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Estado de Minas DESAFIO BIKE BH

Ciclistas sofrem 2,6 acidentes por dia em BH; veja as saídas propostas pela BHTrans

Falta de educação e diferença entre velocidades praticadas por bicicletas e veículos a motor elevam riscos para quem pedala em BH. Zonas 30 tentam equilibrar o jogo


17/09/2019 06:00 - atualizado 30/09/2019 11:21

A reportagem pedalou no tráfego da Via Expressa e outras áreas de Belo Horizonte e constatou a insegurança imposta pelo excesso de velocidade de outros veículos
A reportagem pedalou no tráfego da Via Expressa e outras áreas de Belo Horizonte e constatou a insegurança imposta pelo excesso de velocidade de outros veículos (foto: Fotos: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Se no quesito infraestrutura de ciclovias, conexões entre rotas exclusivas e estações de integração estruturadas para receber bicicletas Belo Horizonte ainda patina, o caminho para os ciclistas que acreditam nas bikes como meio de transporte capaz de criar uma mobilidade mais ativa passa pelo uso das magrelas em meio ao trânsito comum. E essa situação cria um cenário com duas vertentes distintas: por um lado, o ganho em relação ao trânsito cada vez mais espremido por uma frota de mais de 2 milhões de veículos na cidade é muito positivo, com distâncias que muitas vezes são percorridas mais rapidamente e de forma mais saudável do que em um transporte motorizado; por outro, ergue-se o desafio da segurança, que se impõe, principalmente, em forma de excesso de velocidade e da falta de educação dos motoristas veículos motorizados.



Apesar de o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) garantir a prioridade do ciclista na pista de rolamento, não é nada fácil percorrer caminhos onde circula o tráfego motorizado. A reportagem do EM também testou caminhos fora das ciclovias para entender quais são as principais dificuldades e comprovou que a diferença das velocidades praticadas entre carros, motos, ônibus e caminhões e as bicicletas cria um risco muito grande para quem pedala. E esse risco toma forma em números de atendimentos médicos na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a Prefeitura de BH, de janeiro de 2016 a dezembro de 2018 foram 2.889 atendimentos a ciclistas acidentados feitos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Isso significa uma média de 2,6 casos todos os dias nas ruas da cidade.

O principal destino desses ciclistas, principalmente os mais graves, que se transformam em pacientes, é o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII. No mesmo período, a unidade referência em trauma na América Latina recebeu 947 ciclistas, quase um por dia. O médico Marcelo Lopes Ribeiro, que é diretor assistencial da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), destaca que quanto mais alta é a velocidade, mais graves são as lesões provocadas em um ciclista. Ele defende que a educação para o trânsito deveria ser uma disciplina escolar. “Se tenho esse assunto na educação escolar, quando o aluno chegar aos 16 anos ele já vai saber tudo e isso melhoraria muito esse quadro”, afirma o médico, que também defende renovação de carteira com nova prova de legislação e novo exame para quem estoura o número de pontos na CNH.

A reportagem também encontrou exemplos de descuidos de ciclistas nas ruas da cidade. Muitas pessoas foram vistas pedalando sem capacete nos cinco dias, mas a grande maioria ocupava as ciclovias, que são áreas onde a interferência do trânsito é bem menor. Mesmo assim, o capacete é item fundamental, que pode salvar uma vida, segundo Marcelo Ribeiro. “Se a pessoa sofrer uma queda da própria altura ela pode sofrer um traumatismo cranioencefálico grave. Portanto, precisamos bater na tecla que o capacete é um divisor de águas”, acrescenta. Ainda segundo a Prefeitura de BH, contando todos os hospitais que atendem pela rede SUS em BH, nos três últimos anos fechados foram 1.427 internações de ciclistas acidentados na capital, o que custou R$ 2,5 milhões aos cofres públicos.

Se por um lado o trânsito se impõe como uma barreira com números e com a atitude de motoristas que não respeitam os ciclistas, por outro há alternativas para quem quer mudar o estilo de vida e tem interesse em um deslocamento com segurança em cima de uma bicicleta. O estudante Augusto Diniz de Ulhoa Cintra Schmidt, de 27 anos, pedala há cerca de sete como meio de transporte e acabou adotando a prática como estilo de vida. Ele sai de casa na área hospitalar todos os dias para o Câmpus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). São 9,5 quilômetros de pedaladas, que ele percorre em cerca de 30 minutos, muitas vezes um tempo menor do que os carros conseguem cumprir em virtude do trânsito. Um dos trunfos de Augusto na hora de garantir a própria segurança é usar rotas alternativas. “Só tive coragem de começar a ir à UFMG quando descobri que havia um caminho alternativo pelos bairros Floresta, Renascença e Cachoeirinha em que conseguia evitar grande parte do fluxo de carros, pegando apenas um pequeno trecho da Avenida Antônio Carlos e sem viadutos. É só dar uma pesquisada no Google Maps e pedir dicas aos amigos ciclistas que você encontra uma solução”, afirma ele.


Cidade de todos


O arquiteto Breno Bizinoto, que é um dos ciclistas que participou da elaboração do Plano de Mobilidade por Bicicleta de Belo Horizonte (PlanBici) destaca que a melhoria dessa relação entre ciclistas e o trânsito geral é o ponto mais importante de todos envolvendo as discussões sobre bicicletas. “Promover a ideia de que a cidade é de todos, e de que existe uma média de velocidade para que as partes não conflitem é algo vital para a evolução do tema. Por mais que a palavra ciclovia soe como um sonho, o termo faixa compartilhada me soa muito mais bonito”, afirma. 

Para Carlos Edward Campos, que é membro da Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte (BH em Ciclo), a evolução na convivência entre os diferentes modais no mesmo espaço chega a ter um peso maior do que construir ciclovias. “Para a cidade ser realmente ciclável, a gente precisa de que os outros modais de transporte entendam que a bicicleta é mais um ator do trânsito, que tem todo direito de ocupar aquele espaço e para ela fazê-lo com segurança a gente precisa educar os outros motoristas para respeitar a legislação, a ter uma distância adequada da bicicleta e, fundamentalmente, precisa reduzir a velocidade das vias”, afirma.



Três perguntas para...


Augusto Diniz de Ulhoa Cintra Schmidt
27 anos, estudante e ciclista

Por que você decidiu fazer trajetos para a faculdade de bicicleta?

Pedalo há cerca de sete anos como meio de transporte, que acabou se tornando para mim um estilo de vida. Além dos motivos práticos, como a economia de tempo e dinheiro, a flexibilidade e a praticidade, os benefícios para a cidade e o meio ambiente, pedalar torna o caminho prazeroso e muda nossa forma de nos relacionar e dialogar com a meio urbano. No início, fazia apenas trajetos mais curtos e aos poucos fui ganhando mais segurança, sendo que hoje me locomovo por todos os da minha casa, na área hospitalar, até o Câmpus Pampulha da UFMG. É um trajeto de 9,5 km que percorro em cerca de 30 minutos, sendo o modo mais eficiente e gostoso de chegar até lá.

Qual é a principal dificuldade que enfrenta? A alta velocidade do trânsito motorizado é o que representa mais risco?

O nosso maior obstáculo para pedalar em segurança é a cultura do automóvel, que infelizmente ainda predomina em muitas cidades. Muitos motoristas acham que são donos da rua e que o ciclista tem que se espremer no cantinho, sendo que na verdade, pelo CTB, é responsabilidade deles zelar pela segurança e dar preferência aos veículos mais vulneráveis. Hoje em dia me sinto mais inseguro principalmente em vias de alta velocidade e viadutos, mas não deixo de ocupar meu lugar e exercer meu direito por conta disso.

O que você acha que é necessário para que os ciclistas tenham mais espaço e menos risco? Consciência dos motoristas?

É preciso que os motoristas aprendam a compartilhar a rua e entender que sobre cada bicicleta há uma vida, que deve ser respeitada acima de tudo. Além disso, é essencial uma política pública integrada que coloque o ser humano, sua segurança e bem-estar, como eixo central do planejamento urbano, em vez de priorizar o transporte motorizado como é feito hoje.

Zona 30 em preparação na Rua Diamantina, na Lagoinha: traçados limitam a velocidade do tráfego a 30km/h
Zona 30 em preparação na Rua Diamantina, na Lagoinha: traçados limitam a velocidade do tráfego a 30km/h (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Limite para a boa convivência


O Plano de Mobilidade por Bicicleta de Belo Horizonte (PlanBici) traz cinco diretrizes principais, sendo que duas delas têm relação direta com a convivência entre bikes e o trânsito. “Assegurar o conforto e a segurança de quem pedala em Belo Horizonte” e “promover a mudança do comportamento dos motoristas perante a presença dos ciclistas no trânsito, através de campanhas educativas” são objetivos que, se cumpridos, trarão uma nova realidade nos deslocamentos da cidade.

E para chegar a esses objetivos, as ações previstas no plano passam pelas campanhas educativas e pela implantação de áreas de redução de velocidade, conhecidas como Zona 30. No primeiro caso, desde que o PlanBici foi construído ainda não foi desenvolvida nenhuma grande campanha educativa voltada exclusivamente às bicicletas.

Segundo a coordenadora de Sustentabilidade e Mobilidade da BHTrans, Eveline Trevisan, as bikes estiveram presentes em uma campanha maior sobre mobilidade, mas mais uma vez a crise econômica fechou a torneira dos recursos e por isso ainda não saiu do papel nenhuma grande ação exclusiva.
Segundo o site Planbici.org, que faz o monitoramento das ações do plano, no eixo Comunicação, Educação e Mobilização nenhuma das 15 ações que deveria estar concluída no 3º trimestre de 2019 está pronta. Até 2020 estão previstas 31 ações e a situação atual aponta seis em andamento e 25 não iniciadas.

Já no ponto de redução de velocidade, Eveline Trevisan sustenta que houve avanços com a implantação de exemplos da chamada Zona 30 na cidade. Segunda ela, criar uma Zona 30 não significa só reduzir a velocidade com a sinalização para 30km/h. “Para que a rua se transforme em uma área, de fato, segura é necessário estudá-la e propor soluções de redesenho para que a própria rua não induza às altas velocidades”, afirma. Dessa forma, uma série de medidas moderadoras de tráfego devem ser usadas, como alargamento das calçadas com destaque para área de pedestres, principalmente nas interseções, implantação de travessias elevadas e alterações na geometria da via, como seu estreitamento, redução dos raios de giro, implantação de rotatórias, dentre outras.

Nesse sentido, Eveline aponta que há avanços consideráveis não só físicos, com mudanças estruturais, mas também de mobilização da cidade. Entre os avanços físicos, ela aponta mudanças que já começaram a ser feitas na Rua Gonçalves Dias com a Avenida Brasil dentro do que a BHTrans considera de Zona 30 da Savassi, que ainda vai avançar pela Gonçalves Dias até a Avenida Afonso Pena, se conectando com a ciclovia da Rua Professor Moraes.

Outro exemplo é a área hospitalar, que ela considera o mais avançado. “Tem várias intercessões já implantadas. Ela não está considerada concluída, mas do ponto de vista do número de intercessões tratadas ela é a mais abrangente e a que mais avançou”, afirma. Todas as mudanças na região foram feitas para reduzir a velocidade para 30km/h, privilegiar o pedestre, diminuir as áreas de travessia nas intercessões. Avanço de calçadas nas esquinas, diminuição de área de travessia. “A gente está fazendo um projeto muito legal para a Ceará, que vai virar, inclusive, para a Francisco Sales tratando a travessia em frente à Santa Casa, que hoje é supercomplicada com o tempo muito baixo para o pedestre”, afirma.

Por fim, ela destaca a entrada das áreas de Zona 30 nos bairros. O primeiro bairro que recebeu de forma temporária foi a Rua Simão Tamm, no Bairro Cachoeirinha. A BHTrans já começou a implantação da estrutura definitiva e diz ter recebido retornos positivos da população sobre a nova realidade. O Bairro Confisco, na Região da Pampulha, também vai receber uma Zona 30 durante a Semana da Mobilidade e essa movimentação atraiu a organização do Circuito Urbano de Arte (Cura). A BHTrans foi procurada para fazer algo semelhante na Rua Diamantina, na Lagoinha, onde termina hoje a segunda edição do festival. O objetivo é transformar a via em uma nova Rua Sapucaí, como mirante para os novos painéis que serão pintados na Avenida Antônio Carlos.

“Esse é o nosso objetivo, que a cidade começasse a pedir que a gente implantasse esse tipo de intervenção. Desse jeito, você começa a gerar um movimento na cidade que é o amadurecimento que a gente espera que a cidade tenha. São as pessoas nos pedindo para que a gente implemente projeto dessa natureza. Para de ser a BHTrans brigando com a cidade dizendo que isso é necessário e a cidade compreendendo como esses projetos são benéficos”, completa Eveline Trevisan.

Mobilidade no pedal


Na primeira reportagem da série Desafio Bike BH, publicada no domingo, o Estado de Minas mostrou que parte dos 90 quilômetros de ciclovias da cidade se encontra em situação precária. Na edição de segunda-feira, o enfoque foi como a insegurança em bicicletários ou a ausência deles em estações de ônibus e metrô encarecem deslocamentos.



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