Jornal Estado de Minas

OMC recebe diretor brasileiro com negociações estagnadas

AFP

O brasileiro Roberto Azevedo assume neste domingo a direção da OMC, mas os analistas advertem que terá que agir rápido para reavivar as negociações comerciais e restaurar a confiança na organização.

"Um trabalho ingrato espera o novo diretor-geral. Ele precisa agir de forma rápida e convincente. Tem que ser corajoso", indicou à AFP por e-mail Sergio Marchi, ex-ministro canadense do Comércio e ex-embaixador na OMC.

Azevedo, diplomata de carreira, substituirá o francês Pascal Lamy, que dirigiu durante oito anos esta organização encarregada de estabelecer as regras do comércio mundial.

Procurado pela AFP três dias antes de assumir seu novo posto, Azevedo disse que não falará com a imprensa antes de viajar a São Petersburgo, nas próxima semana, para participar do G20.

Já Lamy declarou à rádio pública suíça na semana passada que pretende voltar à Normandia, no noroeste da França, e "ter um tempo de reflexão", embora não descarte um retorno à vida política em seu país.

É compreensível que este socialista francês precise de um tempo para respirar. Ele disse que, desde que começou a dirigir a OMC, percorreu cerca de 450.000 quilômetros em média por ano, o equivalente a dez vezes a volta ao mundo, em suas tentativas de obter acordos entre os líderes mundiais para a conclusão da Rodada de Doha.

Lamy, ex-comissário de Comércio da União Europeia, também viu em seu posto uma grande ampliação da OMC, que a deixou com 159 membros, onze a mais em oito anos, entre eles Rússia.

Durante sua liderança também conseguiu incluir a organização nas cúpulas do G20.

No entanto, não teve êxito em reavivar as negociações estagnadas da Rodada de Doha, iniciada em 2001 para liberalizar o comércio mundial e derrubar barreiras como os subsídios, taxas alfandegárias e regulamentações excessivas para permitir que o comércio internacional beneficie os países mais pobres.

As divergências sobre o que se está disposto a dar e a aceitar separam China, União Europeia, Índia e Estados Unidos, paralisando as negociações durante os últimos anos, algo que fez muitos países optarem por acordos bilaterais e regionais.

"Infelizmente, não há muito o que exibir nestes oito anos", disse Marchi, para quem "a credibilidade da instituição se ressentiu fortemente da longa viagem da ADD (Agenda de Desenvolvimento de Doha)".

Ao mesmo tempo, nos últimos oito anos o comércio mundial refletiu a crescente importância das economias em desenvolvimento no cenário mundial.

Uma prova disso é que a quase todos os nove candidatos à vaga de Lamy no ano passado procediam de países em desenvolvimento ou emergentes.

Ao final do processo de seleção, Azevedo, que era o representante do Brasil na OMC desde 2008, foi eleito para assumir as rédeas da organização com sede em Genebra.

Os analistas dizem que terá que por as mãos à obra imediatamente.

Seu maior desafio é a próxima reunião ministerial, que será realizada em Bali em dezembro, e é vista como decisiva para o futuro da OMC.

O atual diretor advertiu que um "fracasso em Bali causará danos duradouros à OMC".

Azevedo, que já nomeou a nova equipe de diretores adjuntos, entre eles o primeiro chinês a ocupar um posto tão alto na OMC, já insinuou que vai encarar de frente este desafio.

Pouco depois de sua nomeação, em maio, ele defendeu "que seja devolvido à OMC o papel e o prestígio que deveria ter".

Depois de reconhecer que haverá dificuldades em Bali, ele insistiu que será possível avançar se os países membros sentarem à mesa com a vontade de encontrar uma solução e dispostos a um compromisso.

"A esta altura, não é tanto conseguir o que queremos, e sim salvar o que temos", disse, antes de ressaltar: "Vamos tirar a organização da paralisia resolvendo a rodada".

Azevedo, que tem reputação de articulador de consensos e que conhece o sistema de dentro, também deixou claro que é hora de liberalizar o comércio para lutar contra o protecionismo.

O próprio Brasil foi acusado de recorrer a práticas protecionistas, mas Azevedo insiste que muitos outros fazem o mesmo.

O novo diretor-geral da OMC apresentará seu programa em Genebra no Conselho Geral, organismo executivo integrado pelos embaixadores de todos os Estados membros, no dia 9 de setembro.