Jornal Estado de Minas

Desastre de Mariana

Justiça inglesa frustra expectativas de atingidos da tragédia de Mariana

Os pedidos de reparação de 200 mil ribeirinhos, quilombolas, indígenas e atingidos brasileiros que tiveram suas vidas e propriedades devastadas pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, há 5 anos, foram considerados "abusivos" por decisão das cortes do Reino Unido nesta segunda-feira (9).



"Isso é um abuso e um insulto aos atingidos. Vamos recorrer imediatamente", afirma o coordenador dos advogados do escritório PGMBM, que defende os atingidos, Tom Goodhead. A BHP Billiton afirma que a decisão reforça as ações de reparação em curso no Brasil. A recusa foi um balde de água fria na tentativa de os atingidos conseguirem justiça, uma vez que em meia década do maior desastre socioambiental do Brasil menos de 10% recebeu alguma indenização no próprio país, segundo o Ministério Público Federal (MPF).

Os atingidos que foram sentenciados de cometer abuso contra o sistema legal do Reino Unido são pescadores artesanais, agricultores, faiscadores, marisqueiros, artesão, lavadeiras, índios e quilombolas que sobreviviam antes do rompimento com uma renda média mensal de R$ 1.026 e as famílias de baixa renda com R$ 657. Após o desastre, os ganhos gerais caíram para R$ 525 (-49%) e a baixa renda para R$ 178 (-73%), segundo informações da consultoria Ramboll, que auxilia o MPF.

Na decisão publicada nesta segunda-feira (9), o juiz sir Mark Turner, do Centro de Justiça Cível de Manchester, no Noroeste da Inglaterra, considerou abusivo o pedido de indenização dos atingidos baseando-se em premissas como a duplicidade de casos (no Brasil e no Reino Unido) e até no tumultuamento do sistema de justiça do país onde a mineradora é sediada.



"Ações que envolvem vários grupos constituem um grande fardo para as cortes", diz a sentença, em concordância com os advogados de defesa da BHP Billiton. Ele leva em conta que os atingidos "alegam que conseguir a justiça no Brasil é praticamente impossível", mas ainda assim considera que o pedido seja um abuso.

"Se minha conclusão de abuso estiver correta, mas minha decisão de eliminar (o processo) errada, eu manteria as reivindicações (dos atingidos), deixando em aberto a possibilidade dos reclamantes, ou alguns deles, buscarem a suspensão no futuro (de a ação não ter sido admitida na Inglaterra), mas sem pré-determinar o momento de tal pedido ou as circunstâncias em que tal pedido seria passível de sucesso", decide.

Advogados dos atingidos e da BHP Billiton travaram batalha jurídica em Manchester (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)
O juiz Turner considerou a cláusula 34 da regulação de Bruxelas, do direito internacional da União Europeia, que versa sobre a sobreposição de processos em diferentes países. Contudo, em sua decisão, o magistrado inglês afirma que os brasileiros estão representados em uma ação civil pública do MPF, que é coletiva e já tramita desde 2018, sem desfecho. Esse processo requer R$ 155 bilhões em reparação e voltou a tramitar neste ano pela falta de reparação dos danos aos atingidos.



O juiz também concorda com a BHP na alegação de que os atingidos estariam abarcados pelo Termo Transacional de Ajustamento de Condutas da Governança (TTAC-Gov), assinado pelas empresas causadoras da devastação e o poder público, mas que gerou a reabertura da ação civil pública movida pelo MPF por seu não cumprimento.

A alegação de duplicidade de pedidos indenizatórios trouxe estranhamento justamente porque pelo menos 58 pessoas, empresas e prefeituras não estão representadas em nenhum processo brasileiro contra as mineradoras, não incorrendo assim em duplicidade de requerimentos.

Desde 2018 os atingidos e seus advogados brasileiros e britânicos do escritório PGMBM constituíram um processo de indenização contra a BHP Billiton no Reino Unido (Veja quadro abaixo). A companhia anglo-australiana é a maior mineradora do mundo e ao lado da Vale controla a Samarco, empresa responsável pelo rompimento em Mariana que matou 19 pessoas, destruiu a Bacia Hidrográfica do Rio Doce e o poluiu o litoral, entre Minas Gerais e o Espírito Santo, no dia 5 de novembro de 2015.



No dia 22 de julho, o escritório levou os pedidos de justiça de 200 mil atingidos pelo rompimento ao Centro de Justiça Cível de Manchester, no Noroeste da Inglaterra, por indenizações da BHP Billiton. Esse é o maior processo do Reino Unido em valores, chegando a 5 bilhões de libras (cerca de R$ 35 bilhões) e a ação com o maior número de brasileiros representados.

Estão rtepresentados pela PGMBM 201.897 pessoas, 517 pequenas empresas, 13 grande empresas, 145 índios krenak, 25 municípios em 96% da área atingida, 154 igrejas e cinco comércios. nessa batalha judicial internacional já se gerou mais de 30 mil páginas que contaram com a consultoria de 127 autoridades destilados em cerca de 500 páginas, sendo que as peças jurídicas do defensores e dos requerentes tinham cerca de 200 páginas, cada.

Foi acertado de que, se o caso fosse aceito na justiça do Reino Unido, todas as reclamações e procedimentos seriam baseados na justiça brasileira, bem como os pedidos de danos morais, materiais, interrupção de suprimento de água, lucro cessante de atividades, perdas sobre propriedades e gastos públicos de prefeituras para atender às necessidades da calamidade e posterior perda de impostos e taxas.



Apelação imediata

 

Os processos indenizatórios decididos pelo juiz federal Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal e Agrária do Estado de Minas Gerais, em Baixo Guandu (ES) e em outras 12 comarcas podem ter influenciado a decisão do juiz inglês sir Mark Turner, na visão dos advogados do escritório PGMBM que representa os atingidos.

Os advogados do escritório PGMBM que defende os atingidos, Glenn Phillips e Tom Goodhead (foto: Jair Amaral/EM/D.A.Press)
As sentenças que preveem indenisações de R$ 23 mil a R$ 93 mil foram consideradas abusivas e podem ser suspensas por um mandado de segurança do Ministério Público Federal (MPF), em apreciação desde o dia 26 pela desembargadora Daniele Maranhão Costa, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Segundo o mandado, os processos e a matriz de danos utilizada podem prejudicar atingidos e o meio ambiente, beneficiando a Fundação Renova e suas mantenedoras Samarco, Vale e BHP Billiton. Até o momento não há previsão de uma decisão da desembargadora.

O sócio coordenador do escritório PGMBM, Tom Goodhead, se disse desapontado com a decisão do juiz, mas afirma que uma apelação seria inevitável. "Mesmo que o juiz tivesse nos dado o ganho de causa, teríamos um recurso. Então isso é um curso normal do processo. O que nos deixou espantados foi como o juiz se deixou ser confundido pelos artifícios dos advogados da BHP Billiton. Acredito que muito disso se deva às decisões que ocorreram em Baixo Guandu e quye são criticadas pelos procuradores da república", destaca o advogado inglês.



"Foi um processo muito falho, que mina 30 anos de jurisprudência e prática das cortes inglesas, contraria e expõe decisões vinculantes da corte suprema inglesa e europeia", diz Goodhead.

O espanto, de acordo com o advogado, se tornou motivação para continuar defendendo os atingidos pelo desastre. "Vamos apelar imediatamente. Isso mais do que nos motivou para continuar essa luta. Vamos processar eles (BHP) até o fim do mundo. Nem sequer passou pelas nossas cabeças uma decisão como essa. Um abuso contra 200 mil pessoas e um insulto a quem foi vítima de um crime ambiental que está impune há 5 anos", disse.

De acordo com a BHP Billiton a decisão da Corte Superior de Manchester foi clara e acolhe a posição da BHP e extiguir o processo movido contra a empresa na Inglaterra. "A BHP sempre entendeu que o processo no Reino Unido era desnecessário por duplicar questões cobertas pelo trabalho em andamento da Fundação Renova e que são, ou foram, objeto de processos judiciais em andamento no Brasil", ifnormou a empresa.

 

Para a companhia, a decisão também reforça que os programas de indenização e remediação no Brasil conduzidos pela Renova são os meios mais adequados para que as pessoas e as comunidades atingidas pelo rompimento de Fundão possam buscar a reparação. A BHP ainda informa que sempre esteve e continua totalmente comprometida com as ações de reparação e com o trabalho desenvolvido pela Fundação Renova no avanço dos programas sob sua responsabilidade.





 

"É importante destacar que até setembro deste ano, a Renova já desembolsou R$ 10,1 bilhões nos programas de remediação e compensação", destaca a empresa. Dentre as ações, repassou mais de R$ 830 milhões para investimentos em educação, saúde e infraestrutura em cidades da bacia do Rio Doce e ainda pagou, até agosto de 2020, cerca de R$ 2,6 bilhões em indenizações e auxílios-financeiro emergenciais a mais de 321 mil pessoas. "Até mesmo os trabalhadores informais, com dificuldades para comprovar como foram atingidos, começaram a ser pagos: desde agosto deste ano, mais de 500 trabalhadores dessas categorias receberam suas indenizações e quase 6.000 informais se registraram para terem suas demandas analisadas pela Fundação".   



Justiça no exterior
O desenrolar judicial dos atingidos no Reino Unido

5 de novembro de 2015

» Barragem do Fundão, operada pela mineradora Samarco, em mariana, se rompe liberando 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Um contingente estimado em 700 mil pessoas é impactado na Bacia do Rio Doce. Dezenove morreram depois do rompimento, sendo que uma das vítimas não teve seu corpo recuperado até o momento

21 de setembro de 2018

» Sob risco de as ações de indenização prescreverem após três anos do desastre, o escritório inglês SPG Law, atualmente PGMBM, anunciou que ingressaria com ação em cortes do Reino Unido contra a BHP Billiton SPL, controladora da Samarco ao lado da Vale. Na época era estimado em 5 bilhões de libras

3 de outubro de 2018

» Acordo firmado entre o Ministério Público, a Samarco e suas controladoras (além da BHP, a Vale) previu a interrupção do prazo legal de prescrição

2 de Novembro de 2018

» O escritório PGMBM protocola na Justiça do Reino Unido os pedidos de indenização contra a BHP Billiton SPL representando mais de 200 mil atingidos pelo rompimento da barragem. Inicialmente o processo transcorreria na corte de Liverpool

16 de novembro de 2018

» Fundação Renova pressiona prefeituras e atingidos a desistir da ação internacional como condição para receber compensações acordadas. Advogados do escritório internacional reagem

18 de dezembro de 2018

» Justiça determina que Fundação Renova pague o valor indenizatório por gastos extras com os prejuízos do rompimento à Governador Valadares e em seguida uma série de outras decisões mantêm municípios na ação internacional

2 de abril de 2019

» BHP requer a transferência da ação de Liverpool para Londres. Depois de 15 dias, o juiz decide manter em Liverpool por ter sido escolhido como foro pelos advogados dos atingidos e por terem um escritório lá

13 de março de 2020

» A PGMBM apresenta à BHP um amplo conjunto de documentos sustentando que é legítima a intenção dos clientes de moverem uma ação perante a Justiça do Reino Unido. Há pareceres de juristas, depoimentos de vítimas e advogados brasileiros que atuaram no Brasil em favor dos atingidos e populações afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão

30 de Abril de 2020

» Confirmação da data do julgamento.

O julgamento do processo contra a BHP Billiton tinha a previsão inicial de acontecer em junho deste ano, houve um pequeno adiamento por conta da pandemia de COVID-19 que está afetando o mundo todo. A nova data será no dia 20 de julho de 2020

22 a 31 de julho de 2020

» Advogados dos atingidos e da BHP Billiton levam o caso internacional ao Centro de Justiça Cível em Manchester, onde o juiz sir mark Turner julga se as indenizações poderão ser processadas pelas cortes do Reino Unido

9 de novembro de 2020

» O juiz sir Mark Turner considera abusivo o pedido de indenização dos atingidos contra a empresa anglo-australiana BMP Billiton. Advogados das vítimas vão recorrer

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