Jornal Estado de Minas

Quem dá menos? Testamos o app russo que faz 'leilão' para transportar clientes

(foto: Arte EM)

As regras para regulamentar os aplicativos de transporte na capital mineira nem foram publicadas pela prefeitura de Belo Horizonte e o mercado inaugurado por empresas como Uber, 99 e Cabify assiste a mudanças em seu esquema de funcionamento e à chegada de mais um concorrente que pode abalar a lógica do sistema. Está em teste em BH novo app em que é o passageiro quem define o valor da corrida. O InDriver funciona como um leilão: o usuário faz a oferta de tarifa (veja quadro) e o motorista decide se aceita ou faz uma contraproposta. Condutores privados e taxistas temem que plataforma leve à baixa dos preços e ao sucateamento do setor. A empresa responsável argumenta que menor taxa de administração em relação aos concorrentes permite valor mais barato. A reportagem do Estado de Minas embarcou no aplicativo e identificou  uma falha de segurança, com a exposição dos dados de usuários.


De origem russa, o novo aplicativo, chamado InDriver, já presente em 300 cidades de 26 países, desembarcou no Brasil em novembro e está operando em 24 municípios. Na capital mineira, entrou em fase de testes neste mês, com cerca de 5 mil motoristas cadastrados. É o passageiro quem oferece quanto pagar pelo trajeto. Depois que o cliente faz o lance, os motoristas analisam se aceitam atendê-lo ou não. O condutor tem a opção de apresentar outro valor, definido pela própria plataforma, que aceita somente pagamentos em dinheiro ou cartão de débito.

A reportagem testou o novo aplicativo e conseguiu fazer uma viagem de dois quilômetros, na Região Centro-Sul de BH, pelo mínimo admitido pela plataforma, R$ 5, bem próximo do valor da tarifa de ônibus, de R$ 4,50. Não há uma regularidade no quesito preço e nem sempre a viagem sai mais barata do que pelos demais aplicativos. Os valores dependem, além da negociação entre passageiro e motorista, da média de preço cobrada por outras plataformas.

Numa outra viagem com a mesma distância, o InDriver só admitiu ofertas a partir de R$ 7, informando que outros aplicativos estavam cobrando, em média, R$ 8. Na consulta a outras plataformas feita pela reportagem, porém, o mesmo trecho poderia ser feito por R$ 6,15. Mais tarde, a equipe do EM voltou a oferecer R$ 5 por uma corrida de dois quilômetros na Região Centro-Sul da capital e obteve a contraproposta de R$ 6,50, embora inicialmente o aplicativo tenha sugerido pagar R$ 10 pelo trecho. À noite, houve bastante dificuldade de localizar motoristas, mesmo com o aumento dos valores cobrados.


“Vale a pena receber R$ 5, porque em outro aplicativo há cobrança de taxas e eu acabo ganhando os mesmos R$ 5, ou menos”, afirma o motorista Bruno Fernandes, que há dois anos trocou o volante dos ônibus pelos aplicativos. Mas ele teme uma desvalorização do mercado. “O que as pessoas querem é pagar mais barato que o Uber. Vamos ver o que vai acontecer depois que o InDriver começar a cobrar taxa dos motoristas”, diz.



Para o Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, o aplicativo sugeriu, às 15h de ontem, o valor de R$ 60 como pagamento para a corrida, partindo do Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul. A equipe do EM inseriu o valor de R$ 50 e sete motoristas aceitaram a proposta. Em outros aplicativos de transporte, o valor variava de R$ 64 a R$ 115, a depender do modelo do carro.

“Acho interessante essa opção de negociação, mas os usuários iniciam a corrida com o preço muito baixo”, afirma Fernando Perlizzi sobre a lógica do InDriver, que admite o cadastramento de motoristas privados e até de táxis. Perlizzi disse que não aceita viagens tão baratas, mas tem uma exceção. “Eu não faço Confins a R$ 60, a não ser que daqui a algumas horas tiver que buscar um cliente no aeroporto, para não ir de carro vazio”, diz.


Em um grupo de WhatsApp formado por motoristas de aplicativo, a discussão levanta o debate de que a plataforma seja opção também para pessoas que não trabalham profissionalmente na direção e que aceitem viagens baratas, como uma “carona remunerada”. “Se alguém que mora em Confins e arruma um serviço na Savassi de segunda a sexta consegue uma corrida dessa, que seja três vezes na semana, a R$ 50, R$ 45, já cobre a despesa do dia”, observa um dos condutores.

A diferença de preço, segundo a empresa, se justifica pela estratégia de atuação, que isenta condutores da cobrança das taxas de administração nos primeiros seis meses de lançamento do aplicativo na cidade. Com isso, inicialmente, motoristas recebem integralmente o valor da corrida.

“No momento, isentamos de comissão a maior parte das cidades brasileiras. Depois de um tempo, começamos a cobrar menos de 10%, em vez dos 20% a 30% dos concorrentes”, afirma o gerente de Relações Públicas para a América Latina da empresa, Eduardo Abud. Ele explica que a empresa trabalha com um preço mínimo, que tem como parâmetro os valores cobrados pelos demais apps. “Temos uma tarifa mínima que impede passageiros de oferecerem menos que isso, dependendo da cidade”, esclarece.



Pelo combustível


O motorista Átila Marlon Oliveira, de 37 anos, há três anos trabalhando no mercado de transporte privado, conta que usou duas vezes o InDriver, em casos muito específicos. “Uso eventualmente, se preciso voltar para casa, para salvar a gasolina. Para mim, não vale a pena, porque rodo no Uber Black. Para quem roda no Uber X (versão mais barata) pode compensar, dependendo da proposta. Enquanto não houver taxa, está interessante. Vamos ver como vai ficar”, afirma.

O receio dos taxistas é de que a nova tecnologia deteriore o mercado e comprometa a segurança do passageiro. “Ainda é muito recente, mas a priori não vemos com bons olhos esse leilão. Porque o motorista tem que tirar a gasolina, a manutenção do veículo... Quem aceita a corrida barata acaba pensando só no momento. Temo o sucateamento, por causa do custo muito barato”, afirma o diretor administrativo do Sindicato Intermunicipal dos Condutores Autônomos de Minas Gerais (Sincavir), João Paulo de Castro.

Regulamentação


A novidade que movimenta o mercado privado de transporte chega antes mesmo da regulamentação do setor na capital mineira. A Lei 11.185/2019, conhecida como a Lei dos Apps, foi sancionada pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD) em agosto, mas detalhes do decreto que vai definir sua aplicação ainda não foram definidas.


A principal alteração trazida pela lei que já está publicada é a exigência de um preço público que deverá ser pago à Prefeitura de Belo Horizonte pelas empresas que operam o serviço. O valor ainda será definido em decreto. É ele também quem vai definir um dos pontos que se revelaram mais polêmicos durante a tramitação do projeto: a idade da frota. O prefeito antecipou que admitirá veículos com até sete anos na frota, estendendo a regra também para táxis, que hoje rodam por até cinco anos.

Para acompanhar a regulamentação da lei, no último dia 16 Kalil instituiu comissão com a participação de dois representantes do Poder Executivo, um representante do sindicato dos taxistas, um representante de empresa de agenciamento de corridas de táxi e dois representantes dos motoristas de aplicativo. A BHTrans não informou quando as regras começaram a valer.

Usuário exposto


Ao testar o aplicativo InDriver, a equipe do EM foi alertada para uma falha de segurança na plataforma. Depois de encerrar a viagem, o motorista continuou tendo acesso aos dados do passageiros, incluindo o número de telefone. O condutor, que sabia tratar-se de uma viagem de teste para reportagem, enviou depois a seguinte mensagem: “Você fez uma corrida no InDriver comigo. Estava 'fuçando' o aplicativo e consegui ter acesso ao seu telefone. Acho que o motorista não deveria conseguir ter esse acesso. Espero que você não se incomode de ter te mandado esta mensagem”.