Jornal Estado de Minas

OURO PRETO

Santuário atinge meta de doações para restaurar 23 peças sacras



Se a comunidade é a melhor guardiã do seu patrimônio, como dizem os especialistas, merece aplausos o exemplo de moradores de Ouro Preto, na Região Central: agir o quanto antes para não perder seus tesouros barrocos. Assim, três meses antes do esperado, terminou a campanha de apadrinhamento de 23 imagens sacras do século 18 pertencentes ao Santuário Nossa Senhora da Conceição, no Bairro Antônio Dias, no Centro Histórico da cidade, reconhecida como patrimônio mundial. “Começamos a campanha 'Apadrinhe uma imagem' em maio, pretendendo concluir em fevereiro de 2022, mas já conseguimos todos os recursos”, festejava ontem o pároco e reitor do santuário, padre Edmar José da Silva.



Preferindo não revelar o valor arrecadado, padre Edmar se mostra satisfeito com a grande participação popular na iniciativa – mais de 200 famílias. Para que todos se envolvessem na ação inédita no estado para preservação dos acervos, a paróquia criou carnês, permitindo que, além das 18 que haviam se comprometido com o restauro de 18 peças sacras, outras patrocinassem mais cinco. “O resultado é motivo de grande alegria para nós, pois a missão está sendo cumprida”, contou.

Quem chega ao santuário, considerado um dos templos católicos mais antigos de Minas, com a construção iniciada em 1727, e também dos maiores em tamanho e suntuosidade, pode comprovar o sucesso da empreitada. Das 23 peças, 15 ficaram prontas, tendo passado pelas etapas de limpeza, imunização (para evitar ataque de cupins), fixação, consolidação, nivelamento e reintegração da pintura.

São elas: Santa Bárbara, São João Nepomuceno, Virgem da Assunção, Santa Rita, São Brás, São Roque, Nossa Senhora da Boa Morte, São Francisco de Paula, São Zacarias, Nosso Senhor do Bonfim, São Gonçalo, Nossa Senhora do Terço, São Miguel Arcanjo, Crucificado da Agonia, além de uma cruz usada em procissões. “Fica faltando só o trabalho do escultor para reparar um pedaço ou outro de madeira que se perdeu ao longo do tempo”, explica o religioso.



As demais peças vão ainda passar pelo mesmo tipo de intervenção. Estão nesse grupo: São Sebastião, São José de Botas, São Domingos de Gusmão, Santo Antônio, Sagrado Coração de Jesus, São Judas Tadeu, Santa Apolônia e Nossa Senhora das Mercês.

'O crucificado' está entre os objetos sacros revitalizados (foto: Anima Conservação, Restauração e Artes/Divulgação)


Participação


Em maio, o Estado de Minas mostrou o início dos trabalhos e a repercussão em Ouro Preto. Na sequência, outras localidades mineiras se interessaram em reproduzir a ideia do padre Edmar. “Fico feliz que nosso projeto esteja rendendo frutos no estado”, afirmou ontem, com a certeza de que a comunidade é realmente a melhor guardiã de seu patrimônio e fundamental para valorizar a cultura.

Para moradores do município, orgulho e fé


Moradores de Ouro Preto mostraram seu entusiasmo ao participar do projeto. "Trata-se de uma iniciativa importante em todos os sentidos, principalmente do pertencimento aliado à valorização da arte e ao fortalecimento da fé", ressaltou a professora Dulcinéa Corrêa França. Ela conta que oito pessoas da família se juntaram para apadrinhar a imagem da Virgem da Assunção, de devoção da tia, Elizabeth Lopes França. Sobre Santa Apolônia, também apadrinhada por seus familiares, Dulcinéa confessa que nada sabia, e, ao pesquisar, descobriu que foi uma cristã martirizada durante o Império Romano, sem jamais negar sua fé. Com os carnês, todos podem colaborar, observou a dona de casa Maria das Mercês Costa Dias.



Para a superintendente do Iphan em Minas, Débora do Nascimento França, a ação traz muito orgulho, por ser fruto de uma parceria em construção direta com a sociedade. "O Iphan apoia e admira a iniciativa, que partiu do padre Edmar José da Silva. Ações como essa demonstram a importância do patrimônio cultural para a sociedade e dão um exemplo de como tais parcerias podem ser trabalhadas em prol da preservação de um patrimônio tão rico como o de Ouro Preto."

O conjunto de peças não foi incluído no processo de restauração do Santuário Nossa Senhora da Conceição, tombado desde 1939 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – as obras iniciadas em 2014 na edificação, com recurso federal, têm previsão de término no começo do ano que vem. Trata-se do mesmo prazo para conclusão do trabalho nas imagens, que tem apoio do Iphan e serviço a cargo da empresa Anima Conservação e Restauração, de São João del-Rei. As famílias podem acompanhar o restauro realizado no ateliê montado no consistório (antiga sala de reunião das irmandades) no santuário.

Mau estado


As peças do acervo, em tamanhos que variam de 20 centímetros a 1,75 metro de altura, em madeira policromada, se encontravam em mau estado de conservação, com perda de policromia, de pinturas e outras depreciações, conforme mostrou em maio ao EM Gilson Felipe Ribeiro, restaurador da Anima. O padre Edmar destacou: “Como é muito comum durante as obras de restauração, vamos descobrindo novos elementos artísticos que precisam de reparos. E isso ocorreu também com a nossa igreja matriz, que nessas obras têm o acompanhamento do chefe do escritório técnico do Iphan em Ouro Preto, arquiteto André Macieira".



Restos mortais de Aleijadinho estão no templo


O padre Edmar com restauradores da Anima: outras localidades querem adotar a ideia de apadrinhamento (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 5/5/21)
Conhecida como Matriz Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, o santuário (vinculado à Arquidiocese de Mariana) foi erguido pelo grupo do bandeirante Antônio Dias no então arraial homônimo, como uma pequena capela devotada a Nossa Senhora da Conceição. Por volta de 1705, a ermida foi ampliada, reflexo do desenvolvimento local e da subsequente demanda pela constituição de uma paróquia própria. A freguesia de Antônio Dias, junto com a de Nossa Senhora do Pilar, passou a compor a recém-fundada Vila Rica, unificando, sob a mesma jurisdição política e administrativa, dois dos principais arraiais de Ouro Preto.

Em 1727, o templo começou a ser reconfigurado e ampliado por Manoel Francisco Lisboa, pai de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Nos anos seguintes, a igreja passou por diversas obras, intervenções e melhoramentos internos até a segunda metade do século 18. A Matriz Nossa Senhora da Conceição, tombada isoladamente pelo Iphan em 1939, foi sede de vários eventos históricos importantes, como a posse do governador Gomes Freire de Andrade, em 1735.

Também abriga os restos mortais de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), patrono das artes no Brasil, sepultado em frente ao altar de Nossa Senhora da Boa Morte; e de seu pai, Manoel Francisco Lisboa, na capela-mor. Na antiga sacristia, está instalado o Museu Aleijadinho, onde podem ser admiradas várias obras do mestre, como a imagem de São Francisco de Paula e um Cristo crucificado.

Um dos mais importantes exemplares da arquitetura religiosa brasileira – tanto sob o contexto arquitetônico no panorama das matrizes mineiras setecentistas quanto na excepcionalidade da qualidade artística do seu acervo de bens integrados –, a edificação passa pela segunda etapa de restauração, iniciada em 2019. Os trabalhos em execução estão em estágio avançado do cronograma físico e incluem serviços de conservação e restauração.




audima