Jornal Estado de Minas

Da aldeia para o mundo

Cem anos de solidão é o favorito entre os romances de Gabo

Livro é capaz de agradar acadêmicos e leitores em busca de uma boa história

Carlos Herculano Lopes
Nas bancas de Bogotá, jornais em que Gabo trabalhou estampavam em manchetes a notícia de sua morte - Foto: Fredy Builes/Reuters
O romance Cem anos de solidão parece ser, na opinião da maioria dos escritores e especialistas em literatura, o portal mais indicado para quem deseja penetrar no universo do escritor colombiano. Na avaliação de Letícia Malard, professora emérita da UFMG, quem quer começar a leitura da obra de Gabriel García Márquez não tem como escapar da saga dos Buendía. Para a ensaísta e romancista, a leitura do livro, que já foi traduzido para mais de 30 idiomas, é fundamental para se compreender não apenas a obra de Gabo, mas a literatura e a cultura da América Latina. “Macondo, a cidadezinha inventada por García Márquez, não é só Aracataca, sua terra natal, mas a Colômbia inteira e todo o continente latino-americano; nosso povo e nossa vida real ou imaginada”, afirma.

Também para o escritor e crítico literário paulista Luiz Bras, Cem anos de solidão é leitura ideal para quem está se iniciando na obra de García Márquez. “Recomendo sem hesitar. Não é um romance tão complicado e hermético quanto estão dizendo por aí. Sua estrutura é bastante simples. Dos ficcionistas do boom da literatura latino-americana dos anos de 1960, Gabo é, em essência, menos difícil e antipático, vamos dizer assim, que Julio Cortázar, Carlos Fuentes e Mario Vargas Llosa”, compara.


Para Luiz Bras, nem mesmo as dezenas de personagens reunidos para narrar a fundação e extinção de Macondo – miniatura mítica da América Latina – conseguem complicar o alegórico enredo de Cem anos de solidão. “Os prodígios sobrenaturais que acompanham as gerações da família Buendía fluem pacificamente. A convergência de realismo e fantasia é tão natural que instaura, sem conflito, outra realidade, em que mito e sonho ganham total concretude”, avalia Bras.

Quem também é leitor de Gabriel García Márquez há muitos anos é o professor de literatura e escritor paranaense Miguel Sanches Neto, que indica Ninguém escreve ao coronel como leitura para iniciantes na obra do romancista. “ É uma novela que alia a concisão com a capacidade narrativa. Fala muito da solidão dos trópicos e da situação quase mágica da espera dos direitos dos cidadãos que vivem à margem do poder”, analisa.

“No meu caso, ainda nos distantes anos de 1960, Cem anos de solidão foi o livro que criou em mim o sentimento de latinidade e o descobrimento de uma ficção criativa, com uma nova dicção, além de uma tremenda força telúrica. Foi um livro essencial para milhões de leitores ao redor do planeta e, em especial para a América Latina”, disse o escritor e professor Jeter Neves. Outro livro do escritor colombiano no qual o leitor pode confiar, para dominar o estilo e os temas de García Márquez, ainda de acordo com Jeter, é Crônica de uma morte anunciada. “Pela fatura do texto e pelo encontro de dois sistemas de significação que são o jornalismo e a ficção.”

VIDA A jornalista Michelle Torre, de 33 anos, está fazendo doutorado na área de letras, cujo foco é a presença dos ditadores na literatura latino-americana. Tema pesquisado, entre outras textos, no livro O outono do patriarca, de Gabriel García Márquez. Um livro bom para quem quer se iniciar na obra do escritor, na avaliação de Michelle, é também Cem anos de solidão. “Mostra o continente latino-americano com suas realidades, contradições e magia.
E conjuga ainda dois temas caros a García Márquez: a solidão e a memória”, justifica.

A pesquisadora recomenda ainda a leitura da autobiografia de Gabo – Viver para contar. “É um livro em que ele fala sobre o ofício de escritor, acerca da vida literária, e no qual constroi a imagem de si para deixar para a posteridade. O livro mostra como García Márquez gostaria de ser visto”, explica Michelle Torre..