Jornal Estado de Minas

POR DENTRO DA SANTA CASA

Santa Casa de BH: a 'metrópole' da saúde ferida no incêndio


Comprimidas em corredores, multidões aceleradas lembram o ritmo dos passeios de uma capital. Já o silêncio de áreas de tratamento, a paz do interior. Com mais de 15 mil pessoas circulando por dia, a Santa Casa BH pulsa como uma cidade ambígua, chegando a ser mais populosa do que 598 municípios mineiros, cerca de 70% das cidades de Minas Gerais (confira o quadro).





Um lugar onde se busca alívio para a dor, mas que teve seu ritmo brutalmente quebrado na noite de 27 de junho, segunda-feira passada, com um incêndio que deixou dois mortos no processo de evacuação de 931 pacientes. O 10º andar, onde funcionava um dos Centros de Tratamento Intensivo (CTI), foi interditado pela Defesa Civil, sem um prognóstico de retorno ao funcionamento pleno. Ainda assim, os doentes não param de chegar de todo o estado. Exigem que a “cidade” siga sua rotina intensa, como mostra a reportagem do Estado de Minas.

Personalidades da medicina ou benfeitores batizam os setores, como a unidade que leva o nome do oncologista Eduardo Nascimento (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


Por todas as vias da Região Hospitalar de Belo Horizonte, o fluxo de origem e destino referente à Santa Casa, maior hospital 100% SUS de Minas Gerais,  é sentido. A pé, por transporte público, carro ou ambulância chegam médicos, pacientes, enfermeiros, funcionários, acompanhantes e fornecedores. Concentrando apenas na rotina do edifício da Santa Casa BH, na Avenida Francisco Sales, número 1.111, já se percebe esse movimento incessante de pessoas, pacientes, profissionais e ambulâncias convergindo para lá ou de lá saindo. Sem falar dos ambulantes que oferecem a essa multidão cachorros-quente, sanduíches, salgados, balas, artesanato, máscaras, meias, toucas, camisas e até panos de prato.

Médico em ação no Centro Cirúrgico, onde leitos de CTI foram abertos depois do incêndio (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


Essa pressa se funde ao ruído da cidade, ao apito dos veículos pesados em manobras até a recepção, onde pessoas iniciam atendimentos ou aguardam notícias. Dessa linha em diante, o complexo se abre em corredores labirínticos que permeiam como avenidas as várias alas dos 13 andares, enfermarias, 1.126 leitos neste momento , sendo 165 de CTI. Esse fluxo é mais restrito a médicos em seus jalecos, enfermeiros paramentados de azul-claro, pacientes com exames nas mãos –  geralmente em lento caminhar ou mesmo em cadeiras de rodas –  e seus acompanhantes.




 
Vista aérea da Santa Casa (D), para onde convergem 15 mil pessoas diariamente em tratamento, a trabalho ou de visita (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)


Os setores de cada ala, como ruas, recebem nomes que são homenagens a gente importante, no caso, médicos e benfeitores de destaque para o hospital. Assim, o destino pode ser o Centro Cirúrgico Dr. Atos Alves de Souza, a Unidade de Oncologia Pediátrica Dr. Eduardo Nascimento, o Centro de Tratamento Intensivo Pós-Operatório Pediátrico Dona Lucinha ou a Unidade de Tratamento Intensivo Cybele Pinto Coelho, entre outros.

Um dos setores mais restritos é o Centro Cirúrgico e também um dos que mais precisou se adaptar após o incêndio, uma vez que absorveu parte dos pacientes dos 50 leitos clínicos de CTI do 10º andar, que está interditado, ocupando parte das vagas destinadas ao tratamento intensivo pós-cirúrgico. Nada que esse centro não tenha vivido antes, já que no ápice  da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), com a Santa Casa se tornando referência, o setor cedeu 20 leitos para os casos de COVID-19.



“Mesmo passada a pior fase da pandemia, o Centro Cirúrgico foi muito comprometido por medo. Os pacientes não queriam vir e ser internados ainda com medo da COVID-19. Estávamos normalizando o fluxo e teve essa tragédia. Mas, para não parar o nosso atendimento, estamos abrindo mais oito leitos cirúrgicos de CTI para os pacientes destinados ao nosso atendimento”, disse a coordenadora do espaço, Caroline Xavier Figueiredo.



Esse é um dos locais mais movimentados e de silêncio, que só é quebrado pelo deslizar das rodinhas de macas, instrumentos, carrinhos de limpeza e pelo bipe dos equipamentos de monitoramento dos pacientes. Só se entra com camisa e calça esterilizadas, sapato fechado, touca, máscara e em alguns procedimentos com colete de chumbo contra raios-x. Durante o dia, trabalham seis enfermeiros e 88 técnicos de enfermagem em escalas que variam de 12 por 36 horas, 8 ou 6 horas. Em média, são 1.100 cirurgias por mês, em torno de 50 por dia.


 
Para o provedor da Santa Casa BH, que seria o “prefeito” dessa complexa cidade, Roberto Otto Augusto de Lima, sua função é exigente, mas também uma honra. “É muito desafiador, diante da complexidade e do tamanho da demanda que temos, cenário que é agravado pela inexistência de políticas e financiamento público adequados. Na Santa Casa BH, a missão só se torna possível em razão do engajamento e da competência de nossas equipes, que têm amor pelo que fazem, além do reconhecimento por parte da sociedade”, disse.