Jornal Estado de Minas

Por que um projeto para melhorar qualidade provocou falta de soros antiveneno no país

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Faltam soros contra picadas de cobra, de escorpiões e contra a exposição ao vírus da raiva em cidades espalhadas por todo o estado de Minas Gerais. A situação, que já parece séria, tende a se estender pelo menos até o fim do ano. Pior: já se arrasta há cerca de quatro anos. Ainda mais grave: ocorre em decorrência de uma medida que deveria melhorar a qualidade de produção das substâncias para atender à população brasileira.

O problema se arrasta desde 2015, quando o país começou a sofrer com a escassez de soros antibotrópicos (usado em acidentes com cobras como jararacas, jararacuçus, urutus-cruzeiro e caiçacas), antiescorpiônicos e antirrábicos. A situação é ainda mais grave na Região Norte de Minas, onde municípios se organizaram para acionar a Comissão Intergestora Bipartite (CIB), pedindo que apele ao Ministério da Saúde para que os estoques sejam regularizados.

A dificuldade começou quando os institutos Butantan (São Paulo) e Vital Brazil (Niterói-RJ), dois do quatro produtores de imunizantes espalhados pelo Brasil, entraram em reforma para se adequar a um conjunto de medidas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conhecido como Boas Práticas de Fabricação. Após a finalização das obras na estrutura localizada em São Paulo, foi a vez de outros dois centros passarem pelas adaptações: a Fundação Ezequiel Dias (Funed), situada no Bairro Gameleira, na Região Oeste de Belo Horizonte, e o Centro de Produção e Pesquisa de Imunobiológicos (CPPI), no Paraná. Ou seja, desde o fim de 2014, Minas Gerais e os outros 26 estados da federação não recebem regularmente os soros.

No caso da Funed, a unidade está em obras desde 2017. Segundo a administração, a fundação já passou por reestruturações físicas no prédio do Bloco 2 e por qualificações de áreas, equipamentos e sistemas relacionados à produção de soros.
Contudo, a modernização do sistema de pré-tratamento, geração, armazenamento e distribuição de água no padrão injetável ainda não está finalizado. A previsão é que as intervenções sejam concluídas ainda este ano. “Todas as reestruturações ocorridas na planta da Funed foram feitas com recursos próprios. A exceção foi o sistema de tratamento de água, custeado pelo Ministério da Saúde”, disse o presidente da fundação estadual, Maurício Abreu Santos.

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Da esperança à escassez


Todas as alterações pelas quais os institutos produtores de soros precisam passar estão previstas nas resoluções 16 e 17, ambas de 2010, publicadas pela Anvisa. Os documentos dispõem sobre o padrão de qualidade adequado para a fabricação de medicamentos de uso humano. “Esperamos até o final deste ano termos todas as nossas pendências concluídas, assim como nossa área certificada em Boas Práticas de Fabricação pelos órgãos reguladores, e a consequente retomada dos processos produtivos de soros”, afirma Maurício Abreu Santos.

A logística dos soros é simples: eles são produzidos nos centros de referência e repassados ao Ministério da Saúde. O órgão do governo federal repassa o material para o Instituto Nacional de Controle de Qualidade e Saúde (INCQS/Fiocruz), que aprova ou não o produto quanto ao padrão de qualidade.
Depois, os soros vão para as secretarias estaduais de Saúde. A quantidade para cada estado é definida de acordo com parâmetros técnicos, como o número de acidentes ocorridos e notificados no ano anterior. Cabe aos órgãos estaduais repassar as substâncias aos municípios. 

De acordo com números do governo do estado, Minas Gerais recebeu apenas 58% do quantitativo total de vacinas antirrábicas (preventivas, para vacinação animal) neste ano. Mesmo assim, a carga só chegou no mês de abril. Os 42% restantes deveriam ser repassados em julho, mas ainda não houve comunicado oficial do Ministério da Saúde sobre o repasse. Já em relação ao soro antirrábico, usado quando um paciente humano foi exposto ao vírus, nenhuma dose foi distribuída este ano.  Sobre os soros antibotrópicos e antiescorpiônicos, a Secretaria de Estado da Saúde informa que vem recebendo, desde o início das adequações dos centros produtores, em 2015, cerca de 80% do quantitativo necessário de ampolas ao ano.

Segundo a pasta, desde que os problemas com a Anvisa começaram, as regionais de saúde foram obrigadas a concentrar os soros em um menor número de unidades de saúde, a fim de possibilitar o atendimento adequado a um maior número de pessoas. Ou seja: os acidentes mais graves geralmente são atendidos nos municípios maiores, as chamadas cidades-polo, com hospitais mais bem estruturados.


'REPROGRAMAÇÕES'


Em nota, o Ministério da Saúde confirmou que a produção de soros não tem sido suficiente no país, mas culpou as “diversas reprogramações de entrega” da Funed e do Instituto Vital Brazil. O órgão informou que ampliou o contrato com o Instituto Butantan, que já concluiu as adequações de suas dependências, com objetivo de a estrutura paulista aumentar sua produção.
No entanto, as ampolas fabricadas pela unidade de São Paulo não foram suficientes para repor o que era anteriormente disponibilizado pelas estruturas em reforma.

Quanto ao soro antiofídico (antibotrópico), o Ministério da Saúde informou que 54.922 ampolas foram distribuídas no Brasil neste ano, sendo 5,1 mil para Minas Gerais. Segundo a pasta, a previsão é que a distribuição comece a ser normalizada, gradativamente, a partir do mês que vem. Os custos estimados para o ano giram em torno de R$ 11,1 milhões. Sobre os antiescorpiônicos, o governo federal atesta que 10,9 mil doses foram enviadas neste ano para os estados. A Saúde federal ressaltou que os casos leves representam 87% dos acidentes com escorpiões no Brasil. Nesses casos, não há necessidade de aplicação do antiveneno. Os investimentos do governo federal em 2019 se aproximam a R$ 2,3 milhões, segundo a pasta.

O caso mais crítico é das vacinas antirrábicas: nenhuma ampola foi distribuída para os estados neste ano. Segundo o Ministério da Saúde, o Instituto Butantan produziu 3 mil unidades, que já tiveram seus padrões de qualidade avaliados e liberados pela Fundação Oswaldo Cruz. Contudo, ainda não deixaram os estoques. A previsão é que a situação seja regularizada em setembro.
Em 2019, a pasta programou a distribuição de 20,7 mil ampolas aos estados, sendo 2,6 mil para Minas. São investidos R$ 2,9 milhões em verbas federais na produção.

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