Jornal Estado de Minas

RECUPERAÇÃO CRIMINAL

Entrar em facção criminosa é certeza de reincidência em Minas Gerais

O batismo em uma facção criminosa se tornou uma sentença irrecuperável de banditismo e encarceiramento em Minas Gerais. Um estudo inédito entre os estados brasileiros feito em Minas Gerais Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) mostra que a chance de reincidência e de nova condenação de um preso pertencente a uma facção é 345% maior do que a de um interno sem relações com os sindicatos do submundo.



Além da altíssima probabilidade de reincidência penitenciária, os presos pertencentes a facções ciminosas têm também uma probabilidade extremamente mais alta de voltarem a delinquir e serem indiciados pela Polícia Civil. A chance é de 172,7%.

O estudo faz parte da tese "Fatores Sociais associados à Reincidência Criminal: estudo comparado do Estado de Minas Gerais (Brasil) e da Comunidade Autônoma da Catalunha (Espanha)", defendida por Roberta Fernandes Santos no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas, com orientação do professor e sociólogo Luís Flávio Sapori.

Os dados utilizados são da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) e levaram em conta duas situações para presos que findaram suas penas ou obtiveram livramento condicional: a reicidência policiail, quando são novamente indiciados pela Polícia Civil, e a reincidência penitenciária, quando são condenados e retornam ao sistema prisional.



Quando se toma os índices gerais de reincidência em Minas Gerais, 60,8% dos presos voltam a ser indiciados criminalmente pela Polícia Civil. O perfil mais comum desse tipo de reincidente é de homem, jovem, que obteve a liberação da prisão por término de cumprimento de pena, com carreira criminal, faccionado e que tenha cometido crimes de homicídio, crimes contra o patrimônio, lei de drogas e receptação.

Já os reicidentes que retornam ao sistema prisional chegam a ser 18%, segundo o levantamento. O perfil do reincidente penitenciário de Minas Gerais é de um jovem, com carreira criminal, faccionado, que cometeu crimes contra o patrimônio, crimes da lei de armas e crimes da lei de drogas.

Não é possível saber se os índices mineiros são maiores ou menores do que os de outros estados, uma vez que não há estudos dessa natureza. Um dos motivos é a dificuldade para a obtenção de informações, mesmo a pesquisadores, devido à Lei de Proteção de Dados.



"O estudo científico serve para se ter a compreensão do fenômeno da reincidência. Se trabalhado e diminuído, esse índice vai se refletir em redução da criminalidade e da violência. Ajuda na elaboração de políticas públicas de segurança e prevenção social", afirma a autora, Roberta Santos, que já tem apresentações marcadas para setores da segurança como a Polícia Militar de Minas Gerais.

O dado que mais chama a atenção, sobre a influência das facções na praticamente certeza de reincidência criminal vinha sendo observado, mas não quantificado. "EM Minas, o diagnóstico de relação com as facções criminosas é muito preciso. Esses internos são imediatamente transferidos para a Penitenciária Nelson Hungria (em Contagem, na Grande BH), pois se trata de instituição de segurança máxima e onde é mais fácil controlar esses movimentos, impedir suas comunicações, pois sabemos que têm alcance nacional", afirma Santos.

Penitenciária de Segurança Máxima Nelson Hungria, em Contagem, reúne todos os presos de facções em MG (foto: Jair Amaral/EM/D.A.Press)
"Quando falamos de facções, precisamos ser bem claros: é sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC), que tem uma presença muito forte no Sul de Minas e no Triângulo, principalmente. Outras facções, como o Comando Vermelho, estão mais restritas à Zona da Mata", indica o orintador da tese, o sociólogo Luiz Flávio Sapori, que foi secretário-adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais, entre 2003 e 2007.



Alguns motivos relacionados à sobrevivência e à facilidade para as atividades ilícitas levam os presos a ingressar nas facções. "O recrutamento dentro da prisão cela o destino deles, pois cria um vínculo que traz facilidades, mas também obrigações criminosas. Muitos entram para a a facção para sobreviver na prisão. Pertencer a esse grupo significa diminuir risco de violência. Garante algumas regalias, como acesso a celulares e benefícios aos familiares fora da prisão", afirma Sapori.

A tese de pós-graduação mostra também que a progressão de regime tem um valor importante, na análise da pesquisadora. "A gente vê que a sociedade quer que o preso cumpra toda a sua pena no regime fechado. Mas pude observar que é na progressão que o detento vai se readaptando à sociedade, á família, ao trabalho, aos estudos. É importante que passe pelo fechado e que tenha depois permissão ou não para estudar e tenha também a regressão se não se readptar. Um preso que ingressa no semi-aberto, tem menos chance de reincidir criminalmente do que aquele que cumpriu apenas o fechado", compara Santos.

De volta ao crime
Veja o perfil do reincidente criminal em Minas Gerais

Presos que voltam a ser indiciados pela polícia: 60,8%
Sexo: Homem
Idade: 18 a 30 anos
Liberação: término da pena
Carreira criminal: Sim
Pertence a facção: Sim
Crimes cometidos: homicídio, crimes contra o patrimônio, lei de drogas e receptação

Presos que voltam a ser condenados e presos: 18%
Sexo: Homem
Idade: 18 a 30 anos
Liberação: término da pena ou condicional
Carreira criminal: Sim
Pertence a facção: Sim
Crimes cometidos: crimes contra o patrimônio, crimes da lei de armas e crimes da lei de drogas

Fonte: PUC Minas

Polícia Civil prende 23 membros de facção criminosa que agem em MG, sendo 18 deles mineiros (foto: Guilherme Paranaíba/EM/D.A.Press)


Reincidência vem aumentando no estado

A pesquisa de reincidência defendida neste ano pela cientista Roberta Fernandes Santos no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas não é o seu primeiro estudo sobre o tema e mostra que os íncides em Minas Gerais vêm crescendo. Em 2015, ela fez a primeira pesquisa com presos que findaram suas penas ou obtiveram livramento condicional e o íncide de reincidência policial, quando são novamente indiciados pela Polícia Civil, foi de 51,4% (%2b 9,4 pontos percentuais).



"Alguns crimes exigem mais cuidados, pois concentram os perfis que mais reincidem. É conhecendo isso que teremos mais condições para elaborar politicas dentro e fora das prisões. Com isso fica mais fácil acompanhar essa progressão e impedir que os presos voltem a cometer crimes", observa a pesquisadora.

Como não há parâmetros similares entre os demais estados brasileiros, uma vez que inexistem pesquisas similares, Roberta Santos buscou o modelo da comunidade autônoma espanhola da Catalunha para melhor posicionar os avanços e necessidades mineiras. A Catalunha é reconhecida internacionalmente pelo trabalho que tem feito junto à Universidade de Barcelona para prevenir a reicidência criminal.

A reincidência penitenciária na Catalunha é 9,5%, a metade da taxa de Minas Gerais que é 18,0%. Também há algumas semelhanças entre os perfis do reincidente penitenciário da Catalunha e o reincidente penitenciário de Minas Gerais. Ambos são, em sua maioria, jovens, com carreira criminal e crimes contra o patrimônio.



"Países que adotam estudos de reincidência, como na Espanha, o caso da Catalunha, conseguem construir ferramentas para reduzir esse fenômeno e têm exito na redução dos índices de violência e criminalidade. Assim que uma pessoa entra no sistema prisional da Catalunha, ela é submetida ao protocolo da avaliação de risco, que direciona as ações para que esse preso seja trabalhado e tenha mais chances de não voltar a cometer crimes", afirma Santos.

"Combater a reinciência exige atacar duas frentes: dentro da prisão e fora também. É preciso individualizar o perfil dos presos, como na Catalunha, ter caracteríticas psiquicas mais claras para que depois que saia tenha um acompanhamento social, familiar. Muitos têm dificuldades de arrumar emprego, problemas psicológicvos e com a família. Para esse apoio é preciso de políticas públicas", avalia Sapori.

Ações contra a reincidência em Minas Gerais

Ligada à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), a Subsecretaria de Prevenção à Criminalidade (Supec), afirma dispôr de um conjunto de ações inovadoras para a intervenção direta em fatores sociais relacionados à violência e à criminalidade em relação aos detentos e detentas que recebem a liberdade.



Presos de Rio Pomba fabricam máscaras contra a COVID-19. Trabalho diminuir reincidência (foto: TJMG/Divulgação)
Desde 2004, está em ação o Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp) com o objetivo de propiciar o acesso a direitos e promover condições para a inclusão social de homens e mulheres egressos do sistema prisional.

"O programa visa a inclusão social por meio da minimização de vulnerabilidades, como baixa escolaridade, baixa renda, situação de rua, sofrimento mental, envolvimento criminal e outras. Os atendimentos são realizados por profissionais da Psicologia, Serviço Social e Direito. Além de encaminhamentos para acesso a direitos e oportunidades de trabalho, o programa também busca, a partir dos casos acompanhados, possibilitar a capacitação profissional dos egressos e seus familiares. Por meio de parcerias, o programa oferta cursos para possibilitar a geração de renda por parte do público", informa a Supec.

Os egressos precisam procuram o PrEsp voluntariamente, por meio de encaminhamentos feitos pela rede de assistência social do município ou pela coleta de assinaturas referentes ao livramento condicional. O programa também realiza ações nas unidades prisionais com pessoas que estão próximas de alcançar a liberdade.



"A ideia é apresentar o trabalho ao futuro egresso, possibilitando a ele que, ao deixar a unidade prisional, já saiba da existência de um serviço que pode acessar e que o auxiliará na retomada de sua vida em liberdade", afirma a subsecretaria.

O Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) também tem como uma de suas missões a ressocialização dos indivíduos privados de liberdade. As 194 unidades prisionais mineiras contam com Diretorias de Atendimento e Ressocialização, responsáveis por ofertar aos detentos oportunidades como estudo e emprego, ainda dentro do sistema, além da garantia de direitos relacionados à saúde, contato com a família, entre outras ações.

Atualmente, cerca de 12 mil presos trabalham no sistema prisional, em diversos segmentos de atuação, por meio de 490 parcerias de trabalho e também de forma autônoma.

"O Depen-MG tem investido cada vez mais na ampliação dessas parcerias para maior oferta de vagas de emprego aos presos, defendendo enfaticamente o trabalho como um importante pilar de ressocialização e interrupção da trajetória infracional dos indivíduos privados de liberdade". 

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