Jornal Estado de Minas

Entrevista/Flávio Fonseca

UFMG na corrida pela descoberta da vacina

 

Quais são as ações da UFMG para o enfrentamento da Covid-19?


Há muitas ações nas áreas sociais, psicologia, apoio ao estudante, apoio ao profissional que está no estrangeiro. Isso tudo acontecendo. Doação de luvas e material clínico para hospitais. Vou focar nas ações de ciência e saúde focadas na crise da COVID-19. Há três dias, terminamos todo o mapeamento de capacidade instalada dos pesquisadores das ciências biológicas dentro da universidade. Fazer o teste da COVID-19, baseado no PCR, que está sendo realizado no Brasil inteiro, há três laboratórios que têm capacidade instalada de fazer o teste, de imediato. O diagnóstico é um grande gargalo hoje. Os órgãos oficiais não conseguem dar esse diagnóstico em tempo rápido por causa do grande número de amostras que estão recebendo, o grande número de exames que eles têm que fazer. UFMG ofertou essa capacidade instalada e a competência dos seus pesquisadores para participar desse esforço de diagnóstico. No Hospital Risoleta Neves, já iniciamos os testes de profissionais e pacientes. O mesmo com o Hospital das Clínicas. Hoje, três laboratórios já estão dando suporte ao diagnóstico. Ainda não conseguimos dar suporte ao diagnóstico da Funed no estado, porque há entraves legais importantes, já que os laboratórios da universidade não são laboratórios de diagnóstico clínico. Não temos alvará sanitário para isso. Mas, no momento de crise, nós temos a competência para dar esse suporte.



E em relação às vacinas e aos tratamentos? Quais pesquisas estão em andamento?


A universidade já começou o desenvolvimento de vacinas. Existe grande corrida mundial para se alcançar uma vacina e a universidade participa desse esforço mundial. Há esforço para geração de novas drogas e testes de drogas, como já foi noticiado pela imprensa internacional. Também fazemos parte desse esforço, UFMG e outras universidades brasileiras. E também o desenvolvimento de novos sistemas sorológicos de diagnóstico, uma vez que a gente entende que o teste molecular, feito normalmente, demanda capacidade técnica muito elevada e essa é uma das razões na liberação de resultados pelos órgãos oficiais. Esses testes sorológicos seriam importantes para dar agilidade e amplitude, ampliar a capacidade de diagnóstico. O Ministério da Saúde está comprando parte desses testes sorológicos, mas é importante a nacionalização desses testes, uma vez que a gente não sabe como vai ser a oferta deles no mercado internacional. O mundo inteiro está querendo comprar. A UFMG está profundamente engajada no desenvolvimento científico relacionado à COVID-19.

 

 

E qual é o cenário para que a universidade pública desenvolva pesquisas científicas?


Paralelamente, a gente vive essa situação contraditória. A ciência brasileira nunca esteve tão desprestigiada, por ações do próprio governo, e com tão poucos recursos. No meio dessa crise, em 18 de março, recebemos ofício da Capes, responsável pelas bolsas de pós-graduação no Brasil, cortando quatro bolsas de doutorado e mais duas de mestrado do nosso programa de microbiologia. Isso envolve exatamente professores pesquisadores e alunos que estão diretamente envolvidos em estudos de doenças infecciosas, como é o caso da Covid-19. No acumulado, perdemos nove bolsas do doutorado e seis bolsas do mestrado se comparar 2020 a 2019. A gente sabe que numa universidade a grande massa de trabalho do pesquisador é o estudante de pós-graduação. O corte dessas bolsas representa um golpe duríssimo na capacidade dos laboratórios em gerar pesquisa e gerar estudos. Estamos perdendo essa massa de trabalho. Os estudantes ficam desestimulados. O número de estudantes entrando para fazer pós-graduação em ciência biológica, microbiologia, cai ano a ano por causa desse desprestígio. Situação contraditória: em momento de crise internacional em virtude de uma pandemia, instalam-se todos os olhares de ajuda e súplica exatamente para a ciência, que foi tão vilipendiada e tão ridicularizada no passado. Agora, o governo começa a disponibilizar recursos para tentar reaparelhar a ciência para a gente dar uma resposta. Mas foram as próprias ações governamentais que desestruturaram a ciência brasileira.