Jornal Estado de Minas

A guerra secreta de Obama

Sem alarde, presidente incrementou o uso de aeronaves não tripuladas para matar inimigos

Pablo Pires Fernandes
- Foto: REUTERS/U.S. Air Force/Handout/Files
Você sabe o que é um drone? É bom saber, porque esse artefato tecnológico já é uma realidade. E ele veio para ficar, para o bem ou para o mal. Um drone é um “veículo aéreo não tripulado” (UAV, na sigla em inglês), uma aeronave controlada a distância. Muitos países já têm domínio dessa tecnologia e seu uso é largamente empregado para inúmeros fins. Um drone pode servir para mapear rios e notificar enchentes, dimensionar colheitas ou monitorar o tráfego em tempo real, por exemplo. No entanto, o setor militar é o que tem dado mais ênfase ao desenvolvimento desta tecnologia, com emprego imediato pelas Forças Armadas de vários países, incluindo o Brasil. O uso desses robôs aéreos como arma é controverso. Já é determinante, porém, na maneira de guerrear atualmente. O uso dessas máquinas, em menos de 10 anos, já deixou um grande rastro de morte e destruição por onde sobrevaram. Essa prática traz novas questões logísticas estratégicas, mas também legais e éticas. As regras atuais já não servem. Como um militar americano, por exemplo, sentado diante de um computador em uma base militar no Deserto de Nevada, decide, em tempo real, o alvo de um míssil nas montanhas do Paquistão? Fato é que as consequências dessas transformações tecnológicas certamente serão duradouras e definitivas.
A tecnologia dos drones é conhecida por vários países há alguns anos, mas seu pleno desenvolvimento se deu nos Estados Unidos. A partir da Guerra do Golfo, em 1991, as possibilidades desse recurso mereceram atenção especial da cúpula militar americana.

Diante dos eventos de setembro de 2001, o governo do republicano George W. Bush criou um regime de exceção com amplas consequências. O trauma dos ataques serviu aos EUA para justificar certas práticas ilegais, como a tortura de prisioneiros e assassinatos seletivos (target killing) realizados com essas aeronaves. O primeiro ataque registrado de um drone ocorreu no Iêmen em 2002. Aos poucos, o uso desse recurso para atingir alvos tornou-se prática corrente. De 2004 até o ápice de 2008, Bush manteve drones sobre o Afeganistão e o Paquistão, recolhendo dados e lançando bombas.

Quando candidato à Presidência dos EUA, em 2008, o democrata Barack Obama pregou mudança. Criticou as guerras e o militarismo excessivo de Bush. Era então a vez do diálogo, da diplomacia e do multilateralismo. Todavia, neste primeiro mandato, que se encerra amanhã, o presidente da “esperança” praticou o oposto do que havia prometido.

Desde sua posse, em 20 de janeiro de 2009, Obama consolidou o uso dos drones como principal diretriz de sua política militar para lidar com a velha guerra ao terror herdada de Bush. John Brennan, consultor de contraterrorismo da Casa Branca (e, não por acaso, indicado pelo presidente para chefiar a CIA há apenas duas semanas), é o mentor dessa prática que pretende debilitar os grupos terroristas eliminando seus líderes.

O incremento da prática de assassinatos seletivos nos dois primeiros anos do mandato Obama em relação a seu antecessor impressiona. A New American Foundation relata 42 ações nos últimos cinco anos da administração Bush. Nos dois primeiros anos de mandato Obama, foram realizadas 171 – contagem considerada por alguns como modesta.

A ação dos drones em outros países é tratada com ressalvas pelos tradicionais meios de comunicação e com todos os tipos de filtros e reservas pelo governo dos EUA. Sabe-se pouco sobre a extensão do programa e suas reais consequências. As informações divulgadas pelo Pentágono – e reproduzidas mundialmente – são incompletas, vagas e questionáveis.

Um relatório da New American Foundation, de fevereiro de 2010, afirma que, desde 2004, 114 ataques de drones no Paquistão mataram entre 830 e 1.210 pessoas, das quais entre 550 e 850 são descritas como militantes, de acordo com fontes “seguras” da imprensa. Logo, o documento conclui que 32% dos mortos nesses ataques eram civis. O levantamento da New American Foundation é o mais citado pela imprensa mundial sempre que a morte de civis é posta em discussão. Tornou-se um parâmetro.

No entanto, várias pesquisas colocam em xeque a precisão metodológica e os números apresentados pela New American Foundation. Em agosto do ano passado, o Bureau of Investigative Journalism, uma organização inglesa, divulgou um relatório argumentando que os números são outros. O documento aponta que houve 8% a mais de ataques e, pelo menos, 40% mais mortes do que o relatado anteriormente. A investigação constatou que entre 392 e 781 civis foram mortos, sendo que 174 eram crianças. E, de acordo com essa pesquisa, há 1.158 feridos, para não falar dos traumas da população em geral.