Jornal Estado de Minas

SEM VERBA PÚBLICA

Classe artística critica projeto sobre erotização de menores em Divinópolis

O projeto aprovado pelos vereadores de Divinópolis, na região Centro-Oeste de Minas Gerais, que prevê a proibição da destinação de verba pública para eventos e serviços que promovam a sexualização de crianças e adolescentes causou críticas do meio artístico. O texto ainda precisa ser sancionado pelo prefeito Gleidson Azevedo (PSC).





Um dos receios é o impacto que pode gerar nas ações educativas. “Me preocupa um pouco como ficará a questão da parte educativa, como vamos falar de AIDS, DST, e temos que tocar no relacionamento homoafetivo”, alertou o diretor da companhia de teatro, os Teatráveis, Hamilto Costa. 

Além de espetáculos em espaços fechados, eles também atuam de forma educativa em escolas. O grupo recebe apoio, a partir da aprovação de projetos culturais, de leis de incentivo.

O projeto de autoria do vereador Eduardo Azevedo (PSC) reforça a obrigatoriedade de seguir as normas que proíbem a divulgação ou acesso de menores a conteúdo pornográficos ou obscenos. 

Pela matéria, consideram-se pornográficos todos os tipos de manifestações que firam o pudor, materiais que contenham linguagem vulgar, imagem erótica, de relação sexual ou de ato libidinoso, obscenidade, indecência, licenciosidade, exibição explícita de órgãos ou atividade sexual que estimule a excitação sexual.





No setor cultural, Hamilton Costa diz acreditar que não terá tanto reflexo. “É uma cidade muito conservadora, então a maioria dos espetáculos já têm essa preocupação porque de qualquer forma o público não vai”, avaliou. 

Costa também criticou a ausência da classe artística na elaboração do texto. “Não houve essa participação, acho complicado. Vamos ter que prestar mais atenção na faixa etária, porque quando a gente lança uma classificação, muitas vezes os próprios pais não respeitam. Às vezes, o espetáculo é para 12 anos, tem criança de oito, até porque uma pessoa que for denunciada poderá ficar até cinco anos sem exercer atividade”, pontuou.


Exposição já é crime


Para Igor Basto, o projeto apenas replica uma norma já existente. (foto: Arquivo Pessoal)
O roteirista, produtor de cinema e especialista em política pública de Cultura e Turismo Igor Basto destaca que o projeto aprovado não acrescenta nada no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) que já prevê, inclusive, crime em espécie para qualquer ação contra a dignidade sexual da criança e adolescente. 





“O que vejo neste projeto de lei é mais uma forma de posicionamento político e promoção de uma pauta na qual uma parcela do eleitorado se identifica”, analisou.

Para ele, há outras pautas mais urgentes. “Se puder contribuir para Câmara, eu iria sugerir darem atenção à lei do Executivo que regulamenta o SUAS (Sistema Único de Assistente Social)”, destacou. Ele chama a atenção para o serviço “família acolhedora”.

“O debate é ótimo, o tema é de extrema importância, mas se faz necessário criar políticas que vão além do eleitorado e que cheguem de fato nas crianças e adolescentes do nosso município e estado”, opinou.

Atualmente, Basto é diretor de um longa-metragem de animação que conta a história de uma Divinópolis do futuro, em que um robô teve que adotar duas crianças que não conseguiram encontrar pais que os acolhessem. “Espero que eu não vivencie em um futuro próximo esta alegoria do filme escrito por mim”.




 

"Tema delicado"


Juca Figueiredo se preocupa com as ações culturais realizadas em praças e ruas (foto: Divulgação/César Augusto Leopoldino)
O também produtor cultural Juca Figueiredo classificou o projeto como “redundante”. Disse que se o objetivo é a proteção de crianças e adolescentes, já existem textos legais que cumprem esta função. “São exemplos a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente”, citou.

Figueiredo criticou a apresentação da matéria. “Quando o vereador propõe uma lei como essa, pode dar, na verdade, a entender que profissionais de arte não se preocupam com um tema delicado”, argumentou. Ele ainda tratou a proposta como “problemática”.

“O projeto é problemático ainda se considerarmos que um conteúdo artístico não seja direcionado a menores, mas aconteça em ruas ou praças, ou seja, acessível a qualquer público. O artista desse empreendimento será prejudicado por essa lei?”, indagou.

Ele alertou sobre os riscos de interpretações. “Considerar que um objeto artístico seja indecente baseando-se numa suposição será subjetivo, relacionado a interpretações”, analisou.

*Amanda Quintiliano especial para o EM

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