Jornal Estado de Minas

MATA PRESERVADA

Grileiros se recusam a sair de área preservada de grupo indígena em MG


Após posse do grupo Pataxó na Mata do Japonês, doada pela Associação Mineira Nipo-brasileira, na última quarta-feira (09/06), indígenas denunciam que grileiros que já desmatavam e pretendiam lotear e vender terras e madeiras da mata de preservação em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, estão atacando, insultando e ameaçando de morte o grupo indígena, agora proprietários do território. 





Grileiros reivindicam lotes em área preservada cedida para povo indígena

Vídeos que circulam nas redes sociais mostram que carros entram e saem da reserva com caminhonetes carregadas de madeira. A situação ganhou uma série de publicações com a hashtag #SOSKaturama.

“Eles querem expulsar os indígenas que já são proprietários do território de forma legal, os antigos donos nipodescendentes doaram a Mata do Japonês para que a aldeia fosse criada!!”, diz um dos posts no Twitter.



Entenda o caso

Donos de terrenos vendidos ilegalmente na Mata do Japonês, em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de BH se manifestaram na quinta-feira (10/06) para reivindicar direito de uso dos lotes, após o grupo indígena Katuramã tomar posse da área. 




 
Na tarde dessa quarta-feira (9/6) o grupo indígena passou a morar no local, que faz parte de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), com a autorização dos proprietários legais, a Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira (AMCNB).
 
“Toda a mata é uma reserva ambiental. Ela foi negociada com o grupo Katuramã, e isso é algo histórico. Essa é a primeira vez que um grupo indígena recebe território sem ser da União. Ontem houve a posse, com uma entrega simbólica e não teve nenhum conflito”, explica Alessandra Vilaça, advogada do grupo.
 
Mas na manhã desta quinta, alguns dos posseiros foram para o local reivindicar o direito de uso dos lotes comprados. “Hoje de manhã algumas pessoas apareceram na Mata para reivindicar seus lotes. Uma advogada estava presente, mas inicialmente ela não representava o grupo, só um deles. Quem estava lá são pessoas de posse nova, há menos de um ano. Essas não têm construção da reserva, apenas derrubaram árvores e cercaram o lote”, disse a advogada. 




 
Segundo Alessandra, apenas alguns dos posseiros estavam presentes porque os outros que já construíram no local estão na Justiça com a Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira, por terem feito obras dentro da reserva. 
 
“As invasões começaram em 2010, aos poucos foram aumentando e fomos recebendo denúncias. Comunicamos o Ministério Público e todos os órgãos governamentais, fizemos até boletim de ocorrência. Temos um processo na Justiça, que já chega a 710 páginas, com 30 invasores indiciados, mas o juiz não deu sentença até hoje”, explica o diretor da AMCNB, Antônio Hoyama.
 
Mesmo com a contestação dos posseiros, ainda não há documentos que comprovem a legalidade das terras compradas na reserva, além disso a advogada e nenhum dos proprietários de lotes quis dar entrevista para esta reportagem. 




 
Segundo o um dos líderes do grupo indígena, Thyrry Yatsô Pataxó Hãhãhãe Fulni-ô, não há interesse de conflito com os posseiros, apenas querem morar na terra por direito, além de preservar o meio ambiente. “Hoje de manhã chegou um grupo de posseiros, alegando que estavam no território antes de nós comprarmos e nos ameaçaram”, disse.
 
“Em seguida convidaram uma advogada que não tinha conhecimento do direito os indígenas no Brasil. E a nossa advogada, Alessandra, de maneira pacífica, deixou claro que nós não queremos conflitos. Apenas negociar de forma pacífica, para que eles retirem os materiais que estão no local. Nosso intuito é fazer a preservação da área, da fauna e flora, além da conservação do ambiente”, explicou Thyrry Yatsô.
 
De acordo com advogada do grupo, nenhum dos posseiros foi identificado nesta quinta, para dar a oportunidade deles retirarem as cercas e demais materiais de loteamento que estão na mata, de forma pacífica, sem envolvimento com processos judiciais.




 
“Hoje não identificamos ninguém e vamos aguardar na segunda-feira para definir o próximo passo, queremos resolver isso de forma pacífica. Eles terão a oportunidade de retirar o arame, cerca e o loteamento, sem conflitos, Justiça ou pagamentos por crimes ambientais. Demos a oportunidade de ser algo pacífico, até mesmo porque os indígenas têm um plano de reflorestamento, eles não querem conflitos”, afirmou Alessandra.
 
Ela também informou que a partir desta quinta até a próxima segunda-feira, a advogada do grupo de posseiros irá se reiterar da situação e dos documentos apresentados pelos indígenas e Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira, a qual fez a doação dos hectares. 
 
“Em momento nenhum queremos atritos, até porque partindo do princípio que existe uma lei, cada um que acha que tem direito, procure a Justiça. Até o momento não há documento algum que comprove a compra dos lotes de forma legal e nós não temos culpa nenhuma disso. Existe um projeto de trabalhar na área, com atividades que proporcionem um lazer para o povo de São João de Bicas. Queremos ser amigos e parceiros, a presença dos indígenas vai trazer estabilidade para o município também”, completou o líder Thyrry Yatsô Pataxó Hãhãhãe Fulni-ô.




 
Os povos Pataxó e Pataxó Ha-hã-hãe morava à beira do Rio Paraopeba quando foram afetados pelo rompimento da barragem de Brumadinho, sem poder utilizar a água, após a contaminação por rejeitos. Diante do problema, precisaram migrar para Belo Horizonte e novos desafios foram enfrentados sem a vida na aldeia. 
 
Além disso, um acordo foi feito com a mineradora Vale e o grupo recebia um auxílio financeiro para viver em BH, porém não tiveram retorno da empresa sobre um novo território para morar. Assim, passaram a procurar uma terra por conta própria e receberam a proposta da Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira.
 
O grupo recebeu a doação de 70% dos 36 hectares e ficou acordado que pagarão os outros 30% restantes. Essa concessão beneficiou tanto a associação quanto os indígenas, já que a área estava sendo invadida por pessoas que faziam loteamentos ilegais e vendiam à terceiros. 
 
“Para nós, Pataxó Hã-Hã-Hãe, a terra não é mercadoria. Para o nosso povo, ela é nosso sagrado, é o que tem de mais valor para a nossa cultura. Porque dessa terra nós vivemos da caça, da pesca e da erva medicinal”, explicou a vice-líder do grupo, Angohô Pataxó Hã Hã Hãe. 





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