Jornal Estado de Minas

Obstinado pelo poder, Chávez se tornou ícone do socialismo na América Latina

Uma das figuras mais transcendentes e controversas do início do século 21 na América latina, Chávez se tornou ícone do socialismo e tido como ditador populista embriagado de si mesmo

Por Otacílio Lage
Hugo Chávez e o presidente russo, Vladimir Putin, - Foto: AFP Photo/Alexander NemenovFilho de professores, Hugo Rafael Chávez Frias foi criado pela avó paterna. Natural de Sabaneta, Oeste do país, ele estudou na cidade de Barinas e era amante dos esportes, em particular do beisebol. Aos 17 anos, ele ingressou na Academia Militar da Venezuela, onde se graduou em 1975 em ciências e artes militares, ramo da engenharia. Prosseguiu na carreira militar, atingindo o posto de tenente-coronel. Casou-se duas vezes: com Nancy Colmenares (três filhos) com a jornalista Marisabel Rodríguez, da qual se separou em 2003 (uma filha). Manteve uma relação durante 10 anos com a historiadora Herma Marksman, enquanto era casado com a primeira mulher.

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Venezuela em luto

Chávez e autoridades

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Em 4 de fevereiro de 1992, Chávez fracassou em um golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Pérez. Detido, passou dois anos na cadeia. Foi libertado após o afastamento de Pérez, graças a uma anistia do então presidente Rafael Caldera. Chávez abandonou a vida militar para se dedicar à política. Em 1997, fundou o Movimento 5ª República. Nas eleições para a Presidência, em 1998, venceu com 56% dos votos, prometendo combater a pobreza e a corrupção. Ao tomar posse em fevereiro de 1999, dissolveu o Congresso e convocou uma Assembleia Nacional Constituinte (ANC). A nova Constituição, aprovada por referendo em dezembro do mesmo ano, alterou o nome do país para República Bolivariana da Venezuela, ampliou os poderes do Executivo, permitiu uma maior intervenção do Estado na economia, eliminou o Senado e reconheceu os direitos culturais e linguísticos das comunidades indígenas. Em 2000 foi reeleito com 55% dos votos e passou a dominar a ANC.

Chávez tomou posse no início de 2000 apoiado na Ley Habilitante, e pôde promulgar 49 decretos em um ano, sem necessitar de aprovação do Parlamento. Entre eles estavam a Lei de Hidrocarbonetos, que fixava a participação estatal no setor petrolífero em 51%, e a Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, que determinava a expropriação de latifundiários. As novas leis foram contestadas pelos empresários, sindicatos, Igreja e televisões privadas, que o acusavam de querer tornar a Venezuela um país comunista. Houve um levante de empresários e trabalhadores, que anunciaram uma greve geral em protesto contra as medidas governamentais, mas as leis continuaram valendo. No final de fevereiro de 2002, Chávez fez mudanças na direção da companhia estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA) por pessoas da sua confiança, o que gerou profundas críticas. O descontentamento com a liderança de Chávez chegou a alguns setores do Exército e antigos companheiros.

A CTV convocou uma greve para 9 de abril de 2002. No dia 11, um grupo de manifestantes marchou até o palácio presidencial para pedir a demissão de Chávez, que se encontrava numa contramanifestação de apoio a ele. Quinze pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas ems confrontos. No dia seguinte, o general Lucas Rincón, chefe das Forças Armadas, anunciou que Chávez havia se demitido, tendo o presidente da Fedecámaras, Pedro Carmona, assumido a Presidência. Soldados leais organizaram um contragolpe e tomaram o Palácio de Miraflores. Diosdado Cabello, vice-presidente de Chávez, assumiu o poder temporário do país. Na noite do dia 13, ele foi libertado da prisão na ilha de La Orchila e regressou a Caracas, reassumindo o governo.

No final do an o, uma nova greve paralisou o país durante nove semanas. A Coordenadoria Democrática (uma coligação de partidos contra o governo chavista) pediu que fosse feita uma consulta popular na qual os venezuelanos se pronunciariam sobre a permanência de Chávez no poder. Em 15 de agosto de 2004, ele obteve 58,25% dos votos. Em 2005, a oposição boicotou as eleições parlamentares, pondo sob suspeita as autoridades eleitorais. Seguidores de Chávez ocuparam todas as vagas. Em 2006, ele conquistou mais um mandato nas urnas, vencendo Manuel Rosales, líder da oposição. Em 14 de janeiro de 2009, a Assembleia Nacional aprovou uma emenda à Constituição que permitia a reeleição indefinida do presidente, sendo logo referendada. Em 26 de setembro de 2010, a oposição, dividida, obteve mais votos nas eleições legislativas, mas os governistas conquistam 60% das cadeiras do Parlamento.

Polêmico

Hugo Chávez foi uma das figuras mais transcendentes e controversas do início do século 21 na América Latina, um ícone do socialismo e da controvérsia aclamado por uns como democrata altruísta e criticado por outros como um ditador populista embriagado de si mesmo. Ele deixa o legado de um projeto socialista e nacionalista que polarizou a vida na Venezuela e um vazio na liderança do subcontinente, sobretudo nos grupos que reivindicam o antagonismo com os Estados Unidos e o capitalismo.

Extrovertido, carismático e longe de qualquer timidez, Chávez fez do exercício do poder um espetáculo televisivo e transformou em antagonista dos EUA na América do Sul, em dominante absoluto dos assuntos internos de seu país, e foi muito influente nos temas regionais. Há quem sustente que para os venezuelanos sua liderança teve mais caráter espiritual e religioso que político e revolucionário. Por seu discurso, fundamentalmente nacionalista, passaram Jesus Cristo, Che Guevara, Mao Tsé-tung, Simón Bolívar e Karl Marx, em uma estranha comunhão que Chávez conseguiu armar em forma de doutrina. Ele defendeu o socialismo com a cruz na mão, orou em silêncio em uma capela enquanto o país o olhava pela televisão, e viajou para uma nova operação em Cuba acenando do carro com uma imagem de Cristo, confiando na cura.

Inspirava-se no seu bisavô, Pedro Pérez Delgado, um caudilho popular que brigou contra a ditadura de Juan Vicente Gómez (1908–1935). Amigo de líderes polêmicos, como o iraniano Mahmud Ahmadinejad ou o falecido ditador líbio Muamar Kadafi, Chávez, após 14 anos no poder, conseguiu projetar uma imagem de homem que superou as dificuldades descrevendo cada um de seus reveses como vitórias e tentou fazer de suas conquistas uma continuação das aspirações de Bolívar. Pensou em viver bem mais para chegar a isso. Mas o câncer lhe atravessou o caminho.