Jornal Estado de Minas

Meio ambiente

Vazamento da AngloGold polui córrego em Sabará


Um tradicional ponto de pesca para moradores de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é o Córrego Cuiabá, afluente do Rio das Velhas. O curso d'água sofreu um despejo de rejeitos da mineradora AngloGold Ashanti no último fim de semana, após um vazamento, e agora preocupa os pescadores da região que sobrevivem da atividade. O Ministério Público de Minas Gerais interveio e bloqueou R$ 100 milhões da empresa.





Próximo ao córrego, a mineradora tem a Mina Cuiabá e a Minas Lamego. No sábado passado, foi identificado um vazamento de material industrial na baía de secagem da planta da Mina Cuiabá e, segundo a empresa, “o vazamento foi estancado imediatamente, assim que identificado”. No entanto, a água que percorre o córrego próximo ao vazamento foi atingida e chegou a ficar cinza.

Pescadores, como Berenice Soares, de 55 anos, que utiliza o córrego há pelo menos 30 anos, ficaram apreensivos com a poluição do ambiente. Ela, além de trabalhar com serviços gerais, utiliza a pesca para completar a renda mensal em casa. “É uma fonte de renda que a gente tem. Na atual conjuntura, você não está conseguindo sobreviver com o que é vendido no comércio, carne e esse tipo de coisa. É uma fonte de proteína nossa também”, conta.

Com o vazamento dos rejeitos, ela diz que está apreensiva, assim como centenas de outros pescadores. “Não sabemos qual a contaminação, qual tipo de metal caiu, o que aconteceu. Temos que esperar a perícia apurar e estamos esperando o resultado do teste laboratorial para ver o quanto foi contaminada essa área pra gente, que sobrevive da pesca”, ressalta.





Berenice ainda afirma que, apesar do receio, não pode parar de consumir o que pesca. “Estamos vivendo numa faca de dois gumes – ou vai, ou vai de qualquer jeito”, afirma. “Centenas de pessoas pescam aqui. Depois da pandemia e do desemprego, isso virou fonte de vida. Não é uma ou duas pessoas, são centenas de pessoas que ficam aqui. É um rodízio dia e noite, porque precisamos do rio e é uma fonte de renda e de alimento para todos nós”, completa.

Segundo a pescadora, o córrego serve não só para pesca como para outras atividades e é preciso preservá-lo. “Já nadei, já lavei roupa no córrego. Ficamos com pena de ver o rio sendo morto e as coisas acontecendo e ninguém fazendo nada. Tem que cuidar melhor do rio, não é um favor, é uma obrigação. Não só para nós, mas para as gerações que virão.”

Ela continua: “Antigamente, tínhamos o Greenpeace que protegia o lado da pesca por aqui, hoje não vemos o meio ambiente fazendo nada em prol disso. É meio ambiente para ficar sentado no gabinete? Para nós, não. Estamos no sol e sujeitos a contaminação e qualquer outro tipo de coisa. Enquanto isso, vamos pescando porque não temos outra opção.”





Pescadora, Berenice Soares critica a falta de fiscalização e se diz apreensiva. Córrego é fonte de renda e alimento para população (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Rodrigo Solan, de 53, técnico de patologia clínica e segurança, aproveita o córrego como lazer há 20 anos. Ele também entristeceu com o que viu. “Não sabemos o grau de contaminação da sujeira que desceu no rio. Estavam fazendo uma pesquisa pra ver a contaminação. A água muda de uma hora para a outra a cor, fica avermelhada de minério. É muita sujeira que desce, uma tristeza”, aponta. Ele pede: “Tem que pedir ao pessoal mais fiscalização. Falta fiscalização por parte do Ministério da Saúde, do Meio Ambiente, porque se deixar toda responsabilidade para a Prefeitura de Sabará, não resolve.”

Justiça 


O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ação contra a AngloGold e pediu à Justiça o bloqueio de R$ 100 milhões das contas da mineradora. O valor seria destinado a atividades de recuperação e compensação ambiental e à elaboração de plano de comunicação dirigido à comunidade impactada pelo vazamento. Além disso, o órgão também pediu que a empresa fique impedida de mexer na mina, nas pilhas, nas barragens e em outras estruturas operacionais da empresa até que sejam comprovadas a segurança e a estabilidade das atividades. A ação cautelar foi ajuizada por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Sabará e do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caoma).


Em nota enviada do Estado de Minas ontem, a mineradora informou que o material que desceu para o rio é classificado como “rejeito não perigoso” e a coloração foi “devido à característica natural da própria rocha”. A empresa ressaltou ainda que estão sendo feitos monitoramentos e não há nenhuma relação com a barragem, que se encontra segura e estável. A AngloGold informou ainda que foi contratada uma empresa especializada em atendimento a emergências ambientais, que realiza a limpeza do local de forma ininterrupta, 24 horas por dia.





A mineradora afirmou ainda que “a água do Rio Sabará já retornou à coloração normal”. Informa ainda que “o vazamento foi estancado imediatamente, assim que identificado”. Na nota, a mineradora disse lamentar “profundamente o ocorrido”, além de reforçar “seu compromisso ambiental”. 

Sem comentar a ação ajuizada pelo Ministério Público e o pedido de bloqueio de recursos, a AngloGold disse que está colaborando com as autoridades. “Vamos cumprir todas as obrigações legais que forem determinadas”, diz a empresa na nota.

Monitoramento 

A Prefeitura de Sabará informou que solicitou à mineradora o acompanhamento da qualidade da água nos trechos afetados e também foi determinada a apresentação da classificação do material. Além disso, a empresa tem sete dias para encaminhar todos os relatórios de estudos e cronograma para avaliação dos danos causados.





Em nota, a prefeitura informou que a AngloGold foi autuada a 'realizar o acompanhamento da qualidade da água nos trechos afetados pela ocorrência (Córrego Cuiabá, Córrego Gaia e Rio Sabará), com amostragens diárias, até que a qualidade da água retorne ao status quo; a apresentar classificação completa do material lançado no corpo d'água” e ainda a “encaminhar, num prazo de sete dias, todos os estudos e relatório com cronograma, contendo a avaliação da extensão dos danos causados (fauna, flora, recurso hídrico e população) pelo vazamento do material e as medidas adotadas a fim de interromper e sanear totalmente os danos causados”.