Jornal Estado de Minas

Sem dinheiro, cupom da Vale vira moeda de troca em Macacos



As moedas virtuais, conhecidas como criptomoedas, atraem cada vez mais adeptos por todo o mundo, facilitando as compras via internet. Mas nem sempre novos meios de pagamento chegam na forma de boas novas.

Em São Sebastião das Águas Claras, distrito de Nova Lima conhecido popularmente como Macacos, na Grande BH, o dinheiro convencional sumiu junto com os turistas que ali passavam o fins de semana e feriados, desde que houve evacuações devido ao risco de rompimento de barragem da Vale. A partir de então, com pontos de comércio às moscas, tíquetes para refeições fornecidos pela mineradora viraram ouro. É o que comprovam as placas com os dizeres “Aceito voucher”, que estão por toda parte.

Os tíquetes são uma conquista importante, mas juntamente com eles chegaram problemas e denúncias. Na tentativa de dar oxigênio aos negócios, parte dos comerciantes até diminuiu os valores de pratos, procurando se adequar ao valor dos cupons: R$ 20 por refeição. Mas também teve quem precisou encerrar as atividades, devido à limitação de preço e a uma espécie de “deságio” criada pelo sistema.



Já do lado dos moradores, também há muita gente insatisfeita com a nova moeda. Eles denunciam enfrentar dificuldades diariamente para obter o voucher, encarando longas filas e espera de mais de três horas. 


O drama no distrito, que até então era considerado um polo de turismo e gastronomia, começou quando a Barragem B3/B4, da Mina Mar Azul, foi alçada ao nível 3 de risco, último patamar antes da ruptura. Cerca de 300 moradores foram retirados da área de autossalvamento, a mais ameaçada, em 16 de fevereiro. Desde então, o cenário é de contas atrasados, demissão de funcionários, pousadas vazias e até fechamento de restaurantes devido à fuga de turistas que frequentavam a comunidade.

Após a remoção, a Vale passou a oferecer dois cupons por dia, no valor de R$ 20 cada, para uso no almoço e jantar nos pontos de comércio do município. De acordo com a mineradora, cerca de 1.200 moradores cadastrados pela prefeitura tem direito ao benefício. Inicialmente, apenas três restaurantes poderiam receber a nova moeda, mas, nas últimas semanas, a empresa cadastrou outros estabelecimentos.
E informa que qualquer proprietário pode entrar na lista. 

TÁBUA DE SALVAÇÃO


“O voucher é o que está segurando o comércio. É a nova moeda de Macacos. É ela que está ajudando a pagar nossas contas”, admite a comerciante Juliana Gobbi, de 31 anos, dona de restaurante na região que passou a aceitar o voucher desde 25 de março. “Se não fosse assim, todos os estabelecimentos estariam de portas fechadas. Os turistas não vêm mais aqui, o carnaval foi um fracasso”, acrescentou.

Porém, o auxílio está longe de ser consenso. Na visão dos comerciantes, o principal problema da nova moeda é o pagamento da Vale, feito no cartão de crédito, cujas taxas de antecipação são consideradas muito altas – girando em torno de 5% e 7%. “Há opção de receber pelo voucher por semana ou por mês.

Eu opto por semana. Então, toda segunda-feira faço a troca. Como a forma disponível é o pagamento no cartão, se tenho direito a R$ 10 mil pelas refeições vendidas, pelo menos R$ 600 vão para pagar a taxa. Perco parte do lucro perante devido à forma de pagamento”, lamenta Juliana. Isso depois que muitos ficaram até 30 dias de portas fechadas, antes de se credenciar para receber o vale da Vale.

A comerciante aponta ainda que muitos restaurantes precisaram se adaptar o preço ao valor de R$ 20, para fazer a economia girar. “Aqui, funciona. O voucher não pode gerar troco, mas os nossos valores são compatíveis com uma refeição de R$ 20. Mas aqui em Macacos, os valores de muitos estabelecimentos eram altos. Há comerciantes que vendiam refeições a até R$ 70, esses não conseguiram se adequar ao valor da nova moeda”, disse Juliana.


Outro problema apontado por moradores é que o voucher só pode ser usado para alimentação. O restante dos pontos de comércio, como loja de roupas ou farmácias, não podem receber os cupons, e estão com os produtos parados, muitos ameaçando baixar as portas.

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