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Estado de Minas O CASO BACKER

Sobe número de vítimas cresce janela de apuração

Polícia investiga intoxicação por produtos da cervejaria em 38 pacientes. Contaminações comprovadas aumentam de quatro para 11 e período de análise é ampliado em um ano


postado em 07/03/2020 04:00 / atualizado em 06/03/2020 22:26

O professor de psicologia Cristiano Mauro Assis Gomes, de 47 anos, com a filha, Isabella e a mulher, Flávia: alta depois de 74 dias de batalha no hospital (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
O professor de psicologia Cristiano Mauro Assis Gomes, de 47 anos, com a filha, Isabella e a mulher, Flávia: alta depois de 74 dias de batalha no hospital (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

Subiu para 38 o número de vítimas com intoxicação investigada por dietilenoglicol, a partir de produtos da cervejaria mineira Backer. Com as apurações completando dois meses, a Polícia Civil de Minas Gerais informou ontem que a contaminação pela substância já foi confirmada por meio de exames em 11 pacientes, quatro deles falecidos. Anteriormente, a quantidade de pessoas comprovadamente intoxicadas era de quatro. A polícia deve voltar à fábrica para fazer nova perícia na semana que vem, ao lado de especialistas do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CBTN). Os investigadores também informaram que inquérito ampliou a janela de investigações em praticamente um ano, de dezembro para janeiro de 2018.
 
Quatro vítimas que teriam sido intoxicadas há mais de um ano foram incluídas no inquérito, de acordo com a corporação. “Essa inclusão veio de uma reunião que tivemos com a Secretaria de Estado de Saúde, visto que há outras pessoas com o quadro típico de síndrome nefroneural com a data de 2018. Então, ficou combinado que estenderíamos o prazo. Em breve, vamos emitir uma nota técnica sobre o assunto”, explicou Thales Bittencourt, superintendente da Polícia Técnico-Científica. Com isso, os investigadores acreditam que o número de vítimas suba ainda mais nos próximos dias. Possivelmente, a análise de eventuais novos casos será feita por meio dos prontuários médicos dos pacientes. “É pouco provável que haja material biológico para ser testado em casos mais antigos”, acrescentou.
 
A peritos devem voltar à fábrica para nova fase de perícia na semana que vem. Em 28 de fevereiro, foi feito um teste de estanqueidade em tanques da empresa, com o objetivo de verificar se havia rachadura, furo, trinca ou porosidade em alguma superfície. “Ingressou agora na força-tarefa o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear. Ele veio agregar tecnologia à polícia para a detecção de um eventual vazamento dos tanques. É um teste muito sensível, que não é suscetível a outros contaminantes”, disse Thales Bittencourt. O delegado Flávio Grossi, que também atua no caso, esclarece que o vazamento é uma das hipóteses a ser analisada para explicar a contaminação dos produtos, mas não é a principal.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) já constatou a presença das substâncias tóxicas monoetilenoglicol e dietilenoglicol em 53 lotes de cervejas da Backer. A fábrica está interditada desde 10 de janeiro. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de qualquer produto da marca com data de fabricação igual ou posterior a agosto de 2019.
 
A polícia também pediu exumação do corpo de outras duas possíveis vítimas da contaminação, cujos nomes não foram especificados. “Pedimos duas exumações à Justiça. O Poder Judiciário nos solicitou mais explicações técnicas sobre a necessidade dessas exumações, o que deve ser feito nos próximos dias”, afirmou Grossi. “E é importante ressaltar que para todas as vítimas, sejam casos fatais ou não, a análise do prontuário médico é uma base fundamental para entender se houve intoxicação”, concluiu. Ainda não há prazo para conclusão do inquérito.
 
Questionada sobre as apurações, a Backer informou que “segue colaborando integralmente com as investigações e reforça que jamais utilizou dietilenoglicol em seu processo de produção, e que conta com as autoridades para entender o que de fato aconteceu”. 

'Não quero humanidade da Backer; quero justiça'


Déborah Lima e Gabriel Ronan

“Meu esporte agora é dar um passo.” Esse se tornou o lema do professor de psicologia Cristiano Mauro Assis Gomes, de 47 anos, uma das vítimas internadas após consumir produtos da Cervejaria Backer, que retornou para casa ontem, depois de 74 dias internado no Hospital Biocor, em Nova Lima, na Grande BH. Ele foi recepcionado na casa da mãe, no Bairro Buritis, Oeste de BH, em um clima que misturava comemoração, em razão do triunfo contra a síndrome nefroneural, e revolta, diante da falta de assistência da empresa de bebidas que já foi sinônimo de qualidade para a família.
 
“Ele não tem expressão facial, mas está muito feliz por dentro”, garantiu Isabella, filha de Cristiano. Os dois e a esposa dele, Flávia Schayer, concederam entrevista coletiva ontem cercados de cartazes com mensagens de apoio. As frases grafadas sobre cartolina têm como autores a equipe médica do Biocor e familiares de Cristiano – verdadeiros soldados do professor da UFMG durante a batalha contra a doença. Praticamente sem movimentos no rosto, ele chegou a pesar 120 quilos no hospital, devido aos danos provocados aos rins pelo dietilenoglicol, a substância química encontrada em dezenas de lotes da Backer.
 
O rótulo mais comprometido é justamente o que foi mais consumido por Cristiano Mauro Assis Gomes: a Belorizontina. “Vou fazer hemodiálise três vezes por semana. O sentimento ainda é de estranheza. Até 19 de dezembro, eu era professor e tinha uma rotina muito intensa. Por volta do dia 26, o desafio era respirar sem uma dor terrível”, lamenta a vítima.
 
Cobranças à Backer, que também resultaram em ações do Ministério Público acatadas pela Justiça, fazem parte das palavras da família de Cristiano. “Não quero humanidade da empresa, apenas justiça”, ressalta o professor. “A Paula (Lebbos, uma das sócias da cervejaria) fala muita inverdade. Éramos clientes e nos tornamos vítimas. Nunca houve assistência. O juiz mandou pagar, mas eles entram com recurso e não pagam. Não tem nada a ver com bens bloqueados”, crítica Flavia Schayer, mulher de Cristiano.
 
Se o alívio diante da alta hospitalar e a desaprovação frente à postura da Backer marcam os sentimentos da família, o drama vivido por Cristiano permanece vívido na cabeça das pessoas próximas ao professor. “Pensei que seria melhor morrer. A dor é terrível. É insuportável. Eu não desejo para ninguém da empresa o que eu passei”, afirma a vítima, que também pediu mais rigor com o padrão de qualidade das empresas.
 
“Quando fiquei sabendo que era a cerveja, pensei: 'isso é o Brasil'. Depois, a segunda sensação foi de que precisamos mudar este país. Empresários insensíveis que só pensam em lucro... Precisamos fazer uma crítica. Como estamos agindo no capitalismo? Precisamos de ética. Os exemplos são péssimos”, diz.
 
HISTÓRICO Cristiano afirma que consumiu cerveja de cerca de 30 garrafas da Belorizontina ao longo do mês de dezembro. Em 30 de novembro, ele já havia consumido sete em uma festa em um sítio de amigos, e passou mal. Depois disso, bebeu cerca de uma por noite no mês seguinte. Em 21 de dezembro, consumiu o conteúdo de aproximadamente cinco garrafas e não se sentiu bem nos dias seguintes.
 
Na antevéspera do Natal, Cristiano foi internado no Hospital Biocor. A hemodiálise começou justamente no dia 25, quando inúmeras outras famílias comemoravam. Quatro dias depois, o drama dos parentes aumentou, quando o professor deu entrada no CTI, onde permaneceu por 44 dias. Os sintomas neurológicos tiveram início em 1º de janeiro.
 
Sobre as cobranças de assistência para as vítimas, a Backer tem informado que enfrenta dificuldades para pagar contas básicas, como água, energia e salário dos funcionários. A empresa também disse, na quinta-feira, por meio de nota, estar de “pés e mãos amarradas” devido ao bloqueio dos bens. “Pouco ou quase nada podemos fazer neste momento”, sustentou.

tribunal Porém, na quinta-feira o Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu à cervejaria 48 horas para comprovar que estava cumprindo decisão de 17 de fevereiro, que determina, entre outras medidas, que a cervejaria custeie todas as despesas médicas de vítimas não cobertas por plano de saúde.
 
De acordo com a decisão, devem ser bloqueados “tantos bens quantos bastem à garantia de eventual e futura reparação” aos consumidores atingidos pela intoxicação com bebidas da marca Backer, até o limite R$ 100 milhões. O juiz da 23ª Vara Cível determinou que a empresa deveria “no prazo de 72 horas”, sob pena de multa diária de R$ 1 mil para cada vítima ou familiar desassistido, “custear os procedimentos médicos não cobertos pelos planos de saúde, incluindo a aquisição de medicamentos, conforme prescrição médica”.



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