Jornal Estado de Minas

#PRAENTENDER

O que muda com o novo Ensino Médio no Brasil?

Tão importante quanto desenvolver habilidades e conteúdos é desenvolver habilidades e competências para o jovem flertar com possibilidades diversas, experimentar novos caminhos, ter condições de estar no mercado de trabalho, na universidade ou num curso técnico. Com as mudanças do novo ensino médio no Brasil, esse é o caminho de estudantes das escolas públicas e privadas na volta às aulas de 2022. 



O novo formato da última etapa da educação básica pretente dar autonomia aos alunos, que poderão agir como protagonistas de seus percursos escolares, assegurados por uma formação geral básica traduzida em direito mínimo de aprendizagem. Na rede estadual de Minas Gerais, alunos de 2.388 escolas passarão por essas mudanças a partir de fevereiro. Mas a mudança é obrigatória também para o ensino privado. Fizemos este vídeo #PraEntender de forma prática o que muda com o novo ensino médio no Brasil.

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O novo ensino médio foi criado para estar de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que definiu conteúdos obrigatórios e comuns a todo o país. A Lei 13.415, de 2017, alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e estabeleceu mudanças na estrutura do ensino médio. O prazo para implementação, de cinco anos, venceu em 2022.


O novo modelo será oferecido somente a alunos do 1º ano, de forma gradativa, e contemplará os três anos do médio em 2024. Apenas o estado de São Paulo, que antecipou a implantação, tem as turmas de 2º ano já imersas no processo.

 

Principais mudanças do novo ensino médio 

 

Entre as alterações, está a ampliação do tempo mínimo do estudante na escola de 800 horas para 1 mil horas por ano e definição de nova organização curricular. Mais flexível, ela contempla, além da Base Nacional Comum Curricular, a oferta de diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes.





A nova divisão de disciplinas ficou assim: 

 


Alunos na Escola Estadual Pedro II, em BH: Secretaria de Educação prepara diagnóstico sobre efeitos da pandemia no aprendizado para corrigir trajetória (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press %u2013 3/11/21)

A intenção é dar ênfase ao processo de protagonismo do estudante, com estratégias para que essa etapa de ensino faça sentido para a ele. O novo currículo é dividido em formação básica (conta com habilidades e conteúdos necessários ao aprendizado de todos os estudantes) e flexível. Nele, há disciplinas eletivas e a possibilidade de o estudante fazer seu percurso formativo.

 

Na rede estadual de Minas Gerais, as escolas sairão de 25 aulas semanais para 30, sendo 12 delas relativas a componentes curriculares jamais vivenciados: os itinerários formativos. Para cumprir as 1 mil horas, 83% dos estabelecimentos de ensino estaduais optaram por ter um 6º horário e 17% escolheram o contraturno uma vez por semana.

O que é o poder de escolha?

A segunda parte do currículo do novo ensino médio é composta pelos itinerários formativos, que são conjuntos de aulas e atividades, oferecidos pela escola, referentes às áreas de conhecimento da BNCC. Dessa forma, o aluno terá mais tempo para se dedicar ao que gosta e ao que pretende fazer no futuro.





 

Cada escola poderá oferecer o itinerário formativo que desejar; no entanto, todos são aprovados pelo Conselho de Educação do estado em que a instituição se encontra. Os alunos poderão fazer a mudança de itinerário quando quiserem. Há, ainda, algumas escolas que planejam oferecer, no 1º ano, de maneira obrigatória, itinerários diferentes, para que os estudantes vivenciem todos em um mesmo ano e se decidam sobre qual área seguir.


Engajamento social

Mas, essa ampliação não significa necessariamente mais tempo em sala de aula. Pelo menos não para todos. A ideia da Secretaria de Estado de Educação (SEE) é levar em conta também as experiências vividas pelo aluno, seja no trabalho, na comunidade onde vive ou a partir de seu engajamento social – algo considerado importante para os alunos do noturno, da Educação de Jovens e Adultos (EJA), e para aqueles que já estão no mercado de trabalho.

 

A legislação e o desenho feitos em Minas permitem, por exemplo, integrar a carga horária de estágio àquela do contraturno ou do sexto horário, como no caso dos menores aprendizes –  uma garantia de flexibilidade no sistema de registro de frequência e no histórico escolar.



Diretora da Escola Estadual Geraldo Teixeira da Costa, em Santa Luzia, Patrícia Lima prepara a comunidade escolar para a mudança, com cartilha e reuniões (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press )

“Se a família acha importante fazer um curso de informática por dois meses, no fim, apresenta à escola o comprovante e o aluno volta a frequentar as aulas. Não estamos mudando radicalmente a rotina de quem já tem outros compromissos”, garante a diretora do ensino médio da SEE, Mônica Couto.

“Os itinerários são desenvolvidos sob forma de projeto: se fez um curso, o aluno consegue ser reintegrado à turma sem perda de aprendizagem. Agora, é pôr em prática tudo isso e acompanhar as dificuldades que sabemos que existirão, fazendo as adaptações necessárias”, diz.

 

"Decisões mais assertivas" 

Bem orientar sua comunidade escolar é a preocupação da diretora Patrícia Bernadete Xavier Andrade Lima, da Escola Estadual Geraldo Teixeira da Costa, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. As reuniões com os coordenadores de área começaram ainda nas férias. No dia 2, está marcada uma live para pais, professores e alunos de Patrícia com o também diretor Heverton Ferreira, da Professor Domingos Ornelas, escola localizada a poucos metros de distância.





(foto: Quinho)

 

Patrícia vai trabalhar com o 6º horário e itinerário formativo na área de linguagens, para abordar técnicas de redação do Enem, práticas criativas e mundo do trabalho, entre outros temas. “Os estudantes teriam direito de escolher as eletivas, mas por ser tudo novo e eles também estarem chegando, cada escola fez uma opção. Eles escolherão no 2º ano. Aqui, direcionamos para disciplinas com carga horária reduzida e que podem ser completadas com eletivas. Além disso, muitas vezes o aluno não é direcionado para o Enem por escolha própria. Entendemos, assim, que com o novo ensino médio eles possam ser mais esclarecidos e tomar decisões mais assertivas”, relata.

 

Prevendo um início difícil e necessidade de adaptações, a diretora não desanima, tamanha é a vontade de deixar para trás “um currículo ultrapassado”. “Ficamos empolgados com as novas disciplinas, direcionadas a práticas fora da escola. Veio para inovar e nos possibilitar ensinar para que possam aprender melhor, ter foco ao concluir o ensino médio. É uma possibilidade inclusive de reduzir a evasão. São novidades, mas dentro da realidade e vivência dos estudantes. Sinto que eles terão mais voz para ser protagonistas desta nova ideia de educação.”

 

Ferramenta de futuro e para superar perdas

Mudanças em curso e expectativa de que, dentro de três anos, os primeiros frutos do novo ensino médio comecem a ser colhidos na forma de melhor desempenho dos alunos em avaliações como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Mas, se o objetivo é começar com o pé direito e mirar no futuro, não dá para ignorar os dois últimos anos de pandemia, que trouxeram efeitos nefastos para a educação brasileira.





 

Em muitas cidades, os alunos que agora chegam ao ensino médio ficaram 18 meses com suas escolas fechadas enquanto cursavam o fundamental – muitos deles nem retornaram à sala de aula depois da reabertura. Que há defasagem, ninguém duvida, a questão é saber o tamanho dela. Para isso, Secretaria de Estado de Educação (SEE) prepara um diagnóstico em todas as suas escolas para evidenciar o que precisa ser retomado e sugerir aprendizagens essenciais entre uma etapa e outra.

A avaliação levará em conta os componentes curriculares e as áreas do conhecimento. Uma das pistas é usar os itinerários e seus projetos para contornar o problema. “A proposta do novo ensino casa com essa necessidade o ajudará a retomar o que ficou para trás, sem que isso seja um fardo para o aluno. Evitará que ele perca o interesse e abandone a escola”, afirma a diretora do ensino médio da SEE, Mônica Couto. “Os movimentos são aplicados na realidade. Deixa de ser estanque. Não termino quando faço uma prova.”

 

Entrevista / Priscila Boy, consultora educacional

(foto: Arquivo pessoal/Divulgação )
A rede privada também passará por mudanças, com maiores ou menores adaptações. Em termos de carga horária, o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) estima que a totalidade de seus afiliados já trabalhe com o 6º horário ou contraturnos. Segundo a escritora e consultora educacional Priscila Boy, especialista no novo ensino médio, receita das privadas será baseada em disciplinas eletivas atraentes e aprofundamento na preparação do Enem.





 

Como é a arquitetura do novo ensino médio? 

Ele tem a parte comum da BNCC e três unidades curriculares que compõem o itinerário: aprofundamento, eletivas e projeto de vida. No primeiro, o aluno escolhe algo que permita dar continuidade em sua vida, no mundo do trabalho ou curso superior. O projeto de vida é obrigatório, independentemente de ter escolhido engenharia, direito, medicina, e será unidade curricular do itinerário. Já as eletivas são unidades curriculares mais curtinhas. O objetivo é enriquecer o itinerário com algo relevante para os alunos, independentemente da área esco- lhida. Educação financeira, por exemplo, pode ser uma: médico, advogado, empreendedor, professor, todos precisam de finanças. Independentemente da área escolhida, a eletiva vai me ajudar na vida. É uma por semestre ou uma por ano, com carga de 40 horas ou 80 horas (uma ou duas aulas por semana, respectivamente).



 

Quais são as diferenças de organização entre as redes pública e privada? 

A rede pública já recebeu o desenho e vai trabalhar com aprofundamento, projeto de vida e eletiva. Provavelmente, a maioria das escolas privadas seguirá esse modelo, porque a rede particular tem que seguir o currículo do estado e está sob a égide dele. Pode montar arranjos diferentes como, por exemplo, pôr projetos de vida lá em cima junto com a BNCC, de forma integrada. Elas podem oferecer eletivas mais atraentes, num diálogo maior com tecnologia, línguas (algumas têm trabalhado com perspectiva bilíngue) e temas ligados ao socioemocional para potencializar o trabalho com o projeto de vida. Mas temos também na rede privada escolas menores, com uma turma só de cada ano. Então, fica inviável inventar muitas unidades curriculares como itinerário. Nesses casos, vão trabalhar com eletivas multisseriadas que serão frequentadas por alunos de todas as séries. Essa escola vai trazer eletivas que dialoguem com o mundo do trabalho e com o quê o futuro está pedindo, porque tem uma clientela que paga e quer o filho preparado.

 

O novo ensino médio poderá atenuar as diferenças entre as redes pública e privada?  

A rede pública tem toda condição de fazer um trabalho de qua- lidade. O que está faltando não só em Minas, mas no país, é formação continuada desses professores. Sou formadora de educadores, tenho curso sobre ensino médio e mais de 600 de meus alunos não tinham noção de como organizar esses arranjos. O ensino médio só vai fracassar se não investir no ator principal do processo de mudança, aquele que vai executá-la: o professor. Está faltando segurança, solidez e entendimento de como atuar para fazer o novo formato dar certo. Redes pública e privada sempre tiveram diferenças na oferta, no aprofundamento, na qualidade, na materialidade. Essas diferenças tendem a continuar, mas se a rede pública seguir o que o estado desenhou, fizer material de qualidade e formação, tem plenas condições de atender aos anseios da juventude. E a rede privada está se preparando para oferecer um ensino médio inovador.

 

Como as grandes escolas particulares vão trabalhar os itinerários formativos? 

Essas que são voltadas para resultado vão jogar do mesmo jeito esse acompanhamento e aprofundamento de estudos no iti-nerário. Ela não vai chamar de preparação para o Enem, embora eu tenha sugerido no meu curso montar uma unidade curricular chamada Vem, Enem, com o necessário para o aluno se aprofundar no que o exame pede. Mas vai pôr nos aprofundamentos esses estudos, vai manter isso. Algumas vão mudar o nome, outras não.