Jornal Estado de Minas

ÔNIBUS

Queda de braço sobre cobradores tende a levar reajuste das passagens de ônibus a impasse



A falta de consenso em torno da presença ou não de cobradores nos ônibus de Belo Horizonte aponta para a aproximação de um impasse sobre o futuro do preço das passagens, normalmente reajustado ao fim de cada ano. Faltando pouco mais de quatro meses para esse momento, de um lado, empresas que oferecem o serviço de transporte indicam que são favoráveis à diminuição cada vez maior dos chamados agentes de bordo, pontuando que, com índices de viagens pagas com o cartão em alta, o cobrador perde força. Essa questão foi reforçada ontem, durante lançamento de um novo aplicativo que permite recarga dos cartões BHBus pelo celular. Mas em outra ponta, a prefeitura tem batido de frente com essa posição em duas linhas distintas. A BHTrans continua autuando as empresas que não respeitam os horários em que a presença do agente de bordo é obrigatória, com 5.098 multas aplicadas em seis meses, média de mais de uma por hora na cidade, ligeiramente superior à média de 2018, quando o ano terminou com 9.379 autuações. Além disso, o prefeito Alexandre Kalil já afirmou que se as empresas não respeitarem esses horários, não haverá aumento em dezembro.



Pelo menos dois pontos levantados pelas empresas de ônibus indicam discordância da necessidade de manter cobradores nos ônibus que não fazem parte do BRT/Move. Um deles é o horário. Por lei, a BHTrans só permite a saída do agente de bordo no horário noturno, a partir das 20h30 até as 5h59, definido pela comissão paritária e registrado em ata. Mas o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra/BH), Joel Paschoalin, disse que juridicamente o Setra entende que esse período noturno deveria se iniciar às 18h, mesmo sendo um horário de pico, quando o motorista fica sobrecarregado ao ter que dar atenção ao tráfego pesado e à cobrança de passagens. Segundo ele, como a maior parte das viagens é quitada pelo cartão, a figura do cobrador perde força. “Nosso entendimento é que a gente não gostaria de ter cobrador nos horários de grande uso de cartão. Temos hoje só 6% das linhas abaixo de 60% do uso do cartão. A grande maioria das linhas está com mais de 80%, tem caso de 90% e 95% de uso do cartão”, afirma.

Paschoalin também diz que as empresas não defendem a extinção total dos cobradores, reconhecendo que em alguns horários é necessário. Mas garante que os 500 agentes de bordo que tinham sido acordados com a prefeitura em dezembro do ano passado foram recontratados e que o investimento em tecnologia, incluindo o lançamento do novo aplicativo que permite a recarga do cartão pelo celular, é o caminho a ser percorrido pelo sistema de ônibus. “Fizemos compromisso com o prefeito dos 500 cobradores, a gente mandou inclusive carteira de trabalho e CPF desses cobradores (comprovando a readmissão). Agora, temos mais do que isso no sistema. Eu dou o exemplo do ascensorista. A gente não vê mais ascensorista. Então, a gente tem que enfrentar com inteligência a evolução tecnológica. A grande maioria dos nossos motoristas hoje é ex-cobrador. Hoje a gente tem fila nas empresas dos motoristas querendo ir para cobrar. Porque ganham 20% a mais no salário e isso dá em torno de R$ 500”, acrescenta.

Outro ponto de divergência entre empresas e BHTrans diz respeito a quais linhas integram o sistema BRT/Move, autorizado a rodar em qualquer horário sem cobradores. Ele entende que além das 25 linhas chamadas troncais, que saem das estações de integração para destinos como Centro, Savassi, hospitais e outros, outras 72 alimentadoras, que levam a população às estações, também integram o Move e por isso podem rodar sem cobradores. “No nosso entendimento, essas linhas não precisam de cobrador e a presença deles não faz sentido. A estação é justamente para integrar o passageiro e para isso ele precisa ter o cartão para que não pague a segunda passagem”, afirma Joel Paschoalin. No entanto, segundo a BHTrans, conforme a Lei 10.526, apenas as linhas troncais podem operar sem agente de bordo.



Pressão do prefeito


Enquanto isso, a BHTrans segue multando as empresas que desrespeitam a norma e tiram cobradores de linhas que não são do Move antes das 20h30 ou depois das 6h. Segundo a empresa que gerencia os transportes da cidade, as multas estão indo para a dívida ativa, o que significa que não estão sendo pagas. Mais do que a fiscalização da BHTrans, o próprio prefeito já disse que não vai autorizar aumento nos ônibus se as empresas não mantiverem cobradores em horários obrigatórios. Em 9 de agosto, o presidente da BHTrans, Célio Freitas, reforçou a posição. “A posição do prefeito Alexandre Kalil é de que não há qualquer possibilidade de aumento de tarifa no fim do ano se as empresas de ônibus não cumprirem a lei que obriga a operação com cobradores nos horários e dias estabelecidos. A BHTrans está cumprindo o papel dela de fiscalizar e multar já que população de Belo Horizonte não pode ficar prejudicada”, disse Freitas, na ocasião.

Eficiência do sistema


As empresas de ônibus também ponderam que para garantir um sistema mais eficiente de ônibus na cidade a principal intervenção está nas mãos da prefeitura. O investimento em corredores exclusivos poderia diminuir o tempo das viagens, principal demanda dos passageiros, segundo Joel Paschoalin. Ele também destaca que a entrada de mais 300 ônibus com ar-condicionado foi cumprida até o primeiro semestre e que mais 100 coletivos com essa opção entrarão na frota até dezembro. “Hoje, temos 99,46% de atendimento de viagens. De um sistema na cidade que não tem faixa exclusiva quase nenhuma, modéstia à parte, é excelente. Acho que o que está em nosso poder é colocar um veículo melhor, que estamos fazendo”, afirma.

Novo app


Ontem, o Consórcio das Operadoras do Transporte Coletivo de Passageiros por Ônibus de Belo Horizonte (Transfácil) lançou o aplicativo BHBUS%2b, programa gerenciado pelo consórcio, que traz a novidade da possibilidade da recarga do cartão BHBUS pelo celular, com o uso do cartão de crédito ou do boleto bancário. Antes, o serviço só estava disponível pelo website do Transfácil, mas apenas para uso de boletos. A mudança vai garantir a recarga em até duas horas, segundo o presidente do Transfácil, Renaldo Moura. Antes, o sistema levava até três dias para efetivar a transferência dos créditos. “Em até duas horas a gente se compromete em colocar isso no cartão BHBUS”, diz Moura. O programa também tem as funções de conferir o tempo que falta para o ônibus passar e a possibilidade de traçar rotas com o transporte público, o que já existia no app da BHTrans, SIU Mobile. Junto com o lançamento do novo app, o Transfácil inaugurou também um novo posicionamento, voltado à parte operacional dos ônibus. O consórcio se coloca como a empresa que cuida do serviço de ônibus em BH, enquanto o Setra passa a atuar mais nas relações institucionais com o poder público, como as discussões sobre tarifa e outros.


 

Pontos de discórdia


  • A BHTrans permite a circulação de ônibus sem cobradores das 20h30 às 5h59 ou em qualquer horário desde que o coletivo seja vinculado à frota do BRT/Move

  • Em 2018, foram aplicadas 9.379 autuações por descumprimento. No primeiro semestre de 2019 já são 5.098 autuações.

  • O prefeito garante que se não houver cumprimento desta norma não haverá reajuste das passagens no fim do ano.

  • As empresas rebatem dizendo que esse assunto ainda precisa ser melhor discutido, pois a norma tem problemas, como quais as linhas que são consideradas do BRT/Move e o horário considerado noturno.

  • O Setra entende que o horário noturno em que os cobradores deveriam ser liberados seria às 18h, pelo grande volume de pagamentos com cartão eletrônico