Jornal Estado de Minas

NOVA METODOLOGIA

Coronavírus: negros são maioria de infectados e de mortos em Minas

Mapa informativo que mostra a situação de Minas Gerais com o COVID-19 (foto: Mapa informativo que mostra a situação de Minas Gerais com o COVID-19)

 
A população negra, composta por pretos e pardos de acordo com definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é a mais acometida pela COVID-19 em Minas, tanto no número de infecções quanto no de mortes. Com a reformulação do formato de apresentação do boletim epidemiológico, a Secretaria de Estado de Saúde passou a apresentar o quesito cor e raça ao estabelecer o perfil dos infectados e mortos em Minas.


 
De acordo com o balanço desta segunda (6), a maior parte dos óbitos está entre negros (34% pardos e 8% pretos), totalizando 42% das 1.230 mortes. Os brancos correspondem a 35% e os indígenas a 1%.
 
No caso de infectados, a maior parte (48%) não foi identificada no quesito cor ou raça.  Entre os 52%, em que o quesito foi notificado (31.005), a população negra é maioria. Negros correspondem a 48,08% das infecções (14.906) e brancos 40,38% (12.521).
 
O professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cristiano Rodrigues aponta que a inclusão de cor e raça nos prontuários de saúde é uma reivindicação dos movimentos negros desde a década de 1990. Somente com esse recorte, é possível estabelecer políticas públicas para doenças prevalentes entre as diferentes populações de acordo com a cor da pele e etnia.


  
"Faz sentido a desagregação de dados de cor e raça para que se possa focalizar as políticas de saúde", afirma.
 
O pesquisador ressalta que, desde o início do enfrentamento da pandemia no Brasil, há uma luta dos movimentos para inclusão do quesito cor e raça nos dados sobre a COVID-19, tendo sido a reivindicação alvo de pedidos judiciais.
 
"A COVID-19 não tem preferência racial. A doença atinge a todas as pessoas, mas, os dados indicam condições desiguais de acesso à saúde e comorbidades. As comorbidades estão relacionadas também a acesso desigual à saúde e ao racismo estrutural, que indicam que as doenças afetam desproporcionalmente as pessoas negras", afirma.
 
Os dados revelam ainda, segundo Cristiano, que a população negra está mais exposta ao vírus por exercer grande parte das atividades essenciais. "A maioria trabalha na área de serviço e na área do cuidado, como enfermeiros, técnicos de enfermagem, empregadas domésticas. Os dados indicam a junção de vários fatores", pondera.


 
Se os dados de cor e a raça tivessem sido levados em conta, o pesquisador acredita que os governos poderiam ter elaborado ações para mitigar esse impacto na população mais vulnerável.
 
"Com esses dados, é possível planejar quais setores serão abertos e os que não serão, que tipo de tratamento vão receber,  quais as ações para mitigar e diminuir o número de óbitos. São medidas que poderiam ter sido feitas se os governos tivessem esses dados antes".

 
Correlação entre classe social e cor da pele

 
Cristiano Rodrigues lembra que há uma correlação entre classe social e cor da pele. "Se classe social indica pior condição de saúde, é importante saber a cor da pele", defende. Para o pesquisador, a não inclusão do quesito nos dados oficiais demonstra que o governo federal é um "governo da indiferença".
 
Ele pontua que o governador de Minas, como um dos apoiadores da forma como Jair Bolsonaro tem conduzido o enfrentamento à pandemia, também se torna indiferente a políticas que promovam a vida dessa população vulnerável ao demorar na inclusão dos dados nos balanços do Estado.


 
Em Belo Horizonte, houve uma migração dos casos da doença de bairros de classe média alta cuja população é de maioria branca para os bairros mais periféricos, onde predomina a população negra.  A constatação é do professor da Faculdade de Educação (FAE) e membro da comissão permanente de ações afirmativas e inclusão da UFMG, Rodrigo Ednilson de Jesus, que participa de levantamento que busca cruzar os dados de cor de pele dos infectados pelo número de contaminações nos bairros da capital.
 
"Observávamos que, no início, a integralidade estava nos bairros de zona nobre de Belo Horizonte e, dois meses depois, isso inverteu, foi para a Zona Leste e outras regiões", afirma. Ele segue na realização do levantamento.