Jornal Estado de Minas

TRISTE CENÁRIO

Colorido das barracas expõe o aumento da pobreza em Belo Horizonte



De repente, a população de Belo Horizonte se deparou com uma colorida, mas triste, decoração. Barracas utilizadas em acampamentos passaram a fazer parte do cenário urbano, indicando o vertiginoso crescimento das populações em situação de rua. O "abrigo" foi a forma improvisada de manter essas pessoas em situação mais digna, mantendo o distanciamento exigido pela pandemia do novo coronavírus.



Mais de mil barracas foram distribuídas pela Frente Humanitária do Canto da Rua Emergencial, um movimento solidário organizado pela Pastoral da Rua, da Arquidiocese de Belo Horizonte, e que reúne várias entidades. Os abrigos fazem parte de um "kit inverno", também composto por mantas de cobertura, meias, agasalhos e saco de dormir.

As barracas foram adquiridas por instituto privado, parceiro das entidades, que ofereceu o aporte financeiro para os kits e para outras ações promovidas pelos mais de 200 colaboradores. As equipes de apoio saíram as ruas, realizaram um cadastro, identificaram as necessidades de cada um e depois distribuíram as doações. Outras 120 pessoas, idosas ou com comorbidades, foram encaminhadas a três centros de acolhimento montados pela Frente.


Mais vizinhos



Na Praça Raul Soares, as passagens de pedestres foram tomadas pelas barracas da população em situação de rua (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Apesar de estar mais em evidência neste momento, as barracas já faziam parte da vida de alguns há algum tempo. É o caso de João Evangélico, de 63 anos, que mora sob o viaduto Cachoeirinha, na Região Nordeste da cidade. Ele conta que já mora em barraca há cinco anos. Natural de Conselheiro Pena, no Vale do Rio Doce, João disse que já teve terras em Rondônia, onde deixou duas filhas, e veio para Belo Horizonte, onde passou a morar nas ruas. Vivendo de "limpeza de terrenos" ou recolhendo materiais recicláveis, diz que a vida "ficou mais difícil durante a pandemia", com muito mais "vizinhos". Vê a barraca como uma proteção contra as condições do clima, mas também de seus pertences. "Tem muita gente boa, mas também muita gente ruim vivendo nas ruas."



Ana, de 23, grávida de nove meses, espera o quarto filho. Sem condições de pagar o aluguel e taxas como luz e água, passou a viver na esquina das ruas Tamoios e Mato Grosso, na Região Central. Teve no carnaval seu último trabalho, quando vendeu cerveja como ambulante. Já foi faxineira, mas, com a pandemia, diz que não consegue mais emprego. Estava vivendo de materiais recicláveis. "Mas com o comércio fechado e a cidade mais vazia, diminuiu muito a quantidade de lixo jogado nas ruas ou deixados em sacos para ser recolhidos". Ana divide a barraca com outras enfileiradas lado a lado. Na Praça Raul Soares, as passagens de pedestres estão com filas de barracas emparelhadas.

As ações do Canto de Rua Emergencial estão previstas para terminar em 31 de agosto. A intenção é abrir um diálogo com a prefeitura para que crie políticas públicas para acolher essas pessoas. "Desde que foi criada, com a implantação e abertura em 13 de junho de um ponto de atendimento na Serraria Souza Pinto, já havia o entendimento de ser uma ação emergencial, temporária, de pessoas e entidades sem qualquer propósito de substituir ou assumir políticas públicas para essa população. Uma resposta humanitária para responder ao momento de maior agravo da pandemia", explica Maria Cristina Bove, da Pastoral Nacional do Povo da Rua e da equipe de coordenação da Frente.

Maria Bove explica que esse período foi de muita escuta dessa população, "de entender que realmente precisamos abrir um diálogo com a prefeitura e contribuir na constituição de políticas públicas permanentes para essas pessoas". Desde 13 de junho, o Canto da Rua, na Serraria, já promoveu 16.262 atendimentos, 7 mil banhos e serviu 29 mil lanches.




Acolhidos



João Evangélico disse que já teve terras em Rondônia, mas há cinco anos mora sob o viaduto da Cachoeirinha, na Região Nordeste de BH (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
O número de pessoas que sobrevivem nas ruas da capital é divergente. Segundo dados da prefeitura, são 4.668, sendo 88% do sexo masculino e 12% de mulheres. Porém, o Cadastro Único – CAD do Ministério da Cidadania, que identifica pessoas em extrema pobreza para direcionar políticas públicas de acolhimento e atendimento, indica que são 9.164 pessoas vivendo nas ruas de BH.

Claudenice Rodrigues Lopes, assistente social e voluntária da Pastoral de Rua da Arquidiocese, reconhece o aumento significativo de pessoas nas ruas. Aponta também casos de pessoas liberadas do sistema prisional devido à pandemia. "É significativo o número de pessoas vindas do sistema que nos procuram na Serraria, alguns em busca de passagens. Grande parte é do interior, não tem recursos para voltar pra casa e não tem para onde ir. Então, ficam por aí". Ela chama a atenção também para a diminuição do fluxo de pessoas circulando pelo Centro. "Isso deu visibilidade a essas pessoas, antes invisíveis, que passavam despercebidas pelos cantos, diante do grande movimento". Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC), atualmente, há 4.668 pessoas em situação de rua em Belo Horizonte.

Perfil das pessoas em situação de rua


Gênero
Masculino 88%
Feminino 12%

Idade
0 a 17 0,7%
18 a 24 7,1%
25 a 34 22,2%
35 a 39 16,5%
40 a 44 15,6%
45 a 49 12,1%
50 a 54 10,8%
55 a 59 7,4%
%2b60 7,1%

Raça/cor
Parda 60,6%
Preta 23%
Branca 15,7%
Amarela 0,5%
Indígena 0,1%
Não informado 0,1%

Renda familiar per capita
Até R$ 89 90,84%
Entre R$ 89,01 e R$ 178 0,99%
Entre R$ 178,1 e meio salário mínimo 1,9%
Acima de meio salário mínimo 6,28%

Grau de instrução
Sem instrução 7,3%
Fundamental incompleto 52,3%
Fundamental completo 14,3%
Médio incompleto 10%
Médio completo 14,3%
Superior incompleto ou mais 1,2%
Não informado 0,6%

Motivos para estar nas ruas (principais)
Problemas familiares 56%
Desemprego 41,5%
Perda de moradia 30%
Alcoolismo 19,3%

Outros
33% dizem usar abrigos para dormitório
84% são beneficiários do Programa Bolsa-Família

Fonte:
Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania