Jornal Estado de Minas

Mercosul entra em 2013 com reformulações inéditas

Com mais dividendos políticos do que econômicos, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) encerra o ano repaginado. O bloco começou 2012 sem jamais ter passado por uma reconfiguração, mas entra em 2013 com a incorporação plena da Venezuela, a suspensão do Paraguai e o início da adesão da Bolívia. As críticas sobre o seu papel inicial de se transformar em um mercado comum persistem. No entanto, para especialistas, os ganhos do bloco no campo diplomático – de aproximar países na região e fazer contraponto ao Norte – ganham força com a ampliação. Nesse contexto, segundo eles, o Brasil se beneficia ainda mais, ao alargar o mercado para seus produtos e garantir suprimento energético.


A Venezuela passou a integrar o bloco em agosto, e a Bolívia assinou, no dia 7, durante a Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul em Brasília, o protocolo de adesão, cuja conclusão levará pelo menos quatro anos. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – este último suspenso – são os sócios fundadores. Marcelo Fernandes, especialista e professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), explica que as duas nações formam um arco energético na América do Sul, com o petróleo venezuelano e o gás natural boliviano.

O economista argentino Juan Soldano, da JSD Consultoria, acrescenta que a incorporação desses países significará a aceitação, por parte deles, de normas que ampliem a segurança dos investimentos dos integrantes do Mercosul em seus territórios.

COMPATIBILIDADE O fortalecimento político do bloco é inegável, segundo Fernandes, à medida em que as primeiras incorporações vão em contrapartida a outros mecanismos regionais, como é o caso, por exemplo, da Venezuela. Apesar de não existir a obrigatoriedade de se deixar um bloco para fazer parte de outro, o país de Hugo Chávez abandonou a Comunidade Andina de Nações (CAN), antigo Pacto Andino, no mesmo ano em que assinou o protocolo de adesão ao Mercosul, em 2006. O especialista brasileiro pondera que o Mercosul evitou também que houvesse, de fato, uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca) – a ideia, lançada pelos Estados Unidos em 1994, incluiria o Canadá. "A Venezuela está entrando para o Mercosul em uma perspectiva de negação à Alca", diz Fernandes.

Com a Bolívia, também integrante da CAN, o cenário é parecido. Dias antes de viajar a Brasília, o presidente, Evo Morales, afirmou que o seu país ainda estudava possíveis conflitos em participar dos dois grupos ao mesmo tempo.
Em coletiva de imprensa no Itamaraty, no dia 5, o subsecretário-geral da América do Sul, Central e do Caribe, embaixador Antônio José Ferreira Simões, explicou que não haveria uma incompatibilidade, até porque várias normas da CAN passam por “alteração” e "não estão operacionais". O pedido de adesão em Brasília não era confirmado na véspera pelo Ministério das Relações Exteriores e causou surpresa. Fontes diplomáticas disseram que o país "queimou etapas" e não chegou a realizar sondagens e consultas informais internamente, como se esperava. A Bolívia assinou o mesmo modelo de protocolo que a Venezuela. O pedido precisa ser votado no Parlamento de todos os países membros, inclusive do Paraguai.

De acordo com os especialistas, a possível incorporação da Bolívia é natural e caso semelhante deve o ocorrer com o Equador, outro convidado a integrar o grupo. Ambos, assim como a Venezuela, têm um alinhamento ideológico político maior com os demais membros. No caso do Equador, porém, ainda não há previsão de quando o país dará o próximo passo. Durante a cúpula, em Brasília, o presidente, Rafael Correa, declarou que Quito ainda analisava o pedido.


RELEVÂNCIA De qualquer maneira, os analistas são unânimes ao afirmar que, em seus 21 anos, o Mercosul ganhou importância internacional, apesar das críticas ligadas às dificuldades de se implementar um mercado comum. "É um avanço, do ponto de vista político para a região, a fim de se fazer um contraposto ao norte e de se privilegiar o mercado do sul", afirma Soldano. Segundo Fernandes, o bloco é considerado uma área de estabilização econômica e política e "recolocou os países que fazem parte dele na economia mundial".

Para prosseguir com seu desafio de integração, que na avaliação de Fernandes teria como objetivo unir todos os países sul-americanos, ainda há um longo caminho. Três das maiores economias da região – Peru, Chile e Colômbia – estariam hoje impossibilitadas de pertencerem ao grupo como membros plenos por manterem relações de livre comércio com os EUA. Juntos, o Produto Interno Bruto (PIB) das três nações somam mais de US$ 1 trilhão. Os três, com o Equador, são Estados associados do bloco. Também fazia desse grupo a Bolívia, que caminha agora para se tornar membro pleno. Já os PIBs boliviano e equatoriano, somados aos do Suriname e da Guiana, que aguardam resposta ao pedido para integrar o grupo, não chegam a US$ 200 bilhões.

Entre os desafios do Mercosul, a suspensão do Paraguai se coloca como o mais urgente.
A decisão foi tomada em 29 de junho, depois da destituição do então presidente Fernando Lugo, uma semana antes. No entendimento dos líderes do bloco, a ordem democrática no Paraguai foi suspensa no processo. A sanção deve se manter até as eleições presidenciais, em 21 de abril. A expectativa é sobre como o futuro governo lidará com a questão.

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