Jornal Estado de Minas

ESTATUTO DO PEDESTRE

Sabia que BH tem há 10 anos um Estatuto do Pedestre? Veja onde ele tropeça


“Sempre ando na faixa, mas os carros e as motos partem pra cima da gente.” O relato da caixa de supermercado Ana Paula Viana, de 48 anos, resume os desafios de quem anda a pé nas ruas de Belo Horizonte. Dez anos depois de sancionado, o Estatuto do Pedestre mal saiu do papel e é pouco conhecido pela população.



A Lei municipal 10.407, de 2012, previu investimentos para que quem caminha pela cidade tenha mais segurança e conforto, porém, ainda surte pouco efeito na rotina dos belo-horizontinos. São buracos em calçadas, pontos de ônibus sem abrigos, falta de banheiros públicos na região central...

A cidade esconde armadilhas para quem é obrigado a caminhar por suas vias. A prefeitura informa que vem realizando intervenções para aumentar a segurança dos pedestres, como implantação de travessias e expansão do número de abrigos. Quanto aos banheiros, os sete que administra estão sendo revitalizados e outros deverão ser abertos em parceria público-privada.

No estatuto não há indicação de prazos para garantir os direitos dos pedestres. Na época, o Projeto de Lei 1.167/10, de autoria do vereador Adriano Ventura (PT), tinha um artigo que previa o Conselho Municipal de Pedestres, com papel fiscalizador, composto por representantes da Câmara, Secretaria de Políticas Urbanas, BHTrans e entidade representativa dos pedestres e idosos, mas o item foi vetado.



Também não foi sancionado o artigo que criava a Ouvidoria do Pedestre, pondo à disposição um telefone para sugestões, reivindicações e denúncias, sem custo.

Restou na lei os “direitos e deveres” do pedestre. Na primeira lista, estão sistemas de sinalização eficiente, com semáforos que permitam a travessia da via de um lado a outro, sem interrupção; alerta contra riscos à integridade do pedestre e abrigo contra intempéries (chuva, sol etc.).

Entre os deveres, bom comportamento para não impedir a terceiros o exercício da circulação, beneficiando especialmente cadeirantes, atendimento à sinalização e o comportamento respeitoso diante de motoristas e tráfego de veículos.

Intervenções no Centro da capital

No Centro de BH, a principal queixa é na hora de atravessar a rua, onde os pedestres, muitas vezes, têm que disputar espaço com carros e motocicletas.

“O trânsito aqui é caótico. É um verdadeiro Deus nos acuda. Tenho medo de ser atropelada. Alguma coisa tem que ser feita para nos proteger”, reclama a caixa de supermercado Ana Paula.



A maioria dos condutores continua sem parar nas faixas, apesar de o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e o Estatuto do Pedestre da capital garantirem preferência para quem está a pé e de campanhas educativas municipais, que tentam conscientizar motoristas.

Em plena esquina de Avenida do Contorno, veículo estacionado sobre a área de travessia, com sinalização desgastada, atrapalha a vida de quem caminha (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

No cruzamento das ruas Guaicurus e São Paulo, por exemplo, pedestres se arriscam na travessia entre os carros, já que não há faixa no local. A área é um dos pontos previstos para intervenção da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que abriu, no início do mês, consulta pública on-line para receber sugestões e entender os principais gargalos para tornar a travessia de pedestres mais segura na região.

O plano prevê alteração nas proximidades do terminal rodoviário de Belo Horizonte e de shoppings populares. Também contempla mudanças na altura da Galeria do Ouvidor, na esquina da Rua São Paulo com Carijós e Tamoios, e no encontro com a Avenida Amazonas. A consulta pública recebeu sugestões até o último 30 de junho.





A PBH informou, por meio de nota, que vem realizando ações relacionadas à ampliação das condições de segurança aos pedestres. Entre janeiro e abril, foram implantadas e recuperadas 81 travessias na Região Central, implantadas quatro travessias seguras na porta de escolas e 21 rampas para acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida.

Passageiros de ônibus sofrem sem abrigos

Não bastassem problemas como os constantes atrasos e lotação das linhas de ônibus, a maioria dos que usam o serviço também precisa esperar pela condução em pé e sem ter onde se esconder do sol.

Conforme dados da BHTrans, quase 70% dos pontos de coletivos da capital não oferecem abrigos para passageiros. Na capital, há aproximadamente 9.600 locais de embarque e desembarque, sendo que cerca de 3 mil têm proteção.





Segundo a PBH, nos quatro primeiros meses deste ano foram implantados 47 novos abrigos e reformados outros 33.

Mas em outros, como na Rua Junquilhos, no Bairro Nova Suíça, a sombra do poste é o que sobra para passageiros como o estudante João Victor de Souza Oliveira, de 27, se protegerem do sol.

“Fico aqui em pé uns 30 minutos esperando o ônibus passar. É isso ou sentar no chão sujo”, relata. A pouco menos de 300 metros dali, na Avenida Barão Homem de Melo, quase todos os pontos de ônibus têm abrigos.

Desafios

Segundo o arquiteto e urbanista Sergio Myssior, depois de 10 anos do Estatuto do Pedestre, a cidade já deveria contar com ações e políticas públicas efetivas para valorização e a segurança de quem caminha.



“É fundamental colocar as pessoas no centro da própria política de desenvolvimento da cidade. Mais de 40% das pessoas se deslocam exclusivamente a pé. Cidade boa é aquela onde o pedestre tem prioridade no deslocamento”, afirma.

Na avaliação de Myssior, a cidade precisa priorizar a infraestrutura para o pedestre também nas regiões periféricas.

“Esse talvez seja o maior desafio. As ações estão concentradas na Região Centro-Sul. Se você for a regiões periféricas, não tem o mínimo de infraestrutura para o pedestre”, afirma.

Até nas calçadas, território dos pedestres, armadilhas se multiplicam. E são maiores para portadores de deficiência (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Ele também aponta que o conforto para quem se desloca a pé vai além da segurança. “Muitos bairros afastados da Região Central mal têm passeios. Não têm uma arborização urbana que possa trazer também uma sombra, um conforto para as pessoas. Não têm iluminação. Precisamos levar essa infraestrutura para as pessoas que mais precisam”, afirma.





A valorização dos espaços públicos também é um desafio. “As ruas precisam ser pensadas em várias dimensões. Tanto na questão da infraestrutura física, quanto na ocupação dos espaços. As pessoas nas ruas são um componente fundamental para a vitalidade urbana. Se nós queremos ser uma cidade cada vez mais democrática, com prosperidade em todos campos, é fundamental uma política que valorize as pessoas nas ruas e garanta segurança”, afirma.

Falta banheiros públicos em BH

Um dos problemas crônicos de BH que o Estatuto do Pedestre também não conseguiu resolver é a falta de banheiros públicos no hipercentro da cidade. Lojistas, comerciantes e pedestres reclamam da situação da unidade da Praça Sete, no Centro da capital, interditado há mais de seis anos. O sanitário fica dentro de uma galeria no quarteirão fechado da Rua Rio de Janeiro.

“As três lojas (ocupadas pelo banheiro) são da prefeitura. Pagam condomínio normalmente, em dia. Eles vêm a algumas reuniões de condomínio, e ficam mudos”, conta o síndico da galeria, Marcos Taveira, de 48. Ele afirma que a prefeitura, inclusive, já fez contato sugerindo uma parceria para que o prédio administrasse o banheiro, mas isso nunca foi para frente. “Eu concordei, mas também não tive retorno”, disse.





Sanitário não tão público: estrutura do município em galeria da Praça Sete, no Centro, está fechada há anos (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Segundo Marcos, houve até inauguração do banheiro público na época em que foi aberto, em gestão anterior da prefeitura. “Eu já estava descrente naquela época. Já sabia que não ia funcionar. Quando me tornei síndico, já estavam falando em fechar o banheiro. Parece que a conta de água era muito alta. Uns dois meses depois, mais ou menos em junho de 2015, o banheiro foi fechado e não voltou mais a abrir”, revela.

Vânia Quaresma Souza, de 36 anos, se lembra da época em que o sanitário ainda funcionava. “Eu tenho aonde ir, mas vejo muita gente passando aperto, principalmente turistas. Tem que ir na rodoviária ou no shopping. E os dois são pagos”, conta ela, que trabalha há 18 anos em uma banca de jornais na Praça Sete.

Questionada sobre o fechamento do banheiro, a prefeitura não esclareceu o motivo da interrupção do serviço. Por meio de nota, a PBH disse, no entanto, que os sete banheiros públicos que administra estão passando por uma revitalização. Além disso, cita uma parceria público-privada (PPP) para instalação de 75 sanitários em locais mais movimentados da cidade. “O processo está em andamento e depende da realização de audiência pública e de licitação, com previsão para o início de 2023”, informou.





DIREITOS VERSUS REALIDADE

O que o Estatuto do Pedestre recomenda...

Sistema de sinalização eficiente

Segurança, conforto e tranquilidade

Sinalização que lhe permita a travessia da via de um lado a outro, sem interrupção

Alerta contra risco à sua integridade

Instalações sanitárias de uso gratuito
Abrigos contra intempéries

… a situação atual em BH (e o que diz a prefeitura)

Pedestres enfrentam travessias de risco na Região Central.
A PBH informa que implantou ou recuperou 81 travessias na Região Central entre janeiro e abril deste ano, além de quatro travessias seguras diante de de escolas e 21 rampas para acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida.

Quase 70% dos pontos de ônibus da capital não oferecem abrigos para passageiros.
A PBH contabiliza a implantação de 47 novos abrigos entre janeiro e abril deste ano, e reformou outros 33

Faltam banheiros públicos nas áreas de maior movimento, em especial no Centro
 A administração municipal prevê a abertura de 75 sanitários públicos a partir de 2023 e está revitalizando sete.