Jornal Estado de Minas

VIDA RENASCE NO VELHO CHICO

Depois das enchentes, Rio São Francisco testemunha o milagre dos peixes

 

Moradores de Pirapora, no Norte de Minas, se debruçam à beira do Rio São Francisco, na área urbana da cidade, para apreciar um espetáculo da natureza: a subida de uma grande quantidade de peixes em direção à cabeceira do rio para a reprodução. No fim de semana, a piracema, como é conhecido  o fenômeno, favorecido pela enchente do rio, revelou o aumento dos cardumes no Velho Chico, comemorado pelos ambientalistas e pescadores.  “É primeira vez, desde a grande mortandade de peixes ocorrida no rio em 2004 e 2005, que estamos vendo novamente aumentar os cardumes no Rio São Francisco. Isso é motivo de grande alegria para mim e todos os pescadores e moradores ribeirinhos”, afirma o ambientalista Roberto Mac Donald, idealizador e coordenador do projeto Amigos das Águas.



 

Ele conta que há 33 anos faz expedições de barcos e caiaques pelo Rio São Francisco, no trecho entre o reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Marias e Pirapora. Dessa forma, a cada ano, documenta as condições ambientais da bacia , observando ainda questão da quantidade de peixes nas águas do Velho Chico.  Também percorre o rio de caiaque constantemente,  com 15 canoístas.

 

O ambientalista lembra que o Velho Chico tinha uma grande quantidade de peixes no passado, o que garantia o sustento de milhares de pescadores e movimentava o turismo e a economia da região. “Meu sogro tinha um frigorífico em Pirapora, que vendia cerca de 50 toneladas de pescados por mês. Ele abastecia muitos restaurantes. Mas há anos ele fechou o frigorífico porque não tinha mais peixes para vender”, relata Mac Donald.

 

Ele salienta que a grande mortandade de peixes no Velho Chico ocorrida nos anos de 2004 e 2005 provocou impactos negativos em Pirapora e em outros municípios banhados pelo Rio São Francisco. “Foi uma situação muito triste para todos os pescadores, ambientalistas, moradores e toda a cadeia produtiva do peixe”, registra Mac Donald, lembrando que, na ocasião, morreram milhares de peixes nas águas do Velho Chico, sobretudo da espécie surubi, a mais conhecida da bacia.  O morador de Pirapora recorda que foram encontrados mortos exemplares de surubi no rio com peso de mais de 100 quilos.





 

 

Poluição


Em 2004 e 2005, uma grande mortandade de peixes foi constatada no rio, provocada pela poluição proveniente de esgotos lançados no Rio das Velhas, afluente do São Francisco (foto: Jornal O Barranqueiro)
O coordenador do Projeto Amigos das Águas lembra que, na época da mortandade dos peixes, o lançamento de metais pesados nas águas do São Francisco por uma indústria de Três Marias foi apontado como a causa dos problemas.  “Mas depois foi feito um estudo que mostrou que, na verdade, a grande poluição do São Francisco chegava pelo Rio das Velhas, que recebia 100% do esgoto doméstico e industrial da Região Metropolitana de Belo Horizonte”, enfatiza o ambientalista.

 

 

“Junto com o esgoto doméstico, o rio recebeu grande quantidade de organofosforados (agrotóxicos) e resíduos industriais”, afirma Roberto Mac Donald. Ele lembra ainda que foi constado que, por meio do Rio das Velhas, o São Francisco também recebia esgoto industrial de mineradoras, o que teria contribuído para mortandade das espécies da bacia.

 

 

Pacto de revitalização


Desde a segunda metade dos anos 2000, foram implantadas diversas ações voltadas para a despoluição e revitalização do Rio das Velhas, por meio de um pacto firmado entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH-Rio das Velhas), as prefeituras que integram a bacia, a Copasa e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad).

 





 

Também morador de Pirapora, onde mantém um canal no Youtube, o fotógrafo e ambientalista Aparício Mansur considera que, além da melhoria das condições ambientais, com a  redução da poluição que chegava do Rio das Velhas, o aumento dos cardumes no Velho Chico é consequência da elevação do volume e das enchentes do rio, em função do bom regime de chuvas dos últimos meses.

Canoístas navegam no Rio da Integração Nacional, onde colhem informações sobre a situação do manancial e de sua fauna (foto: Roberto Mac Donald/Divulgação)

 

 

Berçários


Mansur explica que os alevinos vão para  lagoas marginais do São Francisco, que funcionam como “berçários” da bacia. No entanto, com estiagens prolongadas por anos seguidos, muitas delas secaram, o que reduziu a quantidade de peixes na bacia.

 

 

“Com o secamento de lagoas marginais, não havia a possibilidade de locomoção dos alevinos em direção ao rio. Isso passou a ocorrer depois das enchentes causadas pelas últimas chuvas. Os peixes tiveram condições de deixar as lagoas e voltar para o leito do rio. Agora, na piracema, as espécies tentam subir para a cabeceira, para a reprodução”, descreve o fotógrafo e ambientalista.





 

Por sua vez, Roberto Mac Donald lembra que, em 1996,  por causa dos efeitos da seca no Norte de Minas, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou em Pirapora a Operação Salva Peixe. A ação consistiu em retirar os alevinos das lagoas marginais que estavam secando e levar os peixes para serem lançados nas águas do Velho Chico.

 

Pirapora, salto do peixe

 
Com a enchente do Rio São Francisco, no período da piracema – que vai de 1º de novembro a 28 de fevereiro, quando a pesca é proibida na bacia –, os cardumes sobem o rio para reprodução e, ao passar pelas  corredeiras do Velho Chico em Pirapora, as espécies  dão  saltos para fora d'água, tentando vencer os obstáculos das pedras e quedas d’água do leito. Assim,  criam um bonito espetáculo da natureza. O fenômeno dos peixes ultrapassando os obstáculos das pedras nas corredeiras  para a desova na cabeceira do rio está vinculado diretamente ao nome da cidade. Em tupi-guarani, Pirapora significa “salto do peixe”. 
 

Expectativa de fartura e de bons negócios

 
Mais que um espetáculo natural, a piracema é sinônimo de esperança de dias melhores, com muita fartura. O ambientalista Roberto Mac Donald afirma que no fenômeno dos peixes saltando as corredeiras do Rio São Francisco, em Pirapora, estão sendo vistas diversas espécies, como surubi, curimatã, dourado, matrichã e piau.  Ele destaca que Pirapora vive a expectativa de voltar a contar com a fartura do peixe, o que deverá proporcionar melhoria do turismo e movimentar a economia regional, mantendo o sustento dos milhares de profissionais cadastrados na região.





“A  nossa expectativa é que toda a cadeia produtiva será recuperada. O setor hoteleiro, as lanchonetes, os restaurantes, os bares, todos serão beneficiados. Até os postos de combustíveis  poderão aumentar as vendas para abastecer os barcos dos pescadores”, acredita Mac Donald.

Ele disse ainda que Pirapora tem a esperança de que, com o “retorno” dos grandes cardumes ao Velho Chico, possa voltar a promover o Campeonato Brasileiro de Pesca Esportiva do Doutorado e do Surubi, que fez muito sucesso no passado. A competição teve como grande incentivador e divulgador o jornalista Oswaldo Wenceslau, que mantinha uma coluna de pesca no Estado de Minas.  
 

Comportas abertas em Três Marias

(foto: Cemig/Divulgação)
Nos últimos dias, o volume do Rio São Francisco aumentou bastante devido às chuvas e à abertura das comportas da Usina Hidrelétrica de Três Marias (foto), conduzida pela Cemig, em janeiro. Sábado, a quantidade de água liberada do reservatório de Três Marias chegou a 3,017 mil metros cúbicos por segundo. Na mesma data, o reservatório atingiu 93,7% da sua capacidade.