Jornal Estado de Minas

DEFESA DOS ANIMAIS

Abandonados, cães disputam comida em lixão de Ouro Preto

(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
 Ouro Preto – Em vez de abrigo seguro, alimento e água, céu aberto, detritos e chorume. No lugar de proteção, desamparo e confusão. Assim vivem cachorros abandonados no aterro de Rancharia, em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais. O Estado de Minas flagrou ao menos uma dezena de cães vagando pelo local, cerca de 10 quilômetros distante do centro do município. Os “moradores” do espaço habitam cenário composto por lixo dos mais diversos tipos e alguma vegetação. Há, ainda, constante movimentação proporcionada por pequenos caminhões, que entram no terreno para despejar a terra responsável por cobrir o que foi jogado fora pela população.




 
Segundo ativistas da causa animal na região, os cachorros se dirigem ao aterro após serem abandonados na MG-129, via localizada nas proximidades. “Os animais vêm para cá seguindo o cheiro do lixo e, chegando aqui, como não há controle populacional, se reproduzem de forma exponencial”, afirma Isabela Rocha, uma das líderes do Instituto de Defesa dos Direitos dos Animais (IDDA), organização não governamental (ONG) que atua nas cidades de Ouro Preto e Mariana.
 
A prefeitura ouropretana recebeu denúncia anônima sobre o tema. Um cidadão procurou a secretaria de Meio Ambiente para relatar a existência de descarte de animais nas redondezas do aterro. O carro responsável por transportar os cães até o local do abandono teria, conforme o relato, placa de outro município. De acordo com o comandante da Guarda Municipal, Jonathan Marotta, a corporação protocolou a denúncia junto à Polícia Civil no fim de junho. O abandono dos bichos configura crime de maus-tratos. Lei federal prevê prisão e multa aos infratores.
 
Os cachorros não estão sozinhos no local. Para sobreviver, eles precisam lutar contra urubus, que monopolizam o lixo e se amontoam sobre os cães mais frágeis. Sem água potável, os cães bebem o chorume, líquido escurecido resultado do processo de decomposição dos resíduos. Sem comida, a solução é duelar com os urubus pelos restos jogados terreno afora. Durante a visita, a reportagem avistou, também, cavalos de propriedades vizinhas ao lixão vagando pela imenso território.




 
Em fevereiro, a ONG resgatou nove filhotes e uma cadela. Outras três crias, contudo, já haviam morrido. O restante só se salvou graças à ação de trabalhadores do aterro, que improvisaram uma “casa” para protegê-los dos verdadeiros “donos” da área. “Os funcionários fizeram uma cabaninha com sacos de lixo e papelão para proteger os cães dos urubus. Como alguns deles estavam machucados, as aves rodeavam os filhotes“, conta Isabela.
 
Ocorrem, também, rixas entre os próprios cachorros. O ambiente desfavorável faz com que andem em bando, como modo de proteção. As matilhas, no entanto, acabam criando rivalidades e gerando conflitos. “Eles tendem a brigar por território e restos de comida. Com isso, se ferem e começam a desenvolver doenças”, continua a ativista.

Desamparados, os cachorros estão expostos a ferimentos provocados por brigas, a doenças e à concorrência com urubus, que também recorrem ao local como fonte de alimentos (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


Outro lado 


Por meio de nota oficial, a prefeitura diz ter elaborado um plano com diversas ações para tratar os cães que vivem no aterro. As medidas incluem a retirada do local dos animais em estado grave de saúde, das cadelas no cio e dos filhotes. O pacote do Executivo prevê, também, a testagem semanal para leishmaniose, envio de ração e medicação aos bichos e a castração dos que forem disponibilizados para a adoção. A reportagem tentou contato com o prefeito Júlio Pimenta (MDB). Sua assessoria, no entanto, alegou indisponibilidade de agenda.




 


Não há controle sobre a entrada e saída de pessoas no lixão e, por isso, a reportagem acessou o local, precedido por uma estrada de terra, sem grandes dificuldades. A implantação de um sistema para monitorar fluxo de pessoas na área está nos planos da prefeitura, bem como a colocação de câmeras de segurança nos arredores. A ideia, assim, é identificar os autores de futuros crimes.
Em 2018, Ouro Preto e Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) assinaram Termo de Ajuste de Conduta (TAC) sobre o controle populacional de cães e gatos que vivem no perímetro urbano do município. Entre os compromissos firmados, está a necessidade de campanhas bimestrais de adoção voltada aos animais desamparados e também a melhoria do canil municipal para possibilitar o acolhimento dos bichos sem lar. Em março, o MPMG instaurou procedimento administrativo para acompanhar o cumprimento do TAC. A prefeitura, por seu turno, garante estar seguindo as diretrizes do documento.

Decepção?


O EM esteve no local acompanhado de duas ativistas ambientais da região. Um vira-lata de grande porte acompanhou quase toda a expedição – inclusive, utilizando uma das patas para sujar de terra a camisa e a jaqueta deste repórter. Mirelle Malta, que compõe o grupo e mantém 12 cachorros em casa, resolveu levar dois filhotes em seu carro. Não havia como transportar mais um. As crias resgatadas, por sua vez, foram encaminhadas a um lar temporário.
Enquanto isso, o vira-lata seguiu acompanhando a caminhada. Na entrada do lixão, ao ganhar de Mirelle um carinho de despedida, franziu os pêlos pretos, mas tingido de caramelo em algumas partes. Era, talvez, um forma de demonstrar desapontamento por ver “colegas” indo embora enquanto ele lá ficava, relegado à própria sorte.