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Estado de Minas MEIO AMBIENTE

Agronegócio quer desmate em área de cerrado igual a um terço de BH. Entenda

Terreno de mais de 10 mil hectares está no centro da disputa entre entidades ambientais e empresa BrasilAgro, que planeja retirar vegetação e perfurar poços


04/04/2022 04:00 - atualizado 04/04/2022 06:12

Fazenda Novo Buriti
Àrea da Fazenda Novo Buriti, com características típicas do bioma, se estende por dois municípios. Críticos dizem que uso de água vai ameaçar veredas. BrasilAgro sustenta que manterá reserva maior que a exigida (foto: AMDA/Divulgação)
 
bioma
(foto: AMDA/Divulgação)
 
Mapa
(foto: AMDA/Divulgação)


As árvores retorcidas de caules cascudos, os cupinzeiros que se elevam lentamente do solo e árvores nobres, como os pequizeiros protegidos por lei, em uma área que equivale a um terço de Belo Horizonte, com 10,3 mil hectares, estão no centro de uma batalha entre a expansão da agricultura e a proteção ambiental em Minas. O imenso cerrado nas divisas da Fazenda Novo Buriti, em Bonito de Minas, Norte do estado, tem planos de destinação para pecuária e produção de grãos por sua proprietária, a empresa BrasilAgro. Mas, para isso, teria de haver desmatamento. Na semana passada, o embate entre ambientalistas defensores da proteção do bioma e entidades que defendem o desenvolvimento, com compensações ambientais e sociais, foi um dos mais ferrenhos das últimas reuniões do Conselho Estadual de Políticas Ambientais (Copam).
 
Trata-se de caso extremo em uma situação que ainda reserva impasses crescentes entre os setores envolvidos, uma vez que a ampliação das fronteiras agrícolas brasileiras para aumentar a produção de alimentos encontra em Minas Gerais expoentes diferentes. Por um lado, produtores que buscam ampliar a produtividade em suas áreas com tecnologia, enquanto outros avançam sobre matas primárias. Tudo isso agravado por um contexto de mudanças climáticas, aquecimento global e perspectiva de perdas e quebras se a devastação ambiental se mantiver. Em defesa de seus projetos para a Fazenda Novo Buriti, a empresa proprietária garante que preservará outros 14 mil hectares de área de reserva, fará investimentos em combate a incêndios e uso de técnicas sustentáveis.
 
Seguindo os processos para atividades de plantio e pecuária sugeridos por ambientalistas em Minas Gerais, percebe-se um aquecimento das atividades. Saltaram de uma média de 40 requisições entre 2009 e 2017, para 172 (330%) em 2018 e 99 (147%) em 2019, segundo dados mais recentes disponíveis. São processos de desmatamento, mas também de construção de barramentos, estudos, outorgas para captação de água de rios e subterrâneas, entre outros. A listagem consta do Sistema Integrado de Informação Ambiental (Siam) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
 
O destino da área de cerrado da Fazenda Novo Buriti, no Norte de Minas, esbarra em um impasse. Após inúmeras divergências entre conselheiros do Copam, especialistas e a Superintendência Regional do Meio Ambiente (Supram), a presidência do conselho que trata do setor em Minas, exercida pela diretora do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG), Vanessa Naves, decidiu pedir diligências para que mais informações sejam trazidas antes de abrir uma votação para aprovar ou vetar o desmatamento.
 
A advogada Lígia Vial Vasconcelos, representante da Fundação Relictos, com cadeira no conselho, questionou o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) apresentado pela BrasilAgro para justificar o desmatamento. “Os estudos apontam que a área diretamente afetada (ADA) foi amplamente explorada para produção de carvão e está em regeneração. Mas não há evidências disso históricas ou científicas. Pelas fotos de satélites que vemos, 80% da mata não foi desmatada e apenas 20% foi afetada na década de 1970. Ou seja, falamos de grande parte da mata primária, que abriga a biodiversidade", aponta.
 
Como a área é vizinha e chega mesmo a se confundir visualmente com o Parque Estadual Veredas do Peruaçu, o intercâmbio de espécies é outro ponto destacado pelos ambientalistas. Principalmente porque criticam o fato de que o EIA-RIMA não identificou animais de porte e importância na área a ser desmatada, mas na região os biólogos afirmam já terem sido catalogadas 80% das espécies de mamíferos de grande porte do cerrado nacional. “Foram avistados cachorros do mato-vinagre, que não são vistos na natureza em Minas Gerais há 170 anos e precisam de um território de 14 mil hectares como hábitat. Temos onças-pintadas e antas ali, e nada disso aparece no relatório”, reforça Lígia Vial.
 
O presidente da Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá), Gustavo Malacco, também foi incisivo ao considerar diversas informações do EIA-RIMA incipientes, colocando em dúvida, também, a necessidade desse modelo de atividade para a região. “A biodiversidade no mosaico do grande sertão do Peruaçu é estratégica, com centenas de espécimes ameaçadas de extinção e relevantes para a região, com interações ecológicas já estabelecidas. Está entre as cinco Áreas de Proteção Ambiental (APA) de maior representatividade nativa do cerrado”, afirma.

VEREDAS E NASCENTES Partes do projeto seriam frontalmente ameaçadoras para os recursos naturais da região, na visão do ambientalista, como a necessidade de perfuração de sete poços de grande capacidade. “Estudos da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) demonstram que o Norte de Minas será muito impactado com o aumento de temperatura, redução de chuvas, redução do Produto Interno Bruto e aumento da desertificação. Um empreendimento de pecuária que depois demandará mais sete poços interfere no regime hidrológico de uma região com baixo índice pluviométrico (poucas chuvas). Vai ameaçar as veredas, vai secar nascentes e nada disso foi tratado”, avalia Malacco.
 
Ainda de acordo com o presidente da Angá, comunidades tradicionais da área sobrevivem do agroextrativismo e realmente são muito pobres, e ele afirma que isso traz uma necessidade de políticas públicas, que proporcionem melhor aproveitamento dos recursos da região e do turismo rural com as comunidades. "Não procuraram essas pessoas para lhes mostrar esse modelo, que traz poucos empregos (estão previstos 30 diretos) e vai empobrecer o solo, retirar água e depois que exaure tudo pega as malas e vai para outro lugar”, critica.
 
Críticas à avaliação de órgão do meio ambiente 
 
Os conselheiros do Copam ligados a entidades ambientais criticaram fortemente as avaliações feitas pela Supram Norte de Minas. De acordo com os representantes da superintendência ligada à Secretaria de Estado de Meio Ambiente, “não foi encontrado nenhum impedimento que interfira nas normas de legislação atuais e não façam com que o empreendimento seja passível de autorização. A equipe técnica avaliou a viabilidade ambiental”, indicou o órgão.
 
Sobre os poços, a Supram Norte de Minas considera que têm viabilidade hídrica e que seria necessária mais supressão de vegetação para que sejam implantados. “Já existe um poço tubular, e a equipe entende que para a primeira etapa o poço já outorgado é adequado, mas, para as duas etapas subsequentes seria necessário perfurar esses sete poços em seis anos.” A superintendência também informou que foram encontradas no local áreas de cerrado em regeneração, mas que, mesmo que tenha mata primária, não se trata de um bioma legalmente protegido como a mata atlântica. A avaliação incluiu condicionantes, como a solicitação de relatórios com fotos após a concessão das outorgas dos sete novos poços e reduziu para 90 dias os relatórios após a finalização de supressão.
 
Por outro lado, o Ibama questionou o EIA-RIMA, sobretudo quanto à questão de incêndios. “(O Ibama) Considera que as formações de brigadas, manutenção de aceiros e outros aspectos dos incêndios, que são o maior impacto ambiental do Norte de Minas Gerais, foram (abordadas de formas) muito superficiais. Não ocorreu, por exemplo, um estudo de focos de calor da região", considera o instituto.
 
A Gaia Assessoria Técnica, que produziu o EIA-RIMA, defendeu o estudo e informou tê-lo produzido com equipe multidisciplinar, mais de 10 biólogos envolvidos em estudos diretos ou indiretos, além de instituições. “O Eia-Rima apresentou dados primários in loco. Não há cerrado em estado primário, mas em regeneração, como foi constatado.”
 
A representante da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) considerou o projeto mais sustentável do que a lei exige, com 7 mil hectares sendo deixados como reserva além dos 7 mil de reserva legal obrigatórios, e afirma que a empresa se propôs a transformar em área protegida em uma reserva particular do patrimônio natural (RPPN). “Mais da metade da área será mantida com vegetação nativa às custas do empreendedor, e manter significa proteger de incêndios e degradação.”
 
Destacou também que na microrregião de Januária, onde está a fazenda, mais de 1,2 milhão de hectares são destinados à preservação. “Desenvolvimento sustentável precisa ter equilíbrio. O município de Bonito de Minas tem o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano de Minas Gerais. Uma pesquisa do Sebrae mostra que é o pior do estado em competitividade, infraestrutura para investir, atração e permanência de negócios. Essa é uma das oportunidades de desenvolver uma área que precisa em Minas Gerais”, argumenta a Faemg.
 
O CEO da BrasilAgro, André Guillaumon, afirmou confiar totalmente nas pessoas que trabalharam no projeto e nas instâncias do estado que o avaliaram. Disse que a BrasilAgro tem empreendimentos ainda maiores em seis unidades da federação, e que suas atividades respeitam a sociedade civil. “Na questão dos combates a incêndios, temos áreas lindeiras em parques. No Parque Nacional das Emas (Goiás), o ICMBio conta com nossa ajuda, pois temos cinco caminhões de bombeiros que também auxiliam em áreas que não são nem nossas. Temos uma preocupação umbilical de que a coisa aconteça respeitando o meio ambiente. Atrevo-me a dizer que o sonho dos gerentes de parques é a instalação da BrasilAgro próximo às suas áreas para ajudar a controlar os incêndios”, disse.
 
O executivo reforçou que os benefícios propostos estariam acima dos exigidos por lei para contrapartidas. “Além da reserva legal, vamos preservar mais 7 mil hectares. Se for para criar uma RPPN, vamos criar. Estamos pedindo licenciamento faseado e além disso, traremos geração de emprego, geração de renda, geração de impostos. Poucos conhecem a miséria da população. Visitem a comunidade de Vaca Preta. Duvido que sejam contrários. Hoje, cuidamos de 170 mil hectares agrícolas com ciência e tecnologia. Não vale olhar o passado e achar que vale para agora. Isso é jogar todo o trabalho da Embrapa no lixo. Temos a sustentabilidade como objetivo, com nossas próprias biofábricas de bioinseticidas e biofungicidas, por exemplo”, acrescentou o CEO da BrasilAgro. 
 
 


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