Jornal Estado de Minas

De registro em posto de saúde a título de eleitor

Saiba como aproveitadores tentam fraudar auxílios pela tragédia de Brumadinho

Declarações de atendimento em posto foram falsificadas - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press

De olho no dinheiro das indenizações e auxílios pagos pela Vale aos atingidos pela tragédia do rompimento da Barragem 1 da Mina de Córrego do Feijão, Brumadinho vive uma onda de estelionatários e gente querendo lucrar com a situação. Depois de combater falsários que tentaram incluir “parentes” na lista de desaparecidos, o atual alvo da Polícia Civil são fraudadores de documentos usados para comprovar residência na cidade na ocasião da tragédia. Atrás do auxílio emergencial que garante um salário mínimo a todo morador, explodiu a quantidade de transferência e emplacamento de veículos no município – média de 300%. No próximo pleito, o resultado das eleições também vai surpreender, dado crescimento surpreendente do número de eleitores. Ao todo, 39 pessoas são investigadas por estelionato. Desde quinta-feira, 10 foram presas em flagrante.

Somente no mês passado, foram feitas 649 transferências de veículos e 290 emplacamentos de carros. No acumulado de março a maio, foram registradas 1.376 transferências – aumento de 48% em relação ao mesmo período do ano passado, quando houve 931.
Na comparação de maio de 2019 com o mesmo mês de 2018, houve explosão de 111% – 679 transferências contra 322. “O tráfego da cidade não comporta essa quantidade de carros. Terei de fazer uma ação de educação no trânsito”, avisa a delegada Ana Paula Gontijo.

A quantidade de pessoas que mudaram o título de eleitor para Brumadinho também chamou a atenção da polícia. Em março do ano passado, foram 113. No mesmo mês deste ano, período que coincidiu com o anúncio dos pagamentos, 329. “Faremos uma operação de limpeza, da mesma forma que fizemos com a lista de desaparecidos, o que propiciou retirar 40 nomes de pessoas que não existiam.
Os bombeiros estariam até hoje procurando por elas”, afirma a delegada.

Ontem, foi presa uma importante peça do que Ana Paula chama de “quebra-cabeça”: Carlos Luiz Geraldo, acusado de ser o falsário de documento de atendimento no posto de saúde usado para comprovar residência em Brumadinho. Pelo termo de ajuste preliminar (TAP), firmado em 20 de fevereiro entre a mineradora e os ministérios públicos Federal (MPF) e Estadual (MPMG), as defensorias públicas da União (DPU) e do estado (DPMG) e as advocacias gerais da União (AGU) e do estado (AGE), todo morador de Brumadino tem direito a um salário-mínimo por adulto, meio salário por adolescentes (12 a 17 anos) e um quarto por criança (abaixo de 12) durante um ano.

FRAUDE EM FAMÍLIA Para isso, devem comprovar que moravam na cidade em 25 de janeiro, data de rompimento da barragem, por meio de contas de água e luz ou da declaração do posto de saúde, cujas equipes do programa saúda da família (PSF) visitam a população de casa em casa. Para se aproveitar do benefício, uma família inteira recebeu, de forma fraudulenta, pelo menos R$ 40 mil. Todos são moradores de Sarzedo e falsificaram as declarações do PSF. A quadrilha fraudou a assinatura da enfermeira e o carimbo usado no posto, incluindo as falhas dele (três letras que não aparecem mais). De acordo com Ana Paula, não há indícios de participação de profissionais da unidade de saúde no esquema.

O esquema teria começado por Ana Cláudia Augusta Gonçalves Batista, de 31 anos.
Ela é moradora de Brumadinho e tem direito ao recebimento das indenizações. Porém, fez uma declaração afirmando que o namorado, Agnaldo Teixeira dos Santos, de 44, morava com ela, o que não era verdade. A partir daí, a fraude se estendeu a familiares dele. Além de Ana Cláudia, mais seis pessoas foram presas na quinta-feira. São elas: Nerça Teixeira dos Santos, de 37; Wilson Basílio Nicácio, de 31; Ermelino Franklin dos Santos, de 48; Vânia Aparecida Teixeira dos Santos, de 40; de Romero Teixeira dos Santos, 42.
Agnaldo, Nérça, Romero e Vânia, são irmãos. Um quinto irmão, Milton Teixeira dos Santos, ainda não localizado, também é suspeito de se beneficiar com pelo menos R$ 6 mil da fraude. Eles são irmãos de um vereador de Sarzedo – a polícia não tem indícios da participação dele no esquema. Segundo as investigações, Nerça lucrou R$ 12 mil, pois declarou ainda os três filhos. Wilson, que é marido dela, recebeu R$ 5mil. Já Ermelino, que é casado com Vânia, ganhou R$ 5 mil, e a companheira, R$ 8 mil, por ter um filho adolescente.
Já Romero e Agnaldo, receberam R$ 5 mil cada um. Cada um pagou entre R$ 500 a R$ 700 pelo documento falsificado.

Ontem, além do homem acusado de ser o falsário, um casal também foi preso suspeito de comprar o documento: Paulo César Ribeiro e Elenice Rosa Leal Ribeiro, cujas idades não foram divulgadas. Eles pagaram R$ 4 mil a Carlos Luiz que, por sua vez, repassou R$ 2 mil a Ana Cláudia. “Isso nos leva a crer que ela pode ser a mentora desse esquema”, declarou a delegada. Ana Cláudia vai responder por estelionato, falsidade ideológica e formação de quadrilha. O restante será indiciado por estelionato e formação de quadrilha.

Ao todo, 21 pessoas já foram presas em flagrante e a polícia acredita que mais suspeitos serão detidos. “Muita gente que transferiu carro ou título de eleitor para a cidade em março, ao perceber que não teria sucesso ou ser recusado pela Vale, pois o comprovante tem que ser de janeiro, encontraram na declaração do posto de saúde um meio de provar o vínculo com a cidade”, diz Ana Paula Gontijo.

A delegada faz um alerta para os golpistas.
“O crime de estelionato prescreve em 12 anos, então, temos muito tempo para poder achar essas pessoas e apurar estes crimes. Enquanto a pessoa fizer o uso do benefício, ela está sujeita a prisão em flagrante. O que eu aconselho é cancelar esse benefício para evitar a prisão em flagrante e reduzir a pena, que é de até cinco anos de prisão.”

MP quer bloqueio de R$ 20 mi 

O descumprimento de medidas de segurança e de acordos judiciais motivou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a solicitar o bloqueio de R$ 20 milhões da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), responsável pela Barragem Casa de Pedra, em Congonhas, na Região Central de Minas. A Promotoria de Justiça de Defesa da Criança e do Adolescente da cidade informou que a medida visa a garantir a reforma e o aluguel de imóveis que receberão uma creche e uma escola desativadas devido ao risco do rompimento do reservatório. 

De acordo com o MPMG, o pedido de bloqueio foi motivado por mais um descumprimento de regras pela empresa. A mineradora, segundo o órgão, sofreu autuações ambientais do governo estadual. “A CSN teria descumprido algumas medidas que deveriam ter sido adotadas, como a apresentação de informações referentes à segurança de barragens e ainda não teria feito o cadastro de barragem. Em razão disso, a CSN teria sido multada”, apontou o promotor Vinícius Alcântara Galvão.
O promotor ressalta, ainda, que outras decisões judiciais estão sendo descumpridas pela empresa, como a liminar conseguida pelo órgão, que obrigava a mineradora a arcar com os custos de transporte e aluguel de imóveis para a continuidade das atividades escolares das unidades desativadas.

“A requerida, como se vê explicitamente nos autos, não tem cumprido a decisão liminar – de caráter urgentíssimo – sobre as adequações de imóvel, e pagamento de aluguel de uma creche, em substituição a que foi desativada”, afirmou o promotor. “É preciso ressaltar que 130 crianças, com idade até 3 anos e 11 meses, estão privadas – em decorrência da inação da CSN – de um serviço público essencial e que afeta dramaticamente a qualidade de vida dos moradores dos bairros Cristo Rei e Residencial Gualter Monteiro”, completou.

O aluguel de creches foi solicitado em abril para que crianças que vivem nos dois bairros possam ser atendidas em segurança. As localidades seriam as primeiras atingidas em caso de rompimento da represa, que contém 21 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A Barragem Casa de Pedra fica praticamente dentro da cidade. A estrutura está a 250 metros de casas e a 2,5 quilômetros do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, patrimônio cultural da humanidade. A estrutura tem o método de construção a jusante.

Além do bloqueio, o promotor solicita que a prefeitura seja oficiada, para apresentar cronograma financeiro da obra. Pediu, ainda, que seja repassado ao município tanto o dinheiro da obra quanto o valor destinado às indenizações. (João Henrique do Vale)

Volta para casa


A mineradora Vale confirmou, ontem, o retorno de 49 moradores para suas casas em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Eles tiveram que sair de suas residências de suas residências devido aos riscos envolvendo a Barragem Vargem Grande, em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A estrutura entrou no nível 2 (anomalias não controladas) da escala de risco em 20 fevereiro, quando a mineradora acionou o Plano de Ação de Emergência de Barragens (PAEBM) da represa, e recuou para o nível 1, em junho. A mineradora disse que tomou uma série de medidas para que o risco fosse reduzido, o que permitiu o retorno.
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