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Estado de Minas Saúde

COVID-19 pode agravar doenças oftalmológicas

Presença do RNA do Sars-CoV-2 na retina e na córnea de pessoas que tiveram o vírus sinaliza que há risco de o micro-organismo comprometer o sistema ocular


25/10/2020 04:00 - atualizado 25/10/2020 07:31

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)

No início da pandemia da COVID-19, especialistas acreditavam que a nova doença, assim como outras enfermidades respiratórias, atacava principalmente os pulmões.

Com o tempo, descobriu-se que a infecção pelo Sars-CoV-2 causa danos em outros órgãos, como coração, rins e até o cérebro.

Em análises recentes, pesquisadores encontraram indícios de efeitos também nos olhos. Eles detectaram a presença do RNA do coronavírus e algumas alterações oculares em pessoas infectadas.

As investigações são preliminares, mas, segundo especialistas, também essenciais para guiar novos trabalhos científicos que ajudarão a desvendar os impactos do agente infeccioso na visão.

Pesquisadores sabem que algumas doenças virais respiratórias podem causar um problema ocular comum: a conjuntivite. Por isso, não houve surpresa quando surgiram pessoas com COVID-19 e a inflamação nos olhos.

No entanto, pouco se sabia sobre a influência do novo coronavírus sobre a visão, o que motivou a realização de análises mais apuradas.

“O envolvimento oftálmico em pacientes com essa enfermidade tem sido limitado, até agora, à conjuntivite. Não existem relatórios sobre a existência do Sars-CoV-2 no tecido intraocular. Isso nos motivou a analisar tecidos oculares de pessoas que morreram em decorrência do vírus”, relata, em comunicado, Maria Casagrande, pesquisadora do Departamento de Oftalmologia da Universidade de Hamburg-Heppendorf (UKE), na Alemanha.

Casagrande e sua equipe analisaram os olhos de 14 pessoas e detectaram o RNA do agente infeccioso em três.

“Nesse estudo, fornecemos, pela primeira vez, evidências de detecção do RNA do Sars-CoV-2 na retina humana. Em análises feitas anteriormente, a presença do vírus em tecidos oculares só ocorreu na conjuntiva (membrana mucosa que envolve a parte branca do olho) e nas lágrimas”, afirmam os autores do trabalho, publicado na revista especializada Ocular Immunology and Inflamation.

Os investigadores acreditam que a presença do vírus justifica-se pela existência, no sistema ocular, da ACE2, uma proteína usada pelo patógeno para entrar no organismo.

“A presença do receptor de entrada viral na retina de humanos e também de animais, como porcos e roedores, é algo conhecido na área médica e foi um dos motivos da nossa desconfiança inicial”, explicam.

A equipe acredita que os dados obtidos precisam ser aprofundados e abrem as portas para pesquisas que podem ajudar a entender o comportamento do Sars-CoV-2 no sistema ocular.

“Devido aos riscos respiratório e cardíaco dessa enfermidade, a maioria das pesquisas foca nessas duas áreas, mas acreditamos que estudos em outros sistemas não devem ser ignorados”, destacam os autores.

“Nosso estudo ainda é um piloto, um pontapé inicial para mais análises, até porque ainda não podemos afirmar que o vírus se replica na retina e em quais estruturas retinianas ele está”, ressalta Casagrande.

NOVAS PERGUNTAS

Um segundo estudo, feito por cientistas dos EUA, também encontrou indícios do RNA do vírus no sistema ocular. Nesse caso, a análise foi feita em material obtido de doadores de órgãos.

Os cientistas analisaram a córnea de 33 pessoas e detectaram o RNA do coronavírus naquelas que testaram positivo para a infecção. O patógeno estava na córnea e no humor vítreo.

“Pelo que sabemos, nosso estudo é o primeiro a mostrar a presença do vírus na córnea. Mas ainda temos perguntas a responder. Não sabemos como ele chegou aos olhos e também não sabemos se ele se replica nesse local”, explicam os autores no artigo, liderado por Shahzad I Mian, da Universidade de Michigan.

Os cientistas ressaltam que análises mais apuradas precisam ser feitas para esclarecer as dúvidas que surgiram. “Novos exames em pacientes que faleceram e também estudos in vitro poderão nos ajudar a compreender melhor o comportamento do vírus na córnea e em outras regiões oculares”, cogitam. Os resultados obtidos até agora estão em artigo publicado no periódico MedRxiv.

Efeitos no corpo até três meses após alta


Os efeitos provocados pela COVID-19 no organismo humano podem se estender por, pelo menos, três meses após a infecção, segundo mostra estudo britânico.

Os pesquisadores acompanharam um grupo de mais de 50 pacientes depois de eles terem recebido alta hospitalar e observaram que a maioria do grupo apresentou problemas como falta de ar, fadiga, ansiedade e depressão, além de anormalidades em órgãos.

Os especialistas acreditam que uma inflamação persistente pode ser a explicação para esse quadro clínico. Os dados foram apresentados em estudo publicado no repositório on-line Medrxiv, e ainda não foram submetidos à revisão.

Na pesquisa, os cientistas acompanharam a evolução de 58 pacientes com COVID-19, que apresentaram quadros clínicos de moderado a grave e precisaram ser hospitalizados.

Todos testaram positivo para o exame PCR e foram internados no hospital da Universidade de Oxford entre março e maio de 2020.

Os especialistas incluíram no estudo dados de 30 pessoas sem a enfermidade (grupo de controle). Todos os analisados foram submetidos à ressonância magnética do cérebro, pulmões, coração, fígado e rins, além de exame de espirometria, que avalia a função pulmonar, um teste de caminhada de seis minutos e uma análise cardiopulmonar de exercício.

ALTERAÇÕES

Os pesquisadores observaram que dois a três meses após o início da doença, 64% dos pacientes experimentaram falta de ar persistente e 55% reclamaram de fadiga significativa.

Na ressonância magnética, anormalidades de tecidos foram observadas nos pulmões de 60% dos pacientes com COVID-19; nos rins, em 29%; no coração, em 26%; e no fígado, em 10%.

“Anormalidades de órgãos foram registradas mesmo em pacientes que não estavam gravemente enfermos ao ser admitidos no hospital”, destacou Betty Raman, líder do estudo e pesquisadora da Universidade de Oxford.

A ressonância magnética também detectou mudanças nos tecidos em algumas áreas cerebrais, e pacientes demonstraram comprometimento do desempenho cognitivo.

“Nosso estudo avaliou pacientes em recuperação da COVID-19 após hospitalização, dois a três meses após o início da doença. Embora tenhamos encontrado anormalidades em múltiplos órgãos, é difícil saber quanto disso era preexistente e quanto foi causado pelo vírus.

Mesmo sem ter comprovações de que o novo coronavírus foi a causa principal dos danos que os pacientes apresentaram no estudo, os pesquisadores assinalaram ter encontrado indícios que corroboram essa hipótese.

TRATAMENTO


Para os autores do estudo, os dados mostram o poder da COVID-19 em diferentes aspectos e precisam ser considerados para aprimorar o tratamento da enfermidade.

“Essas descobertas ressaltam a necessidade de explorar ainda mais os processos fisiológicos associados à COVID-19 e de desenvolver um modelo holístico e integrado de atendimento clínico para nossos pacientes após terem recebido alta do hospital”, enfatizou Raman.

Para Ekaterini Simões Goudouris, imunologista e diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), a mensagem principal do estudo é a de que a COVID-19 representa um problema de saúde complexo, com muitas complicações que podem permanecer por um longo período, o que exige um cuidado ainda maior da população.

“Vemos o quanto os problemas produzidos por essa infecção podem se arrastar. E isso reforça o que temos dito frequentemente, que não é só ter respirador para atender o paciente.

Os efeitos provocados pelo novo coronavírus são muito amplos e podem perdurar, como ocorre em outras enfermidades graves. O recado mais importante dessa pesquisa é evitar sofrer com essa doença”, disse a especialista brasileira.

Na avaliação da médica, um dos problemas do estudo é que o grupo de controle utilizado pelos cientistas deveria ter apresentado problemas de saúde semelhantes à COVID-19.

“Seria muito melhor se eles tivessem usado pacientes que foram internados em UTI também, e que apresentassem problemas de saúde em sistemas afetados pela COVID-19.

Dessa forma, poderíamos ver o tempo e o grau de danos de quem sofreu um problema cardíaco ou uma pneumonia, por exemplo, e comparar com os casos do novo coronavírus. Seria algo mais confiável”, opinou.

Ekaterina Goudori disse acreditar que pesquisas futuras, que deem foco à duração dos sintomas de forma individualizada, podem gerar informações ainda mais consistentes.

“Nos casos de depressão e ansiedade, por exemplo, seria interessante usar pacientes que passaram muito tempo em um hospital, e que apresentam maior risco de sofrer com esses problemas. Os dados relativos a saúde mental são os mais interessantes, e merecem uma análise mais apurada”, completou.

PALAVRA DE ESPECIALISTA

David Urbaez - diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal

Uma doença sistêmica


“As primeiras manifestações documentadas do vírus Sars-CoV-2 foram as respiratórias, mas quando essa enfermidade surgiu, na China, um oftalmologista notou diversos casos de conjuntivite. Isso chamou a atenção dele, que definiu o aumento de casos do problema ocular como causa de uma doença desconhecida.

Esses dados, que surgem após meses de pandemia e mostram a presença do vírus no olho e a possibilidade de quadros mais graves de enfermidades prévias, como o glaucoma, são exemplos do conteúdo que estamos aprendendo nesse longo caminho de manifestações clínicas da COVID-19.

Vemos todos os dias dados que reforçam como essa enfermidade é sistêmica. Ela causa danos em diferentes áreas, e os olhos são mais uma região que pode ser afetada. É importante continuar acompanhando e escrevendo esse capítulo. Isso vai nos ajudar a abrir ainda mais o leque de fatores usados para fazer o diagnóstico dessa doença e a entender como ela se apresenta clinicamente, o que nos ajudará durante o seu combate”.


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