Jornal Estado de Minas

Rompimento em Brumadinho e risco em outras barragens pressionam água da Grande BH

Rio das Velhas em Honório Bicalho, distrito de Nova Lima: maior ameaça atual é sobre o manancial que fornece metade da água da Grande BH. Rompimento em barragens da Vale em Nova Lima e Ouro Preto poderia encher o curso d'água de lama antes da captação da Copasa de Bela Fama - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A PRESS

A crise das barragens desencadeada pela tragédia de Brumadinho exerce pressão que preocupa ambientalistas e enche de dúvidas o futuro do abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Isso porque, por um lado, o rompimento da barragem da Vale inviabilizou a captação direta no Rio Paraopeba, inaugurada em dezembro de 2015 em caráter emergencial, que veio para resolver o até então risco de desabastecimento que existia na época.

Em outra frente de preocupação está o Rio das Velhas, manancial que fornece metade da água para a Grande BH e aparece na rota da lama de possíveis rompimentos de outras barragens da Vale em Nova Lima e em Ouro Preto, que tiveram o fator de risco elevado para o nível 3, o máximo indicativo de ruptura.

Soma-se a esse cenário uma ameaça ao curso d’água que alimenta a maior represa de abastecimento da Grande BH. O rompimento de uma barragem da Arcelor Mittal, em Itatiaiuçu, que também teve fator de risco elevado, só que para o nível de alerta 2, levaria lama até o Rio Manso e, assim, contaminaria o reservatório que faz parte do Sistema Paraopeba.

O Comitê Hidrográfico da Bacia do Rio das Velhas (CBH/Velhas) emitiu sinal de alerta vermelho depois que as barragens da Vale B3/B4, em Macacos, distrito de Nova Lima, e Forquilha I e III, em Ouro Preto, tiveram o fator de segurança elevado para o nível 3, o que significa iminência de ruptura. Os três reservatórios estão na região do Alto Rio das Velhas e ficam a montante da captação de Bela Fama, que abastece mais da metade da capital mineira e aproximadamente metade da Grande BH.

O cenário de pressão sobre a água não fica restrito apenas a essas três barragens. Já houve necessidade de evacuação de famílias que moram na chamada zona de autossalvamento do reservatório de Vargem Grande, que mantém o nível 2 de segurança, considerado de alerta, mas que também despejaria rejeitos no Rio do Peixe e, consequentemente, no Rio das Velhas. “A nossa preocupação é porque não existem alternativas.
Se houver algum rompimento, isso significaria levar um mar de lama para a calha do Rio das Velhas. Comprometendo a captação de Bela Fama você não tem um plano B. Toda essa situação cria um cenário de risco real para o abastecimento da Grande BH por tempo indeterminado”, afirma Marcus Vinícius Polignano, presidente do CBH Velhas.

Segundo a Copasa, essa fonte abastece cerca de 2,4 milhões de pessoas, o que corresponde a 48% da região metropolitana. Os outros 2,6 milhões ficam a cargo do Sistema Paraopeba, que atende 52% da mesma região.

Se, por um lado, a situação preocupa pelo risco de novos desastres, ela também é complicada pela tragédia que já ocorreu. A lama da barragem da Vale de Brumadinho elevou a turbidez da água e inviabilizou a captação que funcionava diretamente no Rio Paraopeba desde dezembro de 2015, responsável por sugar 216 milhões de metros cúbicos de água em três anos e um mês. Foi essa captação, que custou R$ 128 milhões aos cofres públicos, que garantiu à Copasa a solução para a crise de abastecimento que se aproximava do racionamento em 2015.
A retirada da água do rio garantiu a economia do recurso das represas e a recuperação do sistema.
Marcus Vinícius Polignano chama a atenção para a falta de opções em caso de novos rompimentos que aconteçam na Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS - 14/08/2018

 

CAUTELA


Mais de dois meses depois do rompimento, a situação ainda é incerta e o momento é de manter a cautela, segundo a diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Marília Melo. O órgão monitora a qualidade da água ao longo do Rio Paraopeba e aponta que a turbidez, quantidade de sólidos em suspensão, ainda é bastante elevada.

Na amostra colhida em 18 de março, o resultado para turbidez apontou 978 unidades, parâmetro marcado pela sigla NTU. O permitido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para o abastecimento humano é de 100NTU, segundo o Igam. “Como a captação está mais próxima do local do rompimento, a gente vê que o comprometimento da qualidade da água é maior nesse ponto. Ainda é realmente muito instável essa questão, porque qualquer novo aporte de rejeito muda os parâmetros. Por isso, deve haver cautela nessa recomendação de uso da água”, diz a diretora.

Chuvas ainda podem revolver os sólidos depositados no fundo do rio, além de carrear sedimentos do Ribeirão Ferro Carvão, curso d’água praticamente soterrado com o rompimento. Apesar de o problema persistir, é importante destacar que, quando houve o aporte de lama, em 25 de janeiro, o índice de turbidez chegou a 63 mil NTU, o que mostra que há uma redução considerável.



Em fevereiro, o diretor de Operação Metropolitana da Copasa, Rômulo Perilli, disse que, em períodos de chuva forte, já era comum verificar até 3 mil NTU, mesmo antes do rompimento da barragem, o que gerava a interrupção da captação. No mês passado, antes de a pressão aumentar pela elevação do risco em outras barragens, Perilli disse que a água só será retirada novamente se houver aval dos órgãos de controle.


Com a barreira imposta ao Rio Paraopeba e o risco rondando o Rio das Velhas, sobrariam apenas os três reservatórios do Sistema Paraopeba livres de ameaças, não fosse a barragem da Arcelor Mittal também ter o fator de risco elevado para o nível 2, o que indica estágio de alerta. Em caso de rompimento desse reservatório, a onda de lama chegaria até o Rio Manso, manancial formador da maior represa do sistema, que, ontem, acumulava 113 milhões de metros cúbicos de água, o que equivale a 76% da capacidade do reservatório. Segundo a Arcelor, a empresa vem trabalhando com a Copasa linhas de atuação conjunta relacionadas ao Rio Manso.

Em nota, a Copasa informou apenas que “desde o primeiro momento após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 25/1, tem mantido entendimentos com a Vale, com órgãos públicos ambientais, com o Ministério Público Estadual, com a Advocacia-Geral do Estado, entre outros órgãos estaduais, com o objetivo de avaliar as possibilidades de minimização dos impactos ocorridos.

MONITORAMENTO


Por sua vez, a Vale afirma ter adotado medidas e que tem um plano de ação em discussão com órgãos competentes para assegurar a continuidade do abastecimento de água para toda a Grande BH. Segundo a empresa, estudos apontam que o rio pode ser recuperado e os sedimentos foram classificados como não perigosos à saúde. “Desde o ocorrido, em 25 de janeiro, a empresa iniciou detalhado monitoramento do rio, com coletas de amostras diárias de água, solo e avaliação dos níveis de turbidez.

Atualmente, são 65 pontos de monitoramento em pontos acima do local do rompimento da B1, no córrego Ferro Carvão, nos rios Paraopeba e São Francisco, nos reservatórios das usinas de Retiro Baixo e Três Marias, além de outros oito rios tributários do Paraopeba.  “Lamentamos profundamente o ocorrido, mas faremos tudo o que for necessário para recuperar a bacia do Rio Paraopeba, pois bem sabemos que isso é possível”, afirma Gleuza Jesué, gerente executiva de Gestão Ambiental da Vale.

PALAVRA DE ESPECIALISTA
Marcus Vinícius Polignano

presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e coordenador do projeto Manuelzão, da UFMG
Ausência de políticas públicas

“A crise das barragens a partir do rompimento de Brumadinho revela situação de fragilidade e de ausência de políticas públicas sobre a questão da mineração e do abastecimento de água. O desastre mostrou como todo esse processo foi se dando à revelia da sociedade e, de repente, esse baralho de cartas desmoronou.

Ele mostrou a fragilidade de todo o nosso sistema de fiscalização e licenciamento dessas barragens. Precisamos de ações do estado para saber o que vai ocorrer daqui pra frente, pois não temos horizonte nenhum e, se houver alguma obstrução do Sistema Rio das Velhas, por exemplo, não há estrutura e nem volume de água no Sistema Paraopeba para suprir a demanda que será gerada.”

Pressão sob a água da Grande BH

Veja ameaças sob as captações que atendem à região metropolitana

Rio das Velhas

Barragem B3/B4 – Macacos/Nova Lima
Reservatório da Vale com 1,8 milhão de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 3 de segurança, que caracteriza emergência

Barragens Forquilha I e III – Ouro Preto
Reservatórios da Vale que somam mais de 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresentam o nível 3 de segurança, que caracteriza emergência

Barragem Forquilha II – Ouro Preto

Reservatório da Vale com 20,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 2 de segurança, que caracteriza alerta

Barragem de Vargem Grande – Nova Lima
Reservatório da Vale com 9,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 2 de segurança, que caracteriza alerta

Essas cinco barragens foram construídas no método mais perigoso, de alteamento a montante, e estão no Alto Rio das Velhas. Um possível rompimento levaria lama até o manancial antes da captação da Copasa de Bela Fama, que atende metade da Região Metropolitana de BH

Rio Paraopeba
A captação de 5 mil litros de água por segundo diretamente no Rio Paraopeba está parada desde 25 de janeiro, em consequência da lama que foi despejada da barragem da Vale em Brumadinho. Não há previsão de retomada

Reservatório Rio Manso

Barragem da Mina Serra Azul – Itatiaiuçu

Reservatório da Arcelor Mittal com 5,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos apresenta o nível 2 de segurança, que caracteriza alerta

Um rompimento deste reservatório levaria lama até o Rio Manso, curso d’água formador da maior represa integrante do Sistema Paraopeba, responsável pelo abastecimento de metade da Grande BH

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