Jornal Estado de Minas

Por que o Triângulo Mineiro virou alvo da cobiça de quadrilhas interestaduais


 
Alvo de pelo menos 11 ataques de assaltantes de bancos desde o início da década, as cidades-polo de Uberlândia e Uberaba são o centro financeiro de uma região próspera, que se tornou alvo da cobiça e da violência de quadrilhas de assaltantes interestaduais. Grupos como o do interior paulista – que teve presos 10 dos cerca de ladrões 25 que nessa quinta-feira (27) sitiaram Uberaba com armas de guerra, deixando três feridos e fazendo sete reféns durante a fuga – são atraídos para o Triângulo Mineiro por uma série de fatores estruturais destacados pela polícia.
 
Para as autoridades que investigam os crimes entre estados e os bandos do chamado Novo Cangaço, como ficou conhecida a modalidade, a proximidade com as divisas de São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul, aliada a uma área rural cortada por uma intrincada malha de caminhos vicinais, rodovias em bom estado e muita riqueza disponível tornaram a região um tesouro que criminosos tentam pilhar.
 
A última ofensiva nesse sentido envolveu uma quadrilha conhecida por esse tipo de ação, que envolve ataques coordenados a cidades do interior, e que tinha componentes de Campinas, Indaiatuba, Jundiaí e Santa Bárbara do Oeste. Presos, alguns de seus integrantes podem inclusive ser transferidos para presídios federais, devido a suas ligações com lideranças da facção criminosa que controla os presídios de São Paulo e que tem influência na criminalidade de outros estados.
 
Entre os que conseguiram escapar, acredita-se que pelo menos uma parte possa ter usado uma pista de aviação particular das imediações, o que demonstra não só o nível de organização do bando como a infraestrutura que a região – marcada por grandes propriedades rurais, plantações e vastas áreas planas – proporciona às quadrilhas. 
 
Essas organizações criminosas encontram na geografia e na divisão política do Triângulo terreno propício às suas táticas de ofensiva e retirada. Contribuem para esses movimentos fatores como a distância média das cinco maiores cidades do Triângulo com as divisas de outros estados – onde a polícia, o sistema prisional e a Justiça têm outra jurisdição – que é de apenas 53 minutos.
 
Municípios ricos, como Uberlândia, de 683 mil habitantes, Uberaba (330 mil), Araguari (117 mil), Ituiutaba (104 mil) e Frutal (59 mil), somam 1,3 milhão de cidadãos, praticamente a mesma população de Guarulhos, a segunda maior cidade paulista. 
 
“A região toda tem boas estradas pavimentadas, que permitem velocidade, ao mesmo tempo que tem uma malha intrincada de vias rurais para que os ladrões tentem fugir despistando perseguidores”, observa o delegado responsável pelo Departamento de Crimes Patrimoniais da Polícia Federal e chefe substituto da corporação em Uberaba, André Gedrim Vieira da Silva.
 
Nessas circunstâncias, caso precisem se esconder, os assaltantes tendem a encontrar mais facilidade do que em outras regiões, podendo escolher um momento mais propício para atravessar para o estado onde não estejam sendo caçados.
 
A recompensa é tentadora para os criminosos que conseguem subjugar com seu poderio bélico as forças locais e escapar com o dinheiro de cofres e caixas explodidos antes de reforços chegarem.
 
Para se ter uma ideia, o Triângulo é considerada a capital da logística brasileira, devido ao intenso tráfego de bens e insumos. Além disso, a região concentra o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) do estado, com 12% das riquezas mineiras em um território com apenas 35 municípios, a terceira menor concentração de Minas.
 
Tentação que já resultou em dois ataques em menos de dois anos apenas em Uberaba. No primeiro, em novembro de 2017, uma empresa de valores foi arrombada, dominada e teve milhões de reais levados de seus cofres. Naquela oportunidade, a reação da polícia não foi páreo para a ação dos bandidos, que conseguiram escapar.
 
Desta vez, os criminosos chegaram por volta de 3h30, percorrendo a principal avenida do Centro da cidade, visando três bancos. Não se sabe qual a quantia levada, mas durante a ação um quartel do Corpo de Bombeiros Militar e uma edificação de escritórios de vereadores foram fuzilados.
 
Em Frutal, em novembro do ano passado, 15 criminosos fortemente armados também atacaram três bancos e levaram grande quantidade de dinheiro. Na troca de tiros com policiais, dois ladrões morreram. Uma comerciante de 42 anos que teve o carro roubado para a fuga também foi baleada e morreu.
 

Poderio

 
São quadrilhas consideradas de estrutura profissional pela polícia, com experiência adquirida em várias ações interestaduais e por contarem com as estruturas oferecidas pelo sindicato do crime ao qual pertencem – que garante acesso a advogados, armas, veículos com documentação fria, documentos pessoais falsos e até troca de dinheiro rastreável por cédulas insuspeitas.
 
Para o chefe da 5º Delegacia Regional de Polícia Civil de Uberaba, delegado Francisco Eduardo Gouvêa Motta, essas características profissionais ficaram claras entre os 10 presos em Uberaba.
“São criminosos escolados. Não deixam informações vazarem em seus depoimentos com facilidade. Não dão pistas sobre quem são seus comparsas. Antes de chegarem à delegacia para depor, já havia mais de um advogado esperando para acompanhar o depoimento, que acabou só às 2h30 de hoje (ontem)”, conta o delegado.
 
O chefe do departamento de Uberaba conta que um fator que tem ajudado a prevenir os ataques e a rastrear e prender os integrantes das quadrilhas é o da aproximação das polícias dos estados limítrofes, que sofrem igualmente com ações criminosas. “As trocas de informações são muito intensas e proveitosas com as corporações dos outros estados. Chegamos também a fazer operações em conjunto nos territórios vizinhos, e eles aqui. Tudo para acabar com essa estratégia dos criminosos de se aproveitar dos limites interestaduais para cometer crimes”, destaca Motta.
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