Jornal Estado de Minas

Punição por tragédia de Mariana recua no Brasil avança no Reino Unido

Enquanto a Justiça brasileira não define as indenizações aos atingidos pela tragédia de Mariana e dá um passo atrás na expectativa de punição pelas 19 mortes decorrentes do rompimento da Barragem do Fundão – ao livrar 21 executivos da Vale, BHP Billiton e Samarco da denúncia por homicídio na tragédia de 2015 – na Europa o processo contra os causadores da devastação avança.

Em Brasília, os desembargadores da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região deram habeas corpus, na quarta-feira, a réus no processo relativo à catástrofe socioambiental de Mariana, considerando em seus votos não ter ficado demonstrado no processo ter havido crime de homicídio contra os atingidos pelo desastre, apenas ambiental.

Já no Reino Unido, na ação que é movida pelo mesmo episódio pelo escritório anglo-americano SPG Law contra a britânica BHP Billiton – dona da Samarco, ao lado da Vale –, teve seu primeiro pedido julgado procedente na ação que pode render aos atingidos cerca de 5 bilhões de libras, o equivalente a cerca de R$ 25,6 bilhões.

A BHP pretendia tirar o processo de Liverpool e levá-lo para uma corte especial em Londres, mas no dia 18, a Justiça da Inglaterra e do País de Gales manteve o julgamento na cidade do Noroeste da Inglaterra. Na análise dos advogados que representam os atingidos brasileiros, isso representou uma vitória importante, uma vez que a corte londrina é considerada mais conservadora.

Um outro fator que reforçou a expectativa de sucesso no julgamento no Reino Unido contra a gigante da mineração foi a recente aceitação pela Suprema Corte do caso de poluição de recursos hídricos por uma companhia inglesa em Zâmbia, na África. Algo que pode representar um precedente para a apreciação da catástrofe de Mariana.

O rompimento da Barragem do Fundão, operada pela mineradora Samarco, despejou 40 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, chegando até o Oceano Atlântico. No caminho, os distritos de Bento Rodrigues e de Paracatu de Baixo, ambos no município de Mariana, foram destruídos, deixando 19 mortos.

A Samarco é uma empresa subsidiária das gigantes mundiais da mineração BHP Billiton e Vale.

Essas empresas, a União e os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo fizeram vários acordos de reparação de danos e indenizações. Um dos resultados disso foi a criação da Fundação Renova, para executar os termos desses acordos. Contudo, no ano passado, após três anos do desastre e sob temor de prescrição dos pedidos de indenização, os advogados do escritório anglo-americano SPG Law decidiram processar a BHP nas cortes da Inglaterra e do país de Gales.

 

“Queríamos manter o julgamento em Liverpool, porque é onde a maioria de nossos advogados se baseia. Podemos trabalhar efetivamente com o tribunal lá. O tribunal de Liverpool também oferece a chance de um julgamento mais rápido do que em Londres, onde os tribunais estão mais ocupados”, considera o advogado Tom Goodhead, sócio do SPG Law. A audiência do dia 18 foi pedida pelos advogados da BHP Billiton SPL para que o processo fosse movido da corte de Liverpool para a Corte Especializada de Londres.

 

Os defensores da mineradora argumentaram que, devido à complexidade e extensão do caso, a ação deveria ser julgada em uma corte maior. Alegaram, também que o caso não tinha conexão substancial com a corte de Liverpool, mas que há relações com a corte em Londres, onde fica a sede da empresa.

Contudo, os advogados do SPG Law sustentaram que o escritório que propôs a ação fica em Liverpool, que era vontade dos clientes que o processo permanecesse no local e que um julgamento seria substancialmente mais caro em Londres.

 

As argumentações levaram cerca de duas horas e meia. Ao final, o juiz decidiu pela improcedência do pedido, condenação da parte ré ao pagamento de custas e manutenção do procedimento nas cortes de Liverpool, entendendo que têm capacidade de processar e julgar a ação. No caso eventual da necessidade de instalações específicas, audiências ou testemunhos poderiam ser recebidos via eletrônica ou em outro foro.

 

SEMELHANÇAS

 

No início do mês, a Suprema Corte inglesa aceitou que o caso de poluição de recursos hídricos por uma companhia londrina em Zâmbia, na África, poderia ser julgado nos tribunais da Inglaterra e do País de Gales, uma vez que a companhia Vedanta, responsável pelo prejuízo, tem sede em Londres. O desastre de vazamento de uma mina de cobre afetou o abastecimento e o modo de vida de 1.826 pessoas da região de Chilora. O caso guarda similaridades com a tentativa de responsabilizar a BHP nas cortes do Reino Unido pela tragédia de Mariana, uma vez que a operação na Mina de Nchanga é feita pela Konkola Minas de Cobre, subsidiária da Vedanta – assim como a Samarco é subsidiária da BHP e da Vale. “Este é um excelente precedente para nós. A mais alta corte do país confirmou que, em um caso semelhante ao nosso, foi possível responsabilizar a empresa do Reino Unido pelos crimes ambientais que ocorreram em outro país”, avalia o advogado Goodhead.

 

Segundo o escritório SPG Law, 25, dos 39 municípios que foram afetados pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, ingressaram na ação no exterior, mesmo depois de a Renova – fundação criada pelas mineradoras para lidar com as consequências do desastre – ter condicionado o recebimento de recursos pelas prefeituras afetadas ao abandono da ação internacional e de outros processos de reparação.

 

O que nos interessa

Reflexos sobre Brumadinho

 

O criminalista Bruno Cândido, indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Minas Gerais (OAB-MG) para comentar a decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – que livrou executivos da Samarco, Vale e BHP Billiton da acusação de homicídio pela tragédia de Mariana –, não crê que o julgamento tenha repercussão no processo movido pelas mortes ocorridas em Brumadinho, em janeiro deste ano. “Apesar de serem bastante similares os casos e os fatos que os geraram, isso não quer dizer necessariamente que terão a mesma conclusão.

Os julgadores serão outros e as particularidades dos processos são diferentes”, avalia. O advogado avalia também não haver mais possibilidade de os executivos das três mineradoras enfrentarem o tribunal do júri como réus por crimes de homicídio e lesão corporal pela catástrofe da Samarco, em 2015. “Há possibilidade de recurso, mas com a unanimidade (na decisão) e o trancamento (do processo), o crime contra a vida não deverá ir a julgamento, só os crimes contra o meio ambiente”, afirmou.

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