Jornal Estado de Minas

NATAL

Pandemia faz Papai Noel contar novas histórias

O local de estacionamento do trenó mudou, e o Papai Noel que reina dentro dos shoppings nesta época do ano não está mais lá... Os pequenos, que costumavam segredar seus desejos ao ilustre senhor suado, de vestes vermelhas e barba branca, hão de perguntar: “Por onde anda o bom velhinho?”. “Voltou para o Polo Norte?” Em um ano totalmente atípico e cheio de mudanças impostas pela lei de sobrevivência à pandemia da COVID-19, os célebres personagens no Natal tiveram – eles também – de inventar novas histórias.





Papai Noel, como denunciam os cabelos brancos, pertence ao grupo de risco para o novo coronavírus. Sendo assim, a vestimenta clássica ganhou um item a mais. Agora ele também usa máscara. Longe das filas dos shoppings e grandes lojas, costuma aterrissar com seu trenó com mais frequência em eventos particulares.

Faz foto em família e, tecnológico, não dispensa uma videochamada. Mas anda arredio aos abraços e à conversa muito perto do pé da orelha. Recomendações médicas, que nem a magia do Natal consegue evitar...

Para organizar toda essa comunidade de bondosos personagens egressos de um imaginário Polo Norte, existe uma rede em Belo Horizonte. E a Associação dos Papais Noéis (Aspanoeis) é presidida por – ninguém mais, ninguém menos – que um bom velhinho.



“Papai Noel não fica só em shopping”, revela Marcos Henrique Gomes, de 74 anos, prestes a dar detalhes sobre a identidade secreta do personagem. “De certo modo está certo, porque as crianças querem abraçar, mas podem estar com o vírus e passá-lo para o velhinho”, considera, pensando na saúde dos Noéis espalhados pela cidade.

A Aspanoeis tem 23 associados, mas somente 17 ainda incorporam o personagem mais querido do Natal. Desses, apenas 11 se colocaram à disposição para trabalhar neste ano. O maior dos motivos para não envergar o inconfundível traje de gorro e vestes vermelhos – agora, eventualmente, máscara – é o receio da pandemia.

O Noel mais novo da associação tem 44 anos. Dois têm 53 e o restante está acima dos 60 – alguns na faixa dos 70. “Os mais velhos são aposentados. Os mais novos estão na ativa e se dividem entre outras funções”, conta Marcos Henrique.



Nos centros de compras, fotos, agora, só com o Noel de brinquedo (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press)


A prefeitura não tem proibição expressa em relação à presença do Papai Noel nos shoppings centers. No entanto, a Secretaria Municipal de Saúde, por meio da Portaria 0343/2020 – que informa sobre os protocolos de funcionamento de centros de compras e galerias de lojas – impede parques de diversões para crianças e “demais atividades de entretenimento e recreação, assim como eventos e campanhas com potencial de causar aglomeração”. Dessa forma, esses estabelecimentos preferiram não contratar os velhinhos.


Mas o Natal, o show e o trabalho dos personagens têm que continuar. Então, prosseguem repletos de novos cuidados. “Eventos acontecem em pequenos salões e condomínios, com horário marcado. Ou então por videoconferência”, conta Marcos, revelando os novos “truques” de Papai Noel.

Ele próprio conta que, quando atuou em uma casa no início de novembro, não foi nada fácil não poder abraçar as crianças. “Não houve abraço, foi o que eu tinha combinado. Foram ‘murrinhos’. As três crianças entregaram os bicos para ganhar os presentes, tiraram fotos, e pronto. Mas ser Papai Noel sem dar abraço é difícil”, desabafa.





Marcos Henrique completa 11 anos de Papai Noel profissional em meio à pandemia. O trabalho no fim de ano é uma mistura de complementação da aposentadoria com o prazer de servir. Segundo ele, parte do pagamento que recebe anualmente é usada para a compra de brinquedos que doa a creches e instituições em que trabalha voluntariamente.

“O diabo fecha uma porta, Deus abre duas”


Tem gente que faz a magia do Natal existir e contribui para que ela seja encantadora. É assim com Carlos Vicari Filho, de 70, que começou a interpretar Papai Noel há sete anos. “Comecei aos 63, mas deveria ter iniciado antes, porque é muito gratificante”, conta o ex-bancário. Muito requisitado, ele já trabalhou em shoppings da capital mineira e em outras cidades, como Cariacica, no Espírito Santo.

“Agora chegou este ano e praticamente proibiram Papai Noel de trabalhar em shopping. Poderiam colocar uma mesinha, um computador – a criança se sentaria na frente e o Papai Noel conversaria com ela por videochamada. Da mesma forma a gente falaria com os pequenos tudo o que costumamos falar pessoalmente”, sugere.



Carlos Vicari Filho: tecnologia poderia resolver desafios da ocasião (foto: Arquivo Pessoal)


Mesmo sem trabalho oficial nos centros de compras, ele diz que tem recebido propostas de pais que querem videochamada com os filhos ou visitas presenciais para entrega de presentes. São esses convites que não o deixam perder a esperança.

“Quando me aposentei, passei a ganhar um salário mínimo, então fica difícil. Este ano perdemos a renda dos shoppings, mas se Deus quiser vamos ter outra. Quando o diabo fecha uma porta, Deus abre duas. Estou confiante”, diz, esperançoso


Religioso, Vicari acredita que um dos personagens mais emblemáticos do Natal carrega também outros significados.

“A gente não pode deixar de lembrar que o Papai Noel é uma figura importante no fim do ano, mas a principal é Jesus. É o aniversário Dele, não podemos nos esquecer disso. Tenho pra mim que é como se Noel fosse uma incorporação dos três reis magos, que levaram presentes para o Menino Jesus”, raciocina, apaixonado por ser ele mesmo o bom velhinho.



“A gente transmite uma alegria muito boa para as crianças e, da mesma forma que cada uma gosta do Noel, também gostamos delas. Recebemos abraços e conversas sinceras”, disse.

Entre várias histórias que presenciou durante os últimos anos, o personagem por trás da roupa vermelha conta que, inclusive, algumas crianças gostam de Noel de forma “exagerada”.

“Tinha uma mocinha que ia no shopping todos os dias com a mãe, agarrava na minha barba e dizia que amava o Papai Noel. Eu respondia: ‘Papai Noel também ama você’”.

A rotina natalina, ainda que às vezes exija doses generosas de psicologia e paciência, faz falta. “Sinceramente, não sei como vai ser daqui pra frente”, segreda Papai Noel.

“Nosso Natal vai ser muito triste” 


A saudade do público parece ser sentimento unânime entre os Noéis. José Eustáquio Starling Solla, de 73, analisa uma proposta para atuar em Juazeiro do Norte (CE), mas o que ele queria, mesmo, era estar em BH, no meio das crianças mineiras.



O Noel Starling conta que está enfrentando dificuldade para encontrar emprego na capital (foto: Arquivo Pessoal)

“Aqui está tudo abandonado, interditado, parado. Vai ser uma coisa estranha este Natal. Shopping sem Papai Noel? É como se fosse feira sem pastel. Uma tristeza”, comenta mais um bom velhinho, que também pensa em alternativas, como alguns dos colegas.

“Poderia ser feita alguma proteção. Papai Noel sentado na cadeira, distanciamento, máscara... O nosso Natal vai ser muito triste”, desabafa.

O Noel Starling – como é conhecido – conta que está enfrentando dificuldade para encontrar emprego na capital. “Até os eventos estão parados. Liguei para todos que fiz no ano passado. Todos estão com medo da aglomeração e pedem para esperar”, revela.

Representante comercial aposentado, ele diz que ser o personagem de botas e roupas vermelhas é, “para além de dinheiro extra, uma satisfação muito grande”. “Acho que demorei muito tempo para fazer isso. Deveria ter feito antes. É a melhor coisa para o coração estar sentado na cadeira e ver os olhos das crianças em um misto de alegria e expectativa. Eu me emociono muito. É a coisa de que eu mais gosto. Mas este ano não vai ser.”

Serviço
Para contratar os papais noéis, o contato da Aspanoeis é (31) 98405-3245.




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