Cordisburgo – Barreiras sanitárias nas duas únicas entradas de Cordisburgo, a 117 quilômetros de Belo Horizonte, já mostram a mudança de rotina na pacata cidade na Região Central do estado, que teve uma morte e 48 casos confirmados desde o início da pandemia de coronavírus. Na quarta-feira, o município, que tem 8.667 mil habitantes (conforme dados do Censo de 2010) aderiu ao Minas Consciente, do governo estadual que categoriza os riscos da doença e medidas restritivas, mas autoridades já vinham adotando ações em conjunto com a comunidade para tentar frear a COVID-19. No monumento Portal Grande Sertão, que dá acesso à LMG-754, atualmente o principal caminho para Curvelo, máscaras foram colocadas nas obras em homenagem ao escritor João Guimarães Rosa (1908/1967), nascido neste pedaço do cerrado mineiro.
Mesmo aderindo ao programa governamental, pouca coisa muda na prática, segundo a secretária-adjunta de Saúde, Geovana Campello. “O decreto já mantinha o comércio fechado e somente o essencial estava aberto. Isso permanece. Estávamos em consonância com as normas. O que mudou é que agora os municípios são obrigados a aderir, e antes era só uma orientação”, detalha. Nesta semana, o Decreto nº. 1.322, assinado pelo prefeito José Maurício Gomes, foi prorrogado e continuam suspensos os atendimentos presenciais ao público em estabelecimentos comerciais de todos os gêneros, como salões de beleza, bares, restaurantes e lanchonetes. Há liberação para as atividades internas, com autorização para venda sob retirada ou delivery.
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Em alerta
Ainda que concorde, a secretária-adjunta recomenda cautela, observando que no início da pandemia o município teve dificuldades em manter a população em distanciamento social. “Tivemos denúncias sobre furões da quarentena fazendo festas, não respeitando. Mas isso acabou a partir momento em que casos foram testados positivos. Quando a pessoa vê alguém de perto doente, já muda de postura e a partir daí ela mesma passa a tomar conta e a denunciar abusos ao decreto”, analisa Geovana.
“Nunca vi uma coisa dessas”
Desde março, com a adoção das medidas necessárias para tentar frear o coronavírus, a economia local acumula perdas, especialmente na área do turismo, uma das principais atividades do lugar. A Gruta de Maquiné, seu principal ponto turístico, está fechada desde março. Somente funcionários dão a manutenção e têm acesso. Para se ter uma ideia do peso dessa perda, a atração – sete salões grandes, num total de 650 metros lineares, formados por rochas de origem sedimentar do fundo de mares da Era Neoproterozóica (1.000 a 545 milhões de anos) – recebeu 17.883 visitantes somente entre março e julho de 2019.
Em nota, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) informou que a visitação está proibida por tempo indeterminado em razão da pandemia, o que vale para as demais 92 unidades de conservação sob gestão do governo de Minas. Guia, José Luiz Gomes do Carmo, de 69 anos, é um dos que sentiram diretamente o impacto. Desde que ingressou na profissão, jamais havia parado como agora. “Quarenta anos em atividade e agora a quarentena”, brinca com as palavras. “Se não tivesse pandemia, aqui estaria muito movimentado. Sou nascido e criado aqui e nunca vi uma coisa dessas. Realmente, muito triste”, lamenta.
Na cidade funciona também o Museu Casa Guimarães Rosa, que guarda móveis, livros e objetos pessoais do escritor mineiro, incluindo cerca de 700 documentos. Foi o imóvel em que morou com a família desde seu nascimento.
Da realidade aos livros
Pandemias do passado são também relembradas nas obras do escritor e médico cordisburguense Guimarães Rosa, como a gripe espanhola, entre 1918 e 1920, que marcou sua geração. Quase um século antes da crise do coronavírus, ela provocou cerca de 35 mil mortes no Brasil e em torno de 50 milhões no mundo. No livro Primeiras estórias, no conto O cavalo que bebia cerveja, há uma referência ao “ano da espanhola”: “Era homem estrangeiro. De minha mãe ouvi como, no ano da espanhola, ele chegou, acautelado e espantado, para adquirir aquele lugar de todo defendimento, e a morada, donde de qualquer janela alcançasse de vigiar a distância, mãos na espingarda ”Em outras de suas facetas, o poeta e o doutor se entrelaçam na construção de narrativas. No livro Sagarana, no conto Dueto o personagem Cassiano Gomes foi dispensado do Exército devido às “más válvulas e maus orifícios cardíacos”, e mais tarde desenvolveu um quadro de insuficiência cardíaca congestiva.