Jornal Estado de Minas

Indígenas se formam em licenciatura na UFMG

- Foto: Jair Amaral/EM/D.A PRESSAs becas pretas foram trocadas por pinturas corporais e colares coloridos na colação de grau da sétima turma do curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas (FIEI), ontem. O capello, tradicional chapéu arremessado para o alto ao final das formaturas, foi substituído por cocares. Os cânticos ocuparam toda a Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Antes de entrar no auditório para receber o grau em licenciatura em ciências da vida e da natureza, 30 indígenas das etnias Pataxó, Xacriabá e Pataxó-Hã-Hã-Hãe pisaram, com os pés descalços, o chão da universidade pública durante celebração com os cânticos entoados nas aldeias.



Quando levados para a universidade, os sons das pisadas indicam a relação profunda dos indígenas com a terra onde habitam e, ao mesmo tempo, mostram que o território da educação formal também é deles. Quando cantam, lembram que o saber tradicional é tão importante quanto o conhecimento acadêmico.

Os indígenas integram a sétima turma do programa criado em 2008 na Faculdade de Educação da UFMG como parte do programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). A primeira turma se formou em 2013.

Os 15 formandos da etnia Xacriabá são de São João das Missões (MG) e os 10 pataxós são de Porto Seguro, Santa Cruz de Cabrália e Prado (Bahia). Três da etnia Pataxó-Hã-Hã-Hãe são de Itaju do Colônia e Pau Brasil (BA) e outros dois pataxós de Itapecerica (MG). A cerimônia contou com discurso de professores paraninfos e teve também oradores da turma. Um momento importante foi quando Juarez Melgaço, professor homenageado, recebeu o cocar das mãos do cacique dos Pataxó-Hã-Hã-Hãe.


SONHO
Uma das formandas, Werymehe Alves Braz Pataxó, de 29 anos, lembra que o saber acadêmico está no mesmo nível do conhecimento tradicional. “Este sonho nasceu para mim com meu pai, foi meu primeiro professor, meu primeiro educador. Ele foi um dos pioneiros na luta para a garantia da educação indígena”, recorda. Ela destaca como a presença deles torna a universidade mais diversa: “As pessoas percebem que estamos aqui e que temos o direito a esse lugar acadêmico, que é muito importante para a humanidade”.



O conceito de escola é bem mais amplo na visão indígena. “A escola é território, é comunidade, ela é família. Muito importante para mim esta graduação. Estou levando retorno para minha comunidade”, diz Werymehe.

Pés na aldeia e no mundo


O curso de formação habilita os educadores nas áreas de línguas, artes e literaturas; matemática; ciências da vida e da natureza e ciências sociais e humanidades para lecionarem nos anos finais dos ensinos Fundamental e Médio.

Os alunos indígenas vêm duas vezes ao ano para Belo Horizonte, nos meses de maio e setembro. Depois os professores vão até as aldeias. “O conhecimento tradicional é o primeiro. Tem que estar com o pé na aldeia e com o pé no chão do mundo. Já ficamos muito para trás. É entrar na universidade para saber esse conhecimento, mas sabendo que o nosso conhecimento é o mais forte”, afirma Werymehe Alves Braz Pataxó.

A ponte entre o saber tradicional e o conhecimento acadêmico é uma das premissas do curso. Os professores procuram articular o conhecimento que os indígenas trazem de seus territórios com questões relacionadas ao conhecimento científico. A ideia é ressaltar que eles não se opõem e sim se complementam.

O professor Paulo Maya, que ministra a disciplina de etnicidade e relações interétnicas, lembra que há equívoco sobre a noção de cultura.


“A cultura é dinâmica. Nós que moramos na cidade valorizamos o cosmopolitismo, então a gente quer viajar, aprender novas línguas, fazer uma série de coisas para enriquecer nossa cultura. Mas quando olhamos para minorias, parece que muda a perspectiva. A gente tem uma ideia de que aquelas pessoas devem se manter de um modo específico. Se não encontram a imagem do indígena do século 16, em vez de pensar que a concepção indígena que têm está errada, gostam de dizer que aquela pessoas não são mais indígenas porque estão na universidade, porque usam celular. Isso faz parte desconhecimento em relação aos povos indígenas”.

CORTES
Paulo Maya destaca que o governo federal tem seguido linha de total desinteresse pelos povos indígenas e lembra que os cortes da educação também vão impactar nesse curso. O contingenciamento de verbas do governo federal, anunciado pelo Ministério da Educação e que atinge o orçamento da UFMG, também se reflete no andamento do curso. A professora da FAE Shirley Miranda lembra que o conselho consultivo, formado por seis integrantes de etnias diversas, não poderá vir a Belo Horizonte.


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