Jornal Estado de Minas

Luta contra o vírus

Gravidez impõe cuidados e lança alerta para vacinação prioritária

Ansiosa por viver a gestação num período crítico da pandemia do novo coronavírus, a enfermeira Ana Paula Medeiros Alves, de 32 anos, discutiu com médicos e o colega responsável pelo pré-natal a dúvida sobre se deveria ser vacinada contra a COVID-19. Em 23 de março último, ela tomou a primeira dose, convicta de que o risco de adoecer supera o do imunizante. Cresceu 144% desde o início da pandemia o número de mortes maternas provocadas pelo novo coronavírus, segundo pesquisa atualizada nesta semana pelo Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19.





Outro fato dramático constatado é que uma em cada quatro gestantes e puérperas internadas com SARS-Cov-2 não teve acesso a unidades de terapia intensiva (UTI) e cerca de 34% não foram intubadas, derradeiro recurso terapêutico que poderia salvá-las. Os números consideraram análise que estende ao período de surgimentos dos primeiros casos da COVID-19 no Brasil.

Ontem, o secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Raphael Câmara Medeiros, afirmou, em entrevista coletiva, que mesmo na ausência de estudos, novas cepas do coronavírus podem se manifestar mais gravemente em mulheres grávidas e recomendou que, a partir do terceiro trimestre de gestação, elas façam o exame RT-PCR, que aponta a infecção pela COVID-19. “Já temos a nota técnica que dá essa recomendação expressa para as grávidas com fatores de risco. Estamos na fase final de análise e não podemos errar. Estamos avaliando se iremos colocar, mas a sugestão de grande parte dos especialistas é essa”, disse o secretário.

A pasta avalia incluir todas as mulheres grávidas e puérperas na campanha nacional de vacinação contra a COVID-19. Hoje, com as regras do Plano Nacional de Imunização só acolhem aquelas grávidas que apresentem comorbidades. Câmara Medeiros observou que “praticamente todos os especialistas em ginecologia obstetrícia têm uma sugestão e pedem com bastante força que todas gestantes entrem nesta recomendação, já estamos em tratativas avançadas”.





A  enfermeira Ana Paula Medeiros Alves está no oitavo mês de gestação e tomou a vacina do laboratório AstraZene- neca. “Optei por tomar porque tenho acesso ao hospital. Acho muito arriscado, já temos outras vacinas com a mesma tecnologia das vacinas contra a COVID e gestantes recebem. Por mais que não tenha estudos com gestantes, a gente sabe que o risco de contrair (o vírus) é muito maior do que o de tomar a vacina”, diz. Ela contou que após ter tomado a primeira injeção, no dia seguinte, acordou com dor no corpo e sonolenta. “À noite, tomei um remédio para tratar a dor e no outro dia acordei ótima, como se nada tivesse acontecido”, relatou.
 
 

Estamos avaliando se vamos colocar (as grávidas na campanha de vacinação)

Raphael Câmara Medeiros,
secretário de Atenção Primária à Saúde
 
 

O medo de contrair o vírus deixa Ana Paula ansiosa. “Às vezes a gente não consegue ficar em casa. Estou em casa há 1 mês, mas antes trabalhava normalmente. Meu marido sai pra trabalhar, e, com isso, a família tem que tomar todos os cuidados para que a gestante não tenha o contato com o vírus. O medo e a ansiedade surgem pela incerteza de pegar ou não a doença”, contou. Ela concorda que a campanha de vacinação inclua as gestantes.  “Todas as gestantes deveriam receber as vacina independentemente de ser grupo de risco ou não. Até porque o simples fato de ser gestante ja é considerado grupo de risco”, defende.

Óbitos

Especialistas têm dito que as manifestações da doença respiratória vão de quadros assintomáticos até os de maior gravidade e fatais. O período de maior risco pode ser desenvolvido no último trimestre de gestação, como citado pelo secretário do Ministério da Saúde, e no período do puerpério. Portanto, gestantes e puérperas até o 14º dia de pós parto, são consideradas grupos de risco para contrair o vírus.





O Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19, que visa a dar visibilidade aos dados envolvendo esse público específico e oferecer ferramentas para análise e fundamentação de políticas para atenção à saúde de gestantes e puérperas em relação ao novo coronavírus, apontam que entre março de 2020 e a última quinta-feira (a mais recente atualização de estatísticas do Ministério da Saúde), foram registrados 9985 casos de internações por COVID-19 com 815 óbitos (8,2%).

Houve, ainda nesse período, outros 9.997 de registros de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) com 263 mortes entre gestantes e puérperas, que, na avaliação dos pesquisadores, podem ser também episódios de SARS-Cov-2. “Percebemos que o aumento da mortalidade das gestantes foi maior do que da população em geral. Enquanto o aumento, desde o início da pandemia, foi de 61% na média no país, as mortes cresceram 144% entre as gestantes se comparados os números de 2020 e 2021”, explicou  Rossana Francisco , docente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp).
 
Rossana Francisco foi uma das fundadoras da plataforma ao lado da Agatha Rodrigues, docente do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Lucas Lacerda, estudante de graduação em Estatística na Ufes. Ela explica que o aumento de mortes entre gestantes pode ter ocorrido devido à nova variante do novo coronavírus, a sobrecarga do sistema de saúde e a falta de atenção às mães.





“Mesmo antes da pandemia já tínhamos um número muito alto da mortalidade materna. A pandemia evidenciou o problema”, explicou. A especialista frisa, portanto, a importância dos cuidados na prevenção contra a doença. “O objetivo do levantamento é mostrar o risco que elas correm para então se protegerem”, acrescentou.


Home office

Na quinta-feira, o Plenário do Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 3.932/2020, que garante regime de home office para trabalhadoras gestantes, durante a pandemia de COVID-19. A proposta é de autoria da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e recebeu parecer favorável, com uma emenda de redação, da relatora, a senadora Nilda Gondim (MDB-PB). Como não houve mudanças de conteúdo no texto aprovado pela Câmara, agora o projeto será enviado à sanção presidencial. “Essa é uma conquista para as gestantes. Para além disso, é importante se proteger, não fazer chá de bebê presencial e tomar todas as medidas de segurança”, acrescentou.



PELA VIDA

34%


É o número de gestantes e puérperas que não foram intubadas, 
recurso que poderia salvá-las 



Ministério pede que mulheres adiem planos

O secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Raphael Câmara Medeiros, afirmou, ontem, que a pasta recomenda às mulheres, se possível, adiar a gravidez enquanto durar o pico da pandemia de COVID-19. A sugestão repercutiu mal nas redes sociais. Uma internauta lembrou que a função da pasta é assegurar atendimento à saúde e não interferir num direito da mulher.





“As mulheres não têm que adiar, nem adiantar, nem manter gravidez alguma. As mulheres têm de ser livres para parir ou não. O governo que se limite a garantir nosso acesso à saúde”, disse uma internauta. Outra postagem faz menção crítica à questão do aborto. “O ministério da saúde recomenda adiar gravidez por causa da pandemia num país em que não existe aborto legal, gratuito e seguro.”.

Segundo o secretário Raphael Câmara, apesar da falta de estudos, “a visão clínica de especialistas mostra que a variante nova (do coronavírus) tem ação mais agressiva nas grávidas”.

“Neste momento do pico epidêmico, pela situação que está acontecendo em alguns locais, deve ser avaliado - como aconteceu com o zika vírus em 2016 -, caso possível, postergar um pouco a gravidez para um melhor momento com uma gravidez mais tranquila”, disse. “É óbvio que a gente não pode falar isso para alguém que tem 42 ou 43 anos, mas para uma mulher jovem, que pode escolher o seu momento de engravidar, o mais indicado agora é esperar um pouquinho até a situação ficar um pouco mais calma”, completou.





Ainda sobre a avaliação que o Ministério da Saúde está fazendo para incluir todas as gestantes no plano nacional de vacinação, o secretário Raphael Câmara resslatou que “por definição, a gestação é um período trombótico”, ou seja, que favorece a formação de coágulos sanguíneos e a obstrução de vasos sanguíneos. Ele cidou que algumas vacinas, embora “de forma muito rara”, estão mostrando alguns efeitos colaterais nesse sentido. 

Mais recursos

O aporte de R$ 274 milhões anunciado ontem pelo Ministério da Saúde para prevenção entre gestantes contra a COVID-19 será usado na identificação precoce e no monitoramento de sintomas do vírus, além da qualificação dos atendimentos de pré-natal, parto e puerpério, além de hospedagem em caso de incapacidade de isolamento domiciliar.

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