Jornal Estado de Minas

Mineradora cava represa para conter lama caso barragem se rompa em Barão de Cocais

Moradores de sítio próximo à área onde a represa é construída, Raimundo e Lucimar constatam, cheios de dúvidas, a corrida contra o tempo nas obras - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Barão de Cocais – De um lado, um muro de concreto e aço para reter o avanço de uma onda de rejeitos de minério de ferro que pode chegar a 6 milhões de metros cúbicos no caminho de Barão de Cocais, Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo, cerca de metade do que vazou em Brumadinho, a pior tragédia humana brasileira, com 244 mortes já confirmadas. Vinte seis pessoas ainda não foram localizadas. Do outro lado, a mineradora Vale escava outro reservatório entre matas e pastagens no leito do Córrego do Vieira, com mais de sete hectares de área, a cerca de dois quilômetros da Barragem Sul Superior, a estrutura que mais desperta cuidados atualmente em Minas Gerais. Essa barragem foi considerada sob risco iminente de ruptura e está no centro das atenções dos órgãos de defesa civil e militar estaduais. O principal motivo é que, além de não ter estabilidade garantida, desde o dia 13 essa estrutura está sob risco de ser destruída pela onda de choque de um paredão da mina que ameaça desabar.

O talude da Mina Gongo Soco, que é um dos paredões em forma de degraus de onde o minério de ferro foi extraído, apresenta grande movimentação, o que indica que deve desabar ou escorregar, podendo gerar vibrações suficientes para romper a barragem, no entendimento inicial da Vale e da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec). Contudo, o paredão se comporta de forma a escorregar para o fundo da cava da mina, o que não provocaria vibração suficiente para um rompimento, segundo análises da empresa e da Cedec.

“Por meio dos relatórios de geotecnia, o talude, que apresentava um deslocamento médio de quatro centímetros por dia, já tem um desprendimento médio de 19,7 centímetros e de 24 centímetros em alguns setores por dia.
Porém, temos análises que mostram que a parte inferior está descendo mais rápido, o que demonstra um escorregamento e não um descolamento de placa. Ou seja, ele pode se acomodar no fundo da mina e não provocar um impacto muito grande que sirva de gatilho para um rompimento”, afirmou o major Marcos Afonso Pereira, superintendente de gestão de riscos de desastres da Cedec, na manhã de ontem. No fim da tarde, novo boletim da Agência Nacional de Mineração (ANM) apontou deformação inferior de 20,5cm/dia e movimento de 25,9cm/dia. Segundo a agência, somente entre os dias 21 e 25, a dilatação acumulada foi de um metro.

Mesmo que o talude da mina de minério de ferro não caia, as ações de prevenção e de monitoramento da Barragem Sul Superior prosseguirão até que a estrutura volte a atingir um nível seguro de estabilidade. “Caindo o maciço ou não, a situação da barragem segue delicada e sob risco. Há várias ações em curso. A população passou por dois simulados de evacuação.
Há esses planos de ação de médio prazo, com a construção de uma barragem back up (também chamada de muro) de concreto que teria resistência para a contenção dos rejeitos e a barragem de retenção, que pode funcionar como um remanso para reduzir a força da massa de rejeitos”, disse o major da Cedec.

A reportagem do Estado de Minas esteve na área de sete hectares e cerca de 40 metros de profundidade onde a Vale abre a barragem de retenção de rejeitos, a dois quilômetros da Barragem Sul Superior, no sentido oposto a Barão de Cocais. Maquinário pesado, com grandes caminhões, escavadeiras e tratores, passa o dia destocando a mata e pastos para criar o remanso, capaz de receber e reter o grande volume de rejeitos que descer do barramento. 



TEMORES
Se por um lado isso pode poupar Barão de Cocais, Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo de inundações, por outro, é um pesadelo para os sitiantes e habitantes dos povoados de Cruz dos Peixotos e outros que se encontram no vale do Córrego dos Vieiras. “A gente, aqui, está igual a gato ensacado. Não sabemos para onde é que vamos. Estão abrindo essa barragem no fundo do vale para tirar a lama de Barão de Cocais, mas será que vão levá-la até a gente?”, questiona o agricultor Raimundo Fonseca, de 67 anos, que vive num sítio no caminho que está sendo aberto para reter o rejeito de minério de ferro. “Não sabemos ainda se vamos ficar sem acesso à estrada, se ficaremos isolados. Pelo ritmo acelerado de trabalhos, o que podemos ver é que estão correndo contra o tempo, disse.


Para a mulher dele, a dona de casa Lucimar Aparecida da Silva, de 41, o pior é ficar sem energia elétrica e comunicações. “A gente fica a mais de 20 quilômetros de Barão de Cocais. Se não tiver eletricidade, estaremos isolados. Para nós, que produzimos no campo e precisamos de máquinas de descascar e de torrar café elétricas, isso pode ser o nosso fim”, reclama.



MULTA Na onda da crise das barragens, a Vale foi multada em cerca de R$ 330 mil pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A mineradora é acusada de não ter levado em consideração as recomendações das consultorias Potamos e Tüv-Süd, contratadas pela empresa para atestar a segurança da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. A informação foi divulgada pelo secretário da pasta, Germano Gomes Pereira, durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa que investiga o rompimento da estrutura.


Ao Estado de Minas, o órgão informou que a multa de R$ 329.204,25 está relacionada à elaboração ou apresentação de um estudo ambiental falso, “seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento na outorga ou outros.” Para aplicar a multa, a Semad levou em consideração a declaração do delegado da Polícia Federal Luiz Augusto Pessoa Nogueira em uma audiência da CPI da ALMG. Em 25 de março, o responsável pela investigação informou já haver comprovação de que a Vale apresentou documentação falsa aos órgãos reguladores. Apesar da declaração, o inquérito policial sobre o rompimento da barragem corre em segredo de Justiça. A Semad ainda cancelou licenças concedidas à empresa em dezembro de 2018 para o reaproveitamento de bens minerais dispostos na barragem.

Na ocasião, a classificação de risco do licenciamento concedido à mineradora foi 4, o que gerou contestação de especialistas após a tragédia.

Estudiosos defendem que um empreendimento como o da Barragem B1 deveria ser classificado como 6. No entanto, de acordo com Semad, a classificação foi 4 porque a atividade licenciada era reaproveitamento de minério com descomissionamento da estrutura. *Estagiário sob supervisão da subeditora Ellen Cristie

 

 

Dispensa de ir à CPI


A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que o presidente afastado da Vale, Fabio Schvartsman, não é obrigado a prestar depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Brumadinho instalada na Câmara dos Deputados. Em 4 de junho, Schvartsman foi convocado para falar sobre o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, na cidade mineira. A decisão atende a pedido de habeas corpus protocolado pela defesa. Houve empate na votação e prevaleceu o voto proferido pelo relator, ministro Gilmar Mendes, favorável a Schvartsman. Segundo o ministro, o comparecimento compulsório de um investigado à CPI é um instrumento ilegal e de intimidação. Em março, Fabio Schvartsman e três diretores da mineradora foram afastados temporariamente por decisão do Conselho de Administração da empresa a pedido dos próprios executivos.
 

 

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