Jornal Estado de Minas

Povoado foi abandonado entre barragem crítica e contenção de rejeitos em Barão de Cocais

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Barão de Cocais – O que para 32 mil pessoas pode ser a salvação tornou-se quase uma sentença de exílio para 400 desalojados pela situação crítica de instabilidade da Barragem Sul Superior, operada pela mineradora Vale em Barão de Cocais, na Região Central do estado. Há um ano – desde 8 de fevereiro – a estrutura instável ameaça se romper e despejar parte de seus 6 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro (metade de Brumadinho) em bairros e no Centro de Barão de Cocais. Para deter essa avalanche, a Vale concluiu neste ano a construção de uma barreira de concreto e aço no vale do Rio São João. Isso trouxe alívio para a área urbana da cidade histórica, mas praticamente condenou o povoado de Socorro, que ficou preso no vale do rio, entre a barragem e a barreira, sendo fatalmente riscado do mapa em caso de uma ruptura do reservatório da Vale.





Veja a situação em Barão de Cocais:

 
Ao lado das barragens B3/B4 (Macacos), Forquilha I e III (Ouro Preto), Sul Superior é uma das quatro estruturas desse tipo que a Vale tenta estabilizar, mas que podem ruir, de acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM). No dia 21, a agência informou, por meio de relatório de seu gerente de segurança de barragens de mineração, Luiz Paniago Neves, em audiência na Justiça Federal, que a situação dos barramentos se degradou após um ano, mesmo com as intervenções que a mineradora vem fazendo, e que, caso atitudes mais efetivas não sejam tomadas, esses reservatórios poderão se romper.

A reportagem do Estado de Minas vasculhou a zona rural de Barão de Cocais até encontrar a barreira gigante, de 36 metros de altura e 330 metros de comprimento. Um gigante de degraus cor de concreto dominando um cenário pacato de fazendas, plantações de eucaliptos, casas abandonadas e mata. Operário, caminhões, tratores e um guindaste ainda atuam na estrutura, mas a barreira principal está pronta. Na parte inferior, por um duto, as águas do Rio São João escoam sob a muralha de concreto e aço, podendo ser represadas em caso de um rompimento.
 
 
 
 

“Queria era uma casa definitiva para minha família ter sossego’’ 

Eva de Fátima dos Santos Almeida, dona de casa 
 
Mas é do lado oposto ao fluxo do rio que passa no Centro de Barão de Cocais que fica o povoado de Socorro, a 1,5 quilômetro, com mais de 300 anos de história e nenhum habitante mais. As 160 famílias que poderiam ser soterradas pelos rejeitos em caso de rompimento foram removidas em maio pela Vale e agora vivem em moradias provisórias providenciadas pela mineradora. O mato cresce alto no vilarejo, tomando conta dos quintais, jardins e pastos. A comunidade tem uma avenida só, ao longo do rio, onde se adensam a maior parte das casas e a singela Igreja de Nossa Senhora do Socorro com sua pequenina torre e sino.





Um rompimento transformaria a área do povoado de Socorro num lago de lama e rejeitos de 95 hectares, uma área superior à de três parques municipais Fazenda Lagoa do Nado, no Bairro Itapuã, na Pampulha, o terceiro maior de Belo Horizonte, com 30 hectares. A única esperança de retorno para as 160 famílias removidas de Socorro é que a Vale consiga estabilizar a barragem e desativá-la, num longo processo de descomissionamento e reintegração apenas possível quando a estrutura não ameaçar se romper mais.

Há quem se apegue a essa esperança de retorno, como a faxineira Maria das Dores Santos, de 38 anos, mãe de três filhos e que teve de sair às pressas de Socorro com o marido e a família. Agora, todos moram num apartamento pequeno próximo ao Fórum de Barão de Cocais, no Centro Histórico. “Foi uma mudança muito grande, muito ruim. Sou nascida e criada lá em Socorro e tivemos de sair de repente, deixando tudo o que tínhamos para trás. Está tudo trancado lá dentro da minha casa. O que tenho aqui veio de doações e do que a Vale nos deu”, conta. Ela se considera uma atingida virtual. “Somos vítimas de uma barragem que não se rompeu, mas nos tirou de casa”, compara. “Queria que a barragem fosse retirada para a gente poder voltar pra casa”, disse.

Vizinha dela, a dona de casa Eva de Fátima dos Santos Almeida, de 35, está no apartamento providenciado pela Vale com o marido e uma filha de 15 anos. Ela diz não gostar do lugar, mas não tem mais esperanças de regressar ao povoado de Socorro. “Socorro ficou para trás. Acho que não vamos voltar nunca mais. Queria, então, era uma casa para minha família ter sossego. Não quero ficar esperando por anos para resolver isso”, afirma a dona de casa. No local onde está, segundo ela, não dá para ficar pois, é muito diferente da vida que levava. “Apartamento é tudo pequeno, sem espaço. Lá tinha quintal, uma hortinha, ouvia os passarinhos e o rio correndo. Aqui é só barulho de carros e motos buzinando. Um inferno”, considera.




 
 
Vista de Socorro, esvaziado há um ano e isolado por muro
 
Efeitos sobre o turismo

A construção da contenção em Barão de Cocais, segundo a Vale, visa “minimizar os impactos às comunidades e ao meio ambiente” em caso de um rompimento. A Barragem Sul Superior foi construída para reter os rejeitos da extração mineral da Mina de Gongo Soco e utiliza o método de alteamento a montante, que é o mais barato e perigoso, com cada elevação feita ao longo dos anos se debruçando sobre os rejeitos no sentido contrário ao fluxo de minério e água. Essa estrutura também está nos planos de descomissionamento e reintegração à natureza de barragens desse método construtivo. Segundo a Vale, quando uma barragem se encontra em nível 3, a Agência Nacional de Mineração (ANM) preconiza que a população na Zona de Autossalvamento (ZAS) deve ser removida e só retornar caso o maciço seja estabilizado ou então após as obras de descomissionamento e reintegração da estrutura à natureza.

Mesmo com a barreira, o medo não tem animado turistas a conhecer um dos mais charmosos municípios históricos de Minas Gerais, cortado pela ferrovia Vitória a Minas. De acordo com comerciantes, o carnaval teve apenas uma pequena queda de público graças ao apoio da Vale à prefeitura, mas há um ano os prejuízos são sentidos pelos restaurantes e hotéis vazios.

“Não estamos conseguindo vender nem para o café. Tem expositores que deixaram suas obras aqui há um ano e não venderam nem uma peça. Outros, preferiram dar de presente de Natal”, afirma a voluntária da Casa do Artesão de Barão de Cocais, Shirley de Fátima. A casa onde fica a associação costumava ser cheia, com muitos turistas buscando suvenires e peças locais produzidas por mais de 50 artesãos. Agora, as bonecas de pano, balaios de madeira e peças decorativas estão empoeirados, sem ninguém para os admirar. “Um tanto de gente já foi embora. Minha irmã mesmo voltou para São Paulo. Acho que vou fazer o mesmo, porque o turismo aqui não parece que vai voltar enquanto a novela da barragem não acabar definitivamente. Ninguém vai ser bobo de arriscar sua vida confiando que o muro (contenção) que a Vale construiu conseguirá segurar o rejeito se a barragem estourar”, disse.

Recepcionista há quatro anos em um dos hotéis mais tradicionais da cidade, Jaqueline Pádua conta que há um ano as reservas caíram drasticamente, mas confia numa melhora. “Depende muito das informações. Quando sai que tem um problema na barragem, os hóspedes ligam cancelando. Quando isso passa, voltam a nos procurar. Tem gente que vai embora mesmo antes do término da sua estada quando descobre que há possibilidade de a barragem se romper e inundar o Centro Histórico”, afirma.