Jornal Estado de Minas

Entenda a polêmica sobre a demolição do 'puxadinho' do Iate Tênis Clube



Pela primeira vez desde o início da polêmica em torno do anexo do Iate Tênis Clube, que destoa do projeto original do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) para o conjunto arquitetônico da Pampulha, a Prefeitura de Belo Horizonte se posiciona judicialmente pela “imediata demolição” do que se tornou conhecido como “puxadinho”. Mais que isso, a administração municipal requer da 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal o bloqueio de R$ 500 mil das contas do clube para viabilizar a operação. A Procuradoria-Geral do Município pede ainda liminar para retomar a parte do imóvel em que foi erguido o anexo, com fixação de seis meses para desocupação da área considerada invadida.





A medida sinaliza com um posicionamento mais incisivo do município no sentido de retirar da paisagem do complexo a construção erguida à revelia dos traços de Niemeyer, que impede a vista do clube originalmente projetado pelo arquiteto a partir da Igreja de São Francisco de Assis. O puxadinho já foi apresentado também como uma das ameaças ao reconhecimento, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência a Cultura (Unesco) do Conjunto Moderno da Pampulha como patrimônio da humanidade. Recentemente, na véspera da reabertura da igrejinha da Pampulha restaurada, o prefeito Alexandre Kalil já havia defendido publicamente a demolição do anexo. Posteriormente, a pedido do Ministério Público, a Justiça deu prazo para que o clube e o município apresentassem o plano de demolição.


Mesmo com a decisão judicial, o desabafo do prefeito e a orientação da Unesco, o Iate mantém intocável o anexo considerado irregular pelas autoridades, como se fosse um “corpo estranho” ao projeto original. No dia 24, venceu o prazo de um mês, dado pela Justiça, para que a prefeitura e a direção do clube apresentassem o projeto técnico para derrubar o anexo com área de 4 mil metros, erguido entre 1977 e 1984.

Em 4 de setembro, conforme divulgou o Estado de Minas, o promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico da comarca, Júlio César Luciano, ajuizou ação contra o clube particular e a prefeitura, pedindo a demolição do anexo, obra “feita sem autorização e alvará”, onde funcionam academia de ginástica, estacionamento e salão de eventos. O pedido foi deferido pelo juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal, Wauner Batista Ferreira Machado. Um mês depois, na reabertura da Igreja São Francisco de Assis, o prefeito Alexandre Kalil foi veemente ao afirmar que o anexo tinha que ser “derrubado”, em consonância com parecer da Unesco, que, em 2016, indicava o mesmo ao Itamaraty, à PBH e à Fundação Municipal de Cultura.





Demolição imediata


Em nota divulgada ontem, a prefeitura, por meio da Procuradoria-Geral do Município, informou ter enviado, na quarta-feira passada, manifestação à Justiça defendendo a imediata demolição da estrutura, o bloqueio de R$ 500 mil e a reintegração de posse da parte do imóvel em que foi erguido o puxadinho. “O objetivo é pôr fim à violação do patrimônio cultural da cidade – que perdura há décadas –, comprovada por meio de três ilegalidades graves na construção do anexo do Iate Tênis Clube. A primeira é que o anexo obstruiu a visão da Igrejinha da Pampulha, bem tombado desde 1947; a segunda, se refere ao fato que foi desrespeitada a servidão administrativa imposta no edital de alienação, que impedia a descaracterização arquitetônica do clube; e a terceira é que a houve invasão de área pública municipal.”


Conforme os técnicos municipais, “foi realizada uma reconstrução histórica demonstrando que 'a curva do espelho d’água em que está situado o Iate foi idealizada por Oscar Niemeyer como ponto de observação privilegiado da vista frontal da igrejinha da Pampulha' e que a construção do anexo obstruiu, sem autorização do poder público, a visada do monumento moderno previamente tombado. Isso impede que a população de BH, ao transitar pela orla da Lagoa da Pampulha, contemple a vista da fachada frontal do principal símbolo da cidade”.

A Procuradoria-Geral do Município também apurou que “o edital de alienação do bem imóvel à iniciativa privada continha expressa vedação de descaraterização do estilo arquitetônico do clube e que o prédio do anexo tem estilo arquitetônico absolutamente desconexo com os monumentos entregues por Oscar Niemeyer, o que também torna a construção ilegal”. “Com o uso de moderna tecnologia de análise topográfica com imagens de satélite, a procuradoria confirmou que o Iate Tênis Clube invadiu e aterrou parte do espelho d’água da Lagoa da Pampulha, de propriedade pública, para construir o anexo”, informa a prefeitura.





'Sem diálogo'


Queixando-se de que não há diálogo com o município sobre a questão, o presidente do Iate, José Carlos Paranhos, informa que já recorreu da decisão que manda demolir o clube. “Já procuramos inúmeras vezes a prefeitura, para marcar um encontro com o prefeito e tratar do assunto, mas até hoje não conseguimos. Estão dizendo que invadimos terreno e não é verdade, pois temos toda a documentação. Se a PBH acha o contrário, então que prove. Da mesma forma, nunca houve impedimento para construirmos”, disse Paranhos, adiantando que, caso o município consiga liminar, vai recorrer da decisão. O presidente do clube disse desconhecer o pedido de bloqueio de R$ 500 mil. “Vou esperar a notificação a respeito”, afirmou.

A PBH informou também que “por se tratar (o clube) de bem tombado, é necessário projeto específico de demolição, bem como aprovações nos órgãos de patrimônio municipal, estadual e federal”. Além disso, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) prepara licitação para contratação do projeto e laudos necessários para a demolição, enquanto os órgãos de proteção do patrimônio devem apresentar diretrizes para o projeto. De acordo com informações do Fórum Lafayette, a manifestação da prefeitura, protocolada na quarta-feira, está anexada ao processo em tramitação e não teve ainda decisão.

A polêmica sob vários ângulos


Para entender melhor essa batalha que já dura anos, o melhor mesmo é visitar a Igreja São Francisco de Assis e, de frente para o espelho d'água, olhar para o lado direito. Conforme os especialistas, o projeto de Niemeyer previa ser possível avistar a construção em forma “de um barco ancorado” projetada por Niemeyer. Hoje, a visão é do anexo. Já do lado do Museu de Arte da Pampulha (MAP) fica mais fácil contemplar o prédio histórico tombado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e reconhecido, há três anos e quatro meses, como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.





Na visita ao interior do clube, é possível ver o mastro da embarcação e a caldeira. Ao caminhar pelo jardins, logo perto da entrada, o visitante vai encontrar um busto de Juscelino Kubitschek (1902-1976), que era prefeito de BH quando o Iate foi construído. Na peça de bronze há uma frase de JK: “A Pampulha veio como uma rima sonora, da beleza e harmonia ao poema da cidade”. Outra marca registrada do clube está na cobertura em forma de “asa de borboleta em pleno voo”, conforme relatou ao EM o coordenador técnico do dossiê apresentado à Unesco, arquiteto Flávio Carsalade.

Em seu livro Pampulha, da série BH – A cidade de cada um, Carsalade escreveu: “O Iate fora construído para aproveitar as novidades náuticas que aqui se abriam; afinal, remar no Parque Municipal não era exatamente o máximo em esportes náuticos. A ideia para o Yatch Golf Club (primeiro nome) era aproveitar a lagoa para esse tipo de esporte. O primeiro andar fora projetado com essa finalidade e o segundo andar, para festas”.

Os argumentos do município


1 - O anexo obstruiu a visão da igrejinha da Pampulha, tombada desde 1947. Isso impede que a população, da orla da lagoa da Pampulha, contemple a fachada do símbolo da cidade

2 - Foi desrespeitada a exigência do edital que transferiu o clube à iniciativa privada, o qual  impedia a descaracterização arquitetônica das estruturas do Iate

3 - Análise com imagens de satélite demonstraria que o Iate aterrou parte do espelho d’água da Lagoa, propriedade pública do município, para erguer o anexo




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