Jornal Estado de Minas

Dificuldades do carnaval de BH crescem com o público e são desafio para o próximo ano

Baianas Ozadasfoi um dos grupos envolvidos na mudança de roteiro na última hora:críticas ao planejamento - Foto: Leandro Couri/EM/DA Press

O carnaval de Belo Horizonte enfrenta as dores do crescimento: com uma multidão que parece aumentar ano após ano, administrar segurança pública, trânsito, evolução dos blocos e preservação de estruturas urbanas é um desafio para o qual há muito mais perguntas que respostas. Os números de ocorrências e as avaliações da Guarda Municipal e da Polícia Militar se contrapõem à percepção de que a violência e a gravidade das ocorrências vêm aumentando junto com o público, em uma festa para a qual estimava-se a passagem de 5 milhões de pessoas e que contabilizou pelo menos três mortos, três baleados e quatro esfaqueados – entre eles dois turistas franceses roubados no Centro da cidade –, além de denúncias de estupro e de casos de homofobia.

O último homicídio ligado ao carnaval ocorreu na madrugada de ontem, quando um homem foi morto e outro, esfaqueado em um intervalo de menos de duas horas, na Praça Sete, no Centro da capital. No primeiro caso, durante uma confusão generalizada, um homem teria caído e batido a cabeça no chão, na Avenida Afonso Pena. A vítima ainda teve carteira e celular furtados. Segundo a polícia, não foi possível identificá-lo.

Poucas horas antes, uma mulher de aproximadamente 30 anos morreu durante evento de carnaval em torno de um dos palcos fixos montados pela prefeitura, na Praça da Estação, Centro de BH. Bombeiros e brigadistas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tentaram reanimar a mulher por cerca de 20 minutos, mas sem sucesso. Nas duas ocorrências, ninguém foi preso até o fechamento desta edição.

No domingo, uma briga terminou em morte também em uma comemoração carnavalesca, no início da noite, no Bairro Castelo, na Região da Pampulha. As ocorrências se somam aos episódios de três pessoas baleadas na Savassi, também no domingo, e ao ataque a dois turistas franceses a facadas, seguido de roubo, na segunda-feira.
Na Praça da Estação, ponto que concentrou a maioria das ocorrências, houve ainda o caso de uma mulher esfaqueada e quatro denúncias de estupro.

REVISÕES Apesar da gravidade das ocorrências, a Polícia Militar faz uma avaliação positiva sobre a segurança no carnaval de BH. Hoje, a corporação vai divulgar um balanço com números da festa. “Alcançamos redução nos principais crimes: roubo ou furto de celular e crimes violentos. A redução foi em torno de 50% em Minas Gerais em relação aos crimes violentos”, disse o capitão Cristiano Araújo, assessor de imprensa da PM, sem mencionar números específicos da capital.

Ao ser questionado sobre os homicídios, ele classificou os episódios como “pontuais” se comparados ao aumento de foliões na rua. “Eventualmente, tivemos alguns casos. Estamos dando toda a atenção para o ano que vem. Vamos fazer novos planejamentos para que isso não ocorra”, acrescentou o representante da corporação.

Já a Guarda Municipal registrou, de 28 de fevereiro até anteontem, 93 ocorrências.
As principais foram de acidentes de trânsito (12), agressões (nove), desacatos (sete), danos ao patrimônio (seis) e ameaças (cinco). Ainda segundo a corporação, 61 pessoas foram presas, três veículos furtados recuperados, assim como quatro celulares.

DISPERSÃO E CONFUSÃO
Grande parte das ocorrências, segundo a PM, ocorreram à noite, durante a dispersão dos blocos. Ontem, no Viaduto Santa Tereza, no Centro de BH, foi registrado mais um tumulto,  no início da madrugada. Segundo a PM, houve arremesso de pedras contra viaturas e uso de bombas de efeito moral por parte da polícia, que chegou para intervir em uma denúncia de briga generalizada.

“Ficava nítido que não se tratava em nenhum momento de pessoas vinculadas aos blocos. São pessoas já mal-intencionadas. Isso não é comportamento de foliões”, disse o capitão. Em relação ao trânsito, avaliado como um dos pontos problemáticos da festa, a BHTrans foi consultada pelo Estado de Minas, mas informou que ontem não se manifestaria a respeito.

Desvios atravessam o samba


No percurso dos desfiles, dois dos maiores blocos de carnaval de BH criticam a orientação da Belotur para a mudança de percurso durante os cortejos. No domingo, o Angola Janga, que atraiu milhares de foliões no Centro, teve que desviar o trajeto, que iria da Avenida Amazonas com Rua São Paulo rumo à Praça Rui Barbosa, no Complexo da Praça da Estação, e terminou bem antes, na Avenida dos Andradas, altura do Viaduto Santa Tereza.
Também foram sugeridas alterações ao Baianas Ozadas, na segunda-feira. Mas, nesse caso, diante de protestos, o caminho foi mantido. A cofundadora do Angola, Nayara Garófalo, e o fundador e vocalista do Baianas, Géo Cardoso, afirmam que a situação pegou os organizadores de surpresa. Nayara explicou que, para que pudessem desfilar, os blocos tiveram que apresentar laudo técnico, assinado por um engenheiro, aprovando o roteiro.

“Ficamos muito chateados. A prefeitura burocratizou muito a autorização para os cortejos dos blocos. Mas, se exigiram, que façam valer o que foi pedido. Eu mesmo fiz a visita técnica de percurso. Relatamos e fotografamos onde era necessário fazer poda de árvore, reposicionar placas e suspender a fiação”, afirma Géo. O vocalista critica a ideia de mudar o roteiro no meio do desfile. “Além do mais, fizemos o mesmo trajeto ano passado, com o mesmo trio”, completa.

Nayara também faz críticas à mudança de trajeto no dia do desfile.
“A gente costuma ser bem tranquilo para receber essas mudanças, mas passamos por um momento de confusão. Não tinha ninguém para nos informar se era para seguirmos pela esquerda ou direita. Nem nos foi informada a motivação da troca”, diz. “O trajeto que escolhemos tinha apenas uma curva. O caminho alterado tinha três curvas, o que complica muito para o bloco se deslocar com cordas e seguranças. Avaliamos que a pré-produção foi desnecessária, já que mudaram tudo”, afirma, questionando também o fato de a Polícia Militar não ter comparecido a audiências públicas na Câmara Municipal para discutir aspectos da festa.

Nayara, que integrou a diretoria da Associação dos Blocos Afro de Minas Gerais, afirmou que, neste ano, não houve repressão ao bloco Arrasta Favela, como ocorreu no ano passado, mas diz que, contrariando a Constituição Federal, a corporação inibiu manifestações políticas pelos blocos. Ela afirma que o Angola Janga, embora tenha em seu DNA causas políticas, como a valorização da juventude negra, não leva para o desfile questões partidárias. Apesar disso, os organizadores ficaram temerosos da repressão ao público que, espontaneamente, entoou gritos contra o presidente Jair Bolsonaro. “A interferência da polícia aconteceu com o Tchanzinho Zona Norte. Temos que discutir isso.
No Angola, o público puxou também manifestação contra o governo. Ficamos tensos, pois não sabíamos qual seria a reação policial”, afirma. Ontem, o capitão Cristiano Araújo, da assessoria de imprensa da PM, atribuiu o episódio a “um olhar não compreensivo” sobre o que ocorreu. “Somos parceiros dos blocos e somos garantidores do Estado democrático de direito. Foi uma avaliação pontual do que estava acontecendo. Acreditamos na cidadania e no respeito na prática operacional”, disse.

Para Géo Cardoso, a exemplo dos blocos que estão aprendendo a fazer carnaval, os belo-horizontinos estão aprendendo a curtir a festa de rua. Ele avalia ainda que é preciso pensar circuitos que comportem e sejam seguros para receber os blocos que levam milhares às ruas. Outra necessidade, defende, é a de maior articulação entre o estado e a prefeitura para pensar soluções a médio e longo prazos para a segurança pública.

Depoimento


Com hora para acabar

Amo carnaval e aproveitei a folga para ir a nove blocos em Belo Horizonte. Apaixonada por festas na rua, avalio o conjunto como muito positivo. Tive a oportunidade de conhecer grupos novos e o prazer de ver tantas pessoas ocupando espaços normalmente dominados por carros. Mas acho importante considerar as dificuldades para se locomover de um bloco a outro. Andar veio de uma necessidade, já que o trânsito estava travado e os aplicativos de transporte, com tarifas muito altas. Enquanto pela manhã os blocos estavam lindos e com clima bem pacífico – não presenciei nenhuma ocorrência – à noite o clima era tenso. Por volta das 18h já era obrigatório voltar para a casa. Tinha medo dos arrastões e de ser vítima de assédio. Ouvia alertas de roubos e furtos vindos dos próprios trios. Nesse horário, o clima era bastante hostil no Centro, onde moro. Sair à noite, só se fosse para bares fechados ou para a casa de amigos. (Larissa Ricci).