Jornal Estado de Minas

AO PÉ DA LETRA

Mudanças em nomes de cidades mineiras geram 'brigas' e polêmicas

Piumhi já foi Piuí; Passa Vinte nunca mudou de número, mas já teve hífen; e Itabirinha segue no diminutivo, mas perdeu o “de Mantena”. Mudanças em nomes de cidade – em Minas e no Brasil – podem parecer questões corriqueiras, mas não é raro que provoquem verdadeiras batalhas nas localidades, envolvendo população e autoridades. E muitas vezes não se chega a um consenso, caso da mística São Tomé das Letras, no Sul de Minas, batizada assim para depois ganhar – e perder – o “h” de Thomé, e hoje conviver com as duas formas. Isso apesar de o município aparecer sem a consoante na mais última lista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada com alterações na toponímia em cidades de vários estados.



Na mesma listagem, a mineira da Zona da Mata Dona Euzébia recuperou o “z” original e sepultou – definitivamente? – o “s” que desvirtuava o nome da fazendeira homenageada. Os topônimos (nome das cidades) estão legalmente na relação do IBGE, com alterações, junto de mais quatro municípios: Ereré (CE), Tabocão (TO), Campo Grande (RN) e Chavantes (SP), que agora se escreve com “ch”. O xis da questão: pode parecer uma simples troca de letras, mas não é. Duvida? Então, é ver para crer, como fazia o São Tomé original, segundo a tradição cristã.

Volta e meia, há câmaras municipais envolvidas com a mudança de grafia dos nomes das cidades ou trocando nome de ruas e alterando os de lugares conhecidos por outros que, muitas vezes, não fazem sentido para a população. Por que será? “Deve prevalecer a tradição, a história”, orienta a professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Cândida Trindade Costa de Seabra, coordenadora do Grupo Mineiro de Estudos do Léxico, os topônimos (nomes das cidades).

Mesmo que, como se aprende na escola, a letra “s” entre vogais tenha som de “z”, o nome da cidade deve ser como está no registro da fazendeira: Dona Euzébia.

De acordo com a professora Cândida, os topônimos confirmam a tese de que a história das palavras caminha muito próxima da vida do grupo que dela faz uso. “Essa é a razão pela qual a atribuição de um nome a um lugar envolve fatores linguísticos, étnicos, socioculturais, históricos e ideológicos. O topônimo é um patrimônio e deve ser preservado. Muitas vezes, fazem a troca numa situação meramente política”, afirma. A consequência é a necessidade de retificação de documentos, começando pelas certidões de nascimento.



As novas denominações oficiais, segundo o IBGE, passam a integrar todos os documentos geográficos e estatísticos elaborados pela instituição, tais como mapas municipais das estimativas populacionais, Base Cartográfica Contínua da Unidade da Federação, Base Cartográfica Contínua do Brasil ao Milionésimo, Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais, IBGE Cidades, Brasil em Números, Anuário Estatístico e Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA).

Variações

Mas quem precisar fazer uma pesquisa na internet vai encontrar alguns topônimos com várias grafias – até mesmo Dona Euzébia, na lista do IBGE, se mantém com “s”, embora a alteração oficial tenha ocorrido em 19 de março de 2019. “Aqui na cidade, o nome é escrito das duas formas. Na antiga estação ferroviária, com ‘z’, mas há placas com ‘s’”, conta o coordenador municipal de Cultura e Turismo, Sidney Martins do Nascimento. Para pôr fim aos desentendimentos, o novo portal em construção na entrada do município – de cerca de 6 mil habitantes e grande produtor de mudas frutíferas e ornamentais – terá o “z” eternizado. “O Detran-MG foi comunicado para mudanças das placas dos veículos”, acrescenta.

Sobre a homenageada no topônimo, pesquisa da prefeitura informa que foi a fazendeira doadora de terras para a construção da estação ferroviária e da Igreja Nossa Senhora das Dores, padroeira do local. Antes da estação, o primitivo arraial tinha apenas uma pousada de pau- a-pique e sapé nas proximidades da prédio de embarque e desembarques. Depois, no entorno, se formou um povoado fortalecido pelo apogeu cafeeiro.



Questão de letras

Já em São Tomé das Letras, cidade famosa pela aura mística e pelas belezas naturais – embora nesta época de pandemia do novo coronavírus, com portas fechadas ao turismo –, o problema está na letra “h”. Não há registro preciso de como o “h” entrou – ou saiu? – da história. Também nunca foi feita uma pesquisa, conforme assinala a Secretaria de Cultura, para saber a opinião popular. Mas, nesta época digital, há problemas para o turista, que, ao fazer a consulta nos sites, encontra as duas formas e se confunde.

A chefe do Departamento Municipal de Cultura e Proteção do Patrimônio Cultural, Josiane Cardoso, informa que não houve ainda uma definição para o topônimo. E explica que a Lei Orgânica de 1985 determinava o nome sem “h”, portanto Tomé. Seis anos depois, o então prefeito sancionou nova lei, aprovada pelo Legislativo municipal, mantendo o disposto na Orgânica. Ela lembra que técnicos do IBGE estiveram “na cidade, no ano passado, em reuniões, e levaram em consideração a decisão municipal, que agora está no site”.

Para tentar pôr um ponto final na polêmica das letras, o prefeito Tomé Reis Alvarenga vai enviar um ofício à Assembleia Legislativa de Minas Gerais pedindo “a alteração definitiva ao governo federal, já que é necessário fazer em conjunto com outros municípios brasileiros”. No site do IBGE, há a observação de que houve “correção ortográfica e mudança de grafia”.



O nome da cidade se deve a uma lenda sobre o suposto encontro, no fim do século 18, da estátua de São Tomé, numa gruta, por João Antão, escravo fugido de João Francisco Junqueira, junto de uma carta de escrita perfeita. Outra versão diz que a carta teria sido entregue na gruta a João Antão por um senhor de vestes brancas.

Apresentando a carta ao seu antigo dono, como ordenado pelo senhor de vestes brancas, João Antão teria conseguido alforria, pois João Francisco Junqueira teria ficado muito impressionado com o relato do escravo. Tanto que ordenou a construção de uma igreja ao lado da gruta, que hoje se encontra no que é o Centro de São Tomé das Letras. Já o “das Letras” do topônimo se refere às inscrições rupestres que ainda podem ser vistas na gruta onde teria sido encontrada a imagem de São Tomé. E não à polêmica em torno de um “h” – que, convenhamos, nem mesmo som tem.

Um presidente que virou
(e ‘desvirou’) Calambau

Em 2011, uma equipe de reportagem do Estado de Minas esteve em Presidente Bernardes, na Zona da Mata, para ouvir os argumentos dos que defendiam a volta do antigo nome do município – Calambau – e dos que não abriam mão da denominação corrente. “Isso já passou, agora é Presidente Bernardes mesmo. Mas temos carinho pelos dois”, diz o prefeito, Jason Haroldo da Silva Almeida, médico, natural de Montes Claros, no Norte de Minas, e residente na cidade desde 1995.



Presidente Bernardes nasceu Calambau no século 18 – na língua dos índios puris, “lugar onde o mato é ralo e o rio faz a curva”. Uma referência ao Rio Piranga, afluente do Rio Doce. O tempo passou até que, em 1953, por lei, o antigo distrito se emancipou de Piranga e ganhou o nome do presidente da República Artur Bernardes (1875-1955), mineiro de Viçosa, que ocupou o cargo entre 1922 e 1926. Em 1985, voltou a ser Calambau, conforme consta na listagem do IBGE.

Já em 1989, segundo a mesmo lista, voltou a ser conhecida como Presidente Bernardes, denominação que conserva até hoje. É, aliás, um dos dois municípios mineiros que aparecem com duas mudanças na lista do instituto – ao lado de São Tomé das Letras. Agora, sem a letra “h”.


Mudança na certidão

As cidades mineiras que mudaram de nome, segundo o IBGE

Nome anterior...Novo nome...Justificativa...Data    

São Thomé das Letras...São Tomé das Letras...Correção ortográfica (mudança de grafia)...23/09/2019


Dona Eusébia...Dona Euzébia...Ato legal (mudança de grafia)...19/03/2019

Passa-Vinte...Passa Vinte...Correção ortográfica (mudança de grafia)...1/9/16

Brasópolis...Brazópolis...Ato legal (mudança de grafia)...12/1/2009
     
Itabirinha de Mantena...Itabirinha...Ato legal (mudança de grafia)...11/1/2001
   
Piuí...Piumhi...Ato legal (mudança de grafia)...15/7/1998

Vila Matias...Mathias Lobato...Ato legal (mudança de grafia)...21/12/1991

Presidente Soares...Alto Jequitibá...Ato legal (mudança de grafia)...21/10/1991

André Fernandes...Cachoeira de Pajeú...Ato legal (mudança de grafia)...27/10/1989

Cassiterita...Conceição da Barra de Minas...Ato legal (mudança de grafia)...27/10/1989

Calambau...Presidente Bernardes...Ato legal (mudança de grafia)...7/1/1989

José de Melo...Nova União...Ato legal (mudança de grafia)...16/12/1987

Felisberto Caldeira...São Gonçalo do Rio Preto...Ato legal (mudança de grafia)...8/7/1986

São Tomé das Letras...São Thomé das Letras...Ato legal (mudança de grafia)...29/11/1985

Presidente Bernardes...Calambau...Ato legal (mudança de grafia)...1/10/1985 

Fonte: IBGE