Jornal Estado de Minas

MINAS DESATIVADAS

Impasses deixam cavas à beira de áreas de preservação no entorno de BH


Estado que teve seu nome inspirado pela extração mineral, Minas Gerais sofre com a multiplicação de um passivo produzido por séculos de exploração que resultaram em centenas de empreendimentos hoje inativos, em muitos dos quais impasses administrativos ou judiciais atrasam ainda mais a solução para os danos ambientais.



E boa parte dessas extrações desativadas é vizinha de áreas de preservação, de recarga de aquíferos ou de nascentes, o que agrava seu risco, ao ameaçar fontes que alimentam bacias hidrográficas ou abastecem populações inteiras.

Exemplos dessa situação estão evidentes em áreas da Grande BH e vizinhas à região metropolitana, como ocorre na Serra do Rola-Moça. Sequência montanhosa das serras do Curral e do Cachimbo, o maciço sofre em sua zona de amortecimento com a degradação e erosão das cavas e barragens da Mina de Casa Branca, da Mineração Geral do Brasil (MGB), na porção de Brumadinho, um dos 401 empreendimentos de extração que se encontram paralisados no estado, enquanto outros 119 estão em situação de abandono, como revelou em sua edição dessa segunda-feira (17/7) o Estado de Minas.

A área de amortecimento ameaçada pelas cavas com atividade suspensa é parte da zona de proteção do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, unidade de conservação que abriga seis importantes nascentes que abastecem a Grande BH. O parque tem 3.941,09 hectares e é o terceiro maior em área urbana do Brasil, abrangendo também os municípios de BH, Nova Lima e Ibirité.



Em 2022, a mineradora conseguiu relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM) favorável, que contribuiu para a concessão de liminar na Justiça Federal à empresa, autorizando atividades de descomissionamento (esvaziamento) de barragens, que naturalmente envolvem atividades de mineração na área. Contudo, novo parecer relativo à estabilidade da estrutura de retenção de rejeitos levou à cassação da liminar, e a empresa teve que recorrer ao processo de licenciamento convencional, ainda em análise pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF).

Hoje, no espaço em que funcionava a MGB, às margens da estrada para Casa Branca, entre o Rola-Moça e o Condomínio Retiro das Pedras, não se veem sinais de atividades minerárias, tampouco de monitoramento das estruturas geológicas. As duas cavas, com seus degraus e zonas de aparentes erosões no alto, chegam a 54 metros e a 20 metros de profundidade, com áreas que somadas atingem oito hectares. Abaixo, a mina conta com duas barragens e estruturas administrativas e operacionais.

Segundo o movimento Rola-Moça Resiste, os processos que a mineradora quer usar para descomissionar as barragens exigem mineração e a criação de estrada dentro da área do parque, que poderia superar o tráfego de 144 caminhões/dia, trazendo impactos diretos à unidade de conservação.




O que diz a mineradora

Questionada, a MGB informou que a Mina de Casa Branca encontra-se paralisada há mais de 22 anos, desde junho de 2001, e que as barragens de rejeitos e demais estruturas passam por inspeções, monitoramento e manutenções periódicas. Sustenta que mantém profissionais treinados para esse fim, com base nas normas estaduais e federais, e tratativas com órgãos oficiais encarregados de atestar a segurança do complexo.

A mineradora afirma que monitora as barragens visualmente e por meio de instrumentos, com manutenção de acordo com a necessidade das estruturas e a partir de observações técnicas. Informou ainda que “auditoria externa de março de 2023 atestou as condições da barragem como adequadas para estabilidade física do maciço e capacidade hidráulica do sistema extravasor e apontou recomendações, classificadas como de rotina, de modo a garantir o funcionamento adequado e as condições de segurança”.

“A recuperação das cavas fará parte do Plano de Fechamento da Mina”, afirmou a empresa, em nota. A mineradora declara ainda que o projeto de descaracterização contempla escavação/retomada do material no interior das barragens, transporte até uma usina concentradora local e reprocessamento fora do limite do parque estadual. “Não há previsão de exploração na Mina de Casa Branca; estamos dentro da Zona de amortecimento do Parque Serra do Rola Moça”, conclui.



Mar de lama

A Lei 23.291/2019, que se tornou conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, foi uma resposta aos desastres com barragens em Mariana (novembro de 2015) e Brumadinho (janeiro de 2019). Entre seus principais avanços é apontada a proibição de operação de barragem que use o método de alteamento a montante, considerado o mais arriscado, bem como a obrigação de descaracterização dessas estruturas. A norma proíbe ainda uso de reservatório de rejeitos sempre que houver melhor técnica disponível e a instalação ou ampliação de barragem caso haja comunidade na região possivelmente afetada.

Cavas abandonadas sofrem processos de erosão que podem comprometer cursos d'água (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Pressão nos limites de estação ecológica

Em torno de um sítio arqueológico do século 18 que compreende pontos de mineração, povoação, criação de gado e fazendas (há registros de atividades de 1709 no local), outro empreendimento extrativo paralisado já engoliu montes, criou lagos barrentos e pode avançar sobre parte da área hoje pertencente à Estação Estadual Ecológica de Aredes, em Itabirito, na Região Central do estado.

Bem próximo às ruínas de casarões e estruturas de pedras de canga de minério de ferro, a mineração paralisada da empresa Minar aguarda autorização legal para voltar às suas atividades, inclusive com plano de descaracterização de uma das barragens.



Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais está em discussão o Projeto de Lei 387/2023, que tenta alterar os limites da unidade de conservação, que perderia 28 hectares e receberia outros 61 hectares pela proposta. Ambientalistas são contrários à ideia, por entenderem que prejudicaria diretamente mananciais de abastecimento do Rio das Velhas e também o acervo arqueológico preservado na estação.

A mais recente audiência pública ocorreu na última sexta-feira (14/07), dividindo opiniões entre quem deseja que a atividade minerária prossiga, gerando empregos e recursos, e ambientalistas que não abrem mão da preservação.

Sobre a Minar Mineração Aredes Ltda., a Feam informa que “em razão da criação da Estação Ecológica de Aredes, instituída pelo Decreto Estadual 45.397/2010, foi inviabilizada a continuidade das operações do empreendimento”. “Todavia, em razão da existência de uma barragem alteada a montante e das diretrizes da Lei 23.291/2019, a empresa está executando obras de descaracterização na estrutura. A barragem está em estágio final de descaracterização”, informa a fundação.



A equipe de reportagem do Estado de Minas tentou contato com a mineradora em busca de informações sobre os planos de expansão, caso os limites da unidade de conservação sejam alterados, e também sobre a descaracterização da barragem, mas não conseguiu contato pelos telefones listados pela empresa, inclusive nas placas da obra.

ATINGIDOS

Marta de Freitas, da direção nacional do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM), cobra maior rigor do Estado no caso das minas inativas. Segundo ela, o Código de Mineração de 1967 estabeleceu que aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente.

“Passados mais de 50 anos da vigência da lei, o processo de descomissionamento e de reabilitação de áreas degradadas pela atividade mineral na maioria das vezes não foi e continua não sendo cumprido”, afirma. O não cumprimento da legislação, diz, além da destruição do meio ambiente, representa risco para as populações no entorno dessas áreas.



Cicatrizes 1

Na edição de ontem, a reportagem “Minas desativadas: cicatrizes da exploração” mostrou que, segundo o cadastro da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), estão espalhados pelo território mineiro 520 empreendimentos inativos, total 30% maior do que o identificado em levantamento anterior, de 2016. Desse passivo ambiental que representa risco também para comunidades e fontes de abastecimento de água, 401 (77%) estruturas se encontram paralisadas, enquanto 119 (23%) estão abandonadas. A classificação que apontava o potencial de risco dessas áreas, porém, deixou de ser feita pelo estado depois do cadastro de 2016.

Já a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) afirma que o empreendimento da MGB no local tem duas barragens alteadas a montante que, nos termos da Lei 23.291/2019, devem ser descaracterizadas. A Feam acrescenta que participou de termo de compromisso firmado entre a empresa, o Ministério Público em níveis federal e estadual, a Agência Nacional de Mineração e o IEF para viabilizar a descaracterização das estruturas.

O acordo prevê ainda a contratação de auditoria técnica independente para acompanhamento das intervenções e a aplicação de sanções monetárias por dano moral coletivo. “O termo foi subsidiado por um estudo de impacto ambiental, auditado por uma equipe técnica independente, e está focado na remoção dos rejeitos dispostos nas barragens. O referido instrumento não autoriza, em hipótese nenhuma, a extração de minério bruto no local”, informa a Feam.