Jornal Estado de Minas

Projeto esquecido de Oscar Niemeyer vira ruína em Trípoli, no Líbano

Um ano depois de sua morte, o Estado de Minas resgata um projeto quase esquecido do arquiteto: a Feira Internacional do Líbano, iniciado nos anos 1960 e até hoje inacabado

Túlio Santos
Com mais de 15 diferentes construções inacabadas, local serve hoje como espaço para caminhadas nos finais de tarde - Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press
Trípoli - O nome original do projeto não resistiu ao tempo. Desenvolvido por Oscar Niemeyer, no início da década de 1960, a Feira Internacional e Permanente do Líbano, em Trípoli, é um complexo arquitetônico de 1 milhão de metros quadrados. Hoje, o local é denominado Feira Internacional Rachid Karami, em homenagem ao político nascido na região que ocupou por oito vezes o cargo de primeiro-ministro.
Galeria de fotos das ruínas da Feira Internacional do Líbano

“O projeto (...) apresentou inicialmente o problema da escolha do local, que deveria ter se baseado no estudo urbanístico da região a fim de que ela se integrasse organicamente na vida e na futura expansão dessa cidade.” Essa anotação, feito pelo arquiteto em outubro de 1962, é um dos poucos registros que se referem à obra monumental. Niemeyer ficou descontente com a escolha do local, já que preferia construir o complexo junto ao mar da cidade.

- Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press
Uma avenida circular com cerca de 3 quilômetros contorna o complexo, localizado numa área central da cidade, ao sul do porto. Visto de cima em imagens de satélite, destaca-se o pavilhão principal em forma de asa, com seus 640 metros de extensão e cuja curvatura lembra a do Plano Piloto de Brasília, ou o prédio do Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília (UnB), também desenhados pelo arquiteto.

A construção de um espaço para realização de feiras internacionais e de grandes eventos pretendia impulsionar o desenvolvimento econômico do Norte do Líbano, que, assim como o resto do país, havia sido historicamente negligenciado em detrimento da capital Beirute. Iniciadas em 1963, as obras das 15 diferentes edificações continuaram por mais de 10 anos, sendo interrompidas definitivamente em 1975, com o deflagramento da guerra civil libanesa. Apesar do estágio avançado, com alguns dos prédios quase finalizados, o complexo arquitetônico encontra-se até hoje – 50 anos após o início das obras – inacabado.

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Nos anos da guerra civil (1975–1990), numa das temporadas em que tropas sírias permaneceram na cidade, munições e armamentos eram armazenados no Teatro Experimental, tirando proveito da estrutura de concreto em forma de redoma, similar a uma oca, o que fornecia proteção reforçada. Nos anos seguintes, o local foi utilizado esporadicamente para apresentações musicais, gravações de comerciais e outros poucos eventos. Hoje, apesar dos extensos e bem cuidados jardins, o anfiteatro a céu aberto não tem condições de utilização, com diversas cadeiras e a parte elétrica destruídas. O palco, assim como as estruturas adicionais no subsolo, servem apenas de sombra aos vários cães que habitam o local.

Em funcionamento atualmente no complexo há apenas um centro de registro de refugiados, montado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para receber diariamente os sírios que chegam por todo o Norte do país fugindo da guerra civil. Fora isso, são raros os tripolitanos que frequentam o local. Num fim de tarde qualquer, umas poucas senhoras da vizinhança foram vistas dando voltas, uma delas acompanhada por um cão na coleira.

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Dois jovens caminhavam numa rampa debaixo de um enorme arco, em altura proporcional ao do Sambódromo no Rio de Janeiro. Acomodados no concreto, eles se apresentaram como Khaled e Imad, e dizem fazer parte de uma equipe (ou crew) de dança de rua. Khaled, de 21 anos, ofereceu uma garrafa de energético com vodca e permaneceu sentado, distraído, comendo sementes. Imad, de 25, arriscou alguns passos e pede para ser fotografado. Com um filho de um ano e meio, trabalha quando consegue serviço e espera um dia ganhar algum dinheiro com a dança. Reclama da falta de empregos e de opções de lazer na cidade, o que, para ele, faz com que os espaços abertos da feira tenham ainda mais importância. “Venho sempre que há problemas na cidade ou em casa”, afirma, antes de tentar mais um twist.

MODERNIDADE INTERROMPIDA Os últimos a mostrar algum interesse no local idealizado por Niemeyer foram chineses, que planejavam transformá-lo numa espécie de centro de distribuição de mercadorias para o Oriente Médio. Mas, em 2006, quando Israel e o movimento xiita libanês Hezbollah travaram uma guerra de 34 dias, os bombardeios israelenses e a instabilidade criada pelo conflito destruíram também esses planos.

Desde os atentados de agosto, que atingiram duas mesquitas – uma delas a poucos quarteirões do complexo –, as embaixadas, inclusive a brasileira, passaram a fazer advertências oficiais contra visitas à cidade. Assim, mesmo os raros interessados em arquitetura têm se mantido afastados. Para muitos, o complexo, mesmo inacabado, deveria permanecer como está: um monumento às aspirações e ambições modernas de um Líbano de antes da guerra civil, e um registro do que a mesma guerra deixou incompleto.

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