adultério e uso de drogas. “O sistema legal iraniano é caracterizado pela ausência de julgamentos justos. Temos documentado padrões de violações de processos, particularmente nas Cortes revolucionárias, que costumam julgar ativistas.

Há exemplos de vários indivíduos no corredor da morte que não tiveram acesso adequado à defesa legal e foram submetidos à tortura”, denuncia.

Em 1982, a escritora iraniana Marina Nemat foi presa e condenada à pena de morte quando tinha apenas 16 anos. Seu crime: ser “inimiga de Deus”, por seguir o cristianismo. Depois de dois anos detida, foi libertada por ter se casado com um dos inquisidores. Para ela, o caso de Zeinab não foi devidamente investigado. “Ainda que a Corte decida aceitar uma confissão obtida sob extrema dureza e mesmo que ela tenha matado seu marido, Zeinab tinha apenas 17 anos na época, era uma menor, e não deveria ser condenada à morte. No entanto, o Irã mantém 49 crianças no corredor da morte”, disse à reportagem.

 

Depoimentos

Mahmood Amiry-Moghaddam, fundador da organização não governamental Iran Human Rights

“O sistema judicial iraniano é dirigido por homens com uma visão misógina em relação às mulheres. A lei do Irã encoraja a violência contra as mulheres. De acordo com a legislação do país, mulheres que não se vestem adequadamente ou que não se comportam de modo correto podem ser condenadas ao açoite. Isso promove a violência contra as mulheres dentro de casa.”

Tarah Sepehri Far, pesquisadora da Human Rights Watch (HRW) especialista em Irã

“É de suma importância que a comunidade internacional, particularmente países como o Brasil, que continuem a expandir seu engajamento com o Irã, demonstrem a importância de casos como o de Zeinab e façam eco aos nossos apelos. A pena capital é única em sua crueldade e finalidade, e é inevitavelmente atormentada pela arbitrariedade, pelo dano e pelo erro.”

Marina Nemat, escritora iraniana presa e condenada à morte em 1982, aos 16 anos


“Essa mulher, como qualquer pessoa e de acordo com o direito iraniano, merece um julgamento justo.

O processo esteve longe de ser justo. O sistema penal do Irã é baseado em leis religiosas e, por isso, arcaico. O apedrejamento e o enforcamento de menores são absolutamente bárbaros, e informação obtida de tortura não deveria ser permitida na Corte.”

 

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