Jornal Estado de Minas

PRAGA

Caramujo infesta bairros da Grande BH e oferece riscos

 
A reportagem “Caramujos africanos infestam bairro de Divinópolis”, publicada pelo Estado de Minas motivou leitores de cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte a comentar que sofrem do mesmo problema em seus bairros. A reportagem ouviu moradores de Belo Horizonte, Contagem e Betim, que passam pelo problema causado pelos moluscos Achatina fulica, que infestam lotes vagos e acabam indo para as casas, destruindo hortas, causando mau cheiro e oferecendo riscos de contaminação por doenças. Nos comentários do post da matéria, no Instagram, diversos moradores de Santa Luzia também relataram o problema.




 
 
 
Neide Cândida da Silva, de 58 anos, é doméstica e convive com a infestação de caramujos há quatro anos. Os animais são provenientes de lotes vagos na frente e atrás de sua casa, no Bairro Granja Vista Alegre, em Contagem. “Tudo que a gente planta, eles comem; se deixa um livro eles comem as folhas; se a gente deixar uma roupa para pôr de molho, eles vão e comem o pano”, desabafou.
 
O desespero de Neide é tão grande que ela contou já ter pensado em vender sua casa para não ter mais que enfrentar o problema. “Eu já até pensei em vender aqui, sabe? Para uma pessoa que cuida, porque eu não tenho condições, já estou de idade. Vender baratinho, porque isso aqui faz até perder o valor do lugar”, falou. Ela disse já ter retirado mais de 100 caramujos de seu quintal num só dia, todos eles com muitos ovos. A doméstica teme a proliferação de doenças por meio dos moluscos.
 
Maria de Lourdes Oliveira, diarista, de 56, cuida, com a autorização da Prefeitura de Belo Horizonte, de um espaço de preservação na frente de sua casa, localizada no Bairro Diamante, na Região do Barreiro, em BH. Segundo ela, a presença dos moluscos, que começou em 2015, traz insegurança. “É um caramujo que além de ser capaz de transmitir doenças, invade as residências. Eles atravessam a rua e entram nas casas. Eles também incomodam pelo mau cheiro”, conta.




 
Oliveira afirmou que apesar de a comunidade já ter acionado órgãos competentes, nenhuma providência foi tomada no local. “A reprodução deles é muito rápida. Já procuramos a prefeitura, a Vigilância Sanitária, mas eles falaram que resolve só recolhendo (os caramujos), mas nunca mandaram ninguém. Quem recolhe sou só eu”, falou. “Já andei pela rua e, de uma só vez, enchi um saco de ração de 25 quilos de caramujos”, completou.
 
Maria de Lourdes também trabalha com artesanato e viu na infestação a possibilidade de obter matéria-prima para suas criações. “Eu achei muito bonitas as casquinhas e então resolvi fazer a limpeza, tirar os moluscos, higienizar e fazer esse trabalho, que se chama ‘mensageiros dos ventos’”. Ela contou que lava as cascas, deixa de molho no álcool, passa verniz e faz o artesanato para vender, sempre usando luvas cirúrgicas. Segundo ela, os lucros com as vendas são revertidos na tentativa de controle das pragas. “Eu tenho gastos com cal, sal, com as mudas que eles destroem”.
 
Moradora da região do Barreiro exibe molusco, que surge em grande número no período chuvoso e não tem predador natural no país
 

Transtornos

Lucilene Teixeira, de 39, é dona de casa e moradora do Bairro Jardim Alterosa Segunda Seção, no limite com o Bairro Cruzeiro do Sul, em Betim. Segundo ela, o aparecimento de caramujos no local é recente e data de dois meses atrás. “Os moradores estão juntando os caramujos e queimando, porque eles estão entrando dentro da casa da gente. São muitos”, contou. A dona de casa afirmou que são muitos os transtornos causados pelos moluscos. “Transmitem doenças, a gente tem criança em casa, é uma coisa horrível. A gente limpa, joga sal, água sanitária, mas no outro dia volta tudo. Tem uns que são do tamanho da palma da mão da gente. É um horror, nojento, um constrangimento”, desabafou.




O professor Hudson Alves explica que molusco foi introduzido como opção ao escargot francês e se adaptou ao país sem ir para a panela virando infestação (foto: Arquivo pessoal)

Uma iguaria que virou praga

A reportagem do Estado de Minas conversou com Hudson Alves Pinto, professor -adjunto do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ele, as infestações de caramujo são um problema crônico, tendo os moluscos sido introduzidos na região de 15 a 20 anos atrás. Hudson explicou que os animais foram introduzidos no Brasil no final da década de 1980 como uma opção ao escargot francês. Como a iguaria não caiu no gosto popular, os caramujos foram descartados de forma incorreta e, devido a sua fácil adaptação ao clima brasileiro, reprodução rápida e a ausência de predadores naturais no país, se tornaram uma espécie invasora.
 
Em 2003, com alertas de que os caramujos poderiam se tornar uma praga, sua criação foi probidade no país, mas, de acordo com Hudson, já era tarde demais. O professor afirmou, ainda, que a tendência é que, sem controle, a  situação piore. “Com o passar do tempo, o caramujo vai chegando a lugares que ele não estava antes, seja por questões naturais ou até pelo próprio homem”.

Doença fatal

Hudson Alves contou que os caramujos representam riscos para os seres humanos e animais domésticos, como cães e gatos. Isso se dá porque o animal hospeda helmintos Angiostrongylus cantonensis, que são vermes causadores da meningite eosinofílica (angiostrongilíase cerebral), uma doença grave e sem tratamento, que pode levar à morte, e também da angiostrongilíase abdominal, que é mais comum e possui tratamento. “Aqui no Brasil nós não temos muitos casos, o que é uma coisa boa, mas já houve casos, inclusive fatais. Não são tão numerosos, mas já acendem um alerta de que esse verme está por aqui”, explicou.




 
O professor explicou que o contato com o caramujo favorece a transmissão dos helmintos, mas que a principal forma de contaminação é pela ingestão de alimentos pelos quais o caramujo passou e deixou aquele muco que ele libera. É aí que ficam os vermes transmissores da doença. Por isso, a higienização correta dos alimentos é primordial. O professor Hudson também apontou que é necessário ter cuidado com as cascas vazias dos caramujos, já que elas podem acumular água parada e se tornar criadouros de mosquitos da dengue. Por isso é importante esmagá-las.
 
Outro apontamento do professor foi que em diversas situações, as pessoas acabam confundindo o caramujo brasileiro, que está dentro do ecossistema e tem seus predadores naturais, com os africanos. Isso tem feito com que as pessoas matem a espécie errada, o que vem gerando riscos até mesmo de extinção da espécie nacional.

Controle

Natália estuda os caramujos e afirmou que a catação do molusco é a melhor forma de controle da praga (foto: Arquivo pessoal)
Natália do Carmo Gonçalves é bióloga e faz parte do programa de pós-graduação do departamento de Parasitologia da UFMG e faz projeto de pesquisa com o caramujo africano. Ela afirmou que o molusco é encontrado em todo o território brasileiro e que este é considerado uma das cem espécies invasoras no mundo. Ela explicou que o controle do animal pode ser feito somente com base na coleta do molusco, que pode ser feita no período chuvoso, que é o momento onde o caramujo, que é um animal terrestre, sai da terra para poder se esconder da chuva e se alimentar.




 
"Quando esse caramujo se sente ameaçado, num ambiente desfavorável, ele se enterra e fica debaixo da terra até que encontre um ambiente favorável para ele, seja de clima e alimentação. Quando isso acontece, ele sai da terra e invade as residências”, explicou. De acordo com a pesquisadora, uma forma efetiva de combater os caramujos é as prefeituras contratarem equipes para fazerem as coletas e, posteriormente, incinerarem os moluscos. Ela alertou que esse trabalho precisa ser feito por profissionais especializados, o que impediria a população de se expor a riscos como a contaminação e os causados pelo fogo.
 
Gonçalves explicou que só limpar os lotes de onde saem os moluscos ou revolver a terra não só não adianta, como pode oferecer condições de proliferação aos moluscos. “É necessário que a população tenha cuidado o entrar em contato com esses animais, porque caso eles estejam infectados, o muco que esse animal produz pode conter as larvas dessas doenças e pode acarretar numa infecção, caso seja uma verminose que acomete humanos”, explicou a Natália.

Nos pets Natália contou que os caramujos trazem vermes que podem causar doenças nos cães e gatos. “É bom deixar claro que não há registros de que as verminoses de cães e gatos podem acometer humanos. Esses vermes são específicos”. “Os cães e gatos se infectam a partir da ingestão, ou do caramujo contaminado, ou de alimentos contendo o muco com as larvas”, finalizou.




 

Prefeituras monitoram e orientam população

A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com as prefeituras das cidades citadas na matéria pedindo um posicionamento sobre as infestações de caramujos africanos. A Prefeitura de Belo Horizonte informou que está ciente e monitora as notificações de ocorrência de caramujo africano no município. “As equipes de Zoonoses realizam vistorias e, durante as ações, são repassadas orientações aos moradores quanto às medidas necessárias (preventivas e corretivas) para evitar o aparecimento dos caramujos, como manter o ambiente limpo,  sem acúmulo de lixo, entulhos ou matéria orgânica”, diz a PBH. Com relação às áreas públicas, a prefeitura informa que “pedidos de vistoria devem ser solicitados por meio do Portal de Serviços”.
 
A Prefeitura de Contagem, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), afirmou que o setor de Zoonoses do município recebeu ontem um moluscicida a ser utilizado no controle dos caramujos. “Após avaliação dos fiscais e biólogos nas regiões afetadas, será realizado o trabalho de controle. Caso sejam esgotadas as possibilidades de limpeza do ambiente, os profissionais utilizarão o pesticida.” A Secretaria de Saúde esclarece que, em caso de aparecimento de caramujos, a população deve acionar o setor regional de Zoonoses do seu Distrito Sanitário, para que os técnicos façam a vistoria do local e deem os devidos encaminhamentos.
 
A Prefeitura de Santa Luzia informou que, de acordo com o Departamento de Controle em Zoonoses, neste ano de 2023 o setor não recebeu denúncias de infestações de caramujo. Apesar disso, foi enviado um documento com recomendações de como evitar infestações e prevenir doenças relacionadas aos caramujos. As pessoas devem evitar o contato direto com os caramujos e usar luvas ou sacos plásticos nas mãos para recolhê-los. Para eliminação, as conchas devem ser esmagadas e o resto do animal deve ser coberto com cal virgem e enterrado em uma vala.
 
Já a Prefeitura de Betim divulgou um telefone para acionamento do Centro de Controle de Zoonoses e Endemias (CCZE) do município. “Durante o período chuvoso é comum a proliferação de caramujos. 
O CCZE atua no controle da infestação dos moluscos, realizando a aplicação de veneno moluscicida. No caso de aparecimento de caramujos, o cidadão pode acionar o CCZE por mensagem via WhatsApp para o número 99928-2277.