Jornal Estado de Minas

População de quatro cidades afetadas por barragens enfrenta da incerteza ao prejuízo

No restaurante que normalmente fica lotado, espaço de sobra ao meio-dia denuncia buraco no caixa que preocupa o dono - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS

Nova Lima e Brumadinho –
Insegurança, preocupação e prejuízos: para centenas de famílias retiradas de suas moradias ou privadas de seus meios de sustento desde que a onda de lama varreu a comunidade de Córrego do Feijão, em Brumadinho, Grande BH, a volta à rotina é uma incógnita, enquanto as perdas são bem concretas. Nas outras cidades em que as sirenes de mineradoras determinaram o afastamento de pessoas de suas casas e negócios – Nova Lima (no distrito de Macacos), Barão de Cocais e Itatiaiuçu, até a noite de ontem – os afetados contam os dias afastados de seu cotidiano e pertences, ao mesmo tempo em que contabilizam a perda de rendimentos e a quase certeza de que eles dificilmente serão compensados a contento.


Na cidade mais afetada pela catástrofe da Vale, moradores que tiveram seus imóveis poupados da onda de rejeitos aguardam ansiosos a vistoria da Defesa Civil sobre a integridade das construções, muitos deles sem saber que a liberação dos técnicos não é suficiente para que voltem para casa. Isso porque será necessária a aprovação de um novo plano de contingência pela mineradora para que o retorno seja liberado. Se a exigência for estendida aos demais locais em que moradores foram desalojados, isso representará uma demora a mais para a retomada da rotina.


Pior para os que assistem aos prejuízos se acumularem, como na comunidade de São Sebastião das Águas Claras, distrito de Nova Lima marcadamente turístico, conhecido como Macacos. Lá, o medo disseminado a partir do momento em que a Barragem B3/B4 da mineradora Vale não teve mais sua segurança atestada acertou em cheio não só a rotina da comunidade, mas também a economia. O alerta sobre o risco do reservatório de rejeitos teve resultado instantâneo sobre pousadas e restaurantes, que imediatamente começaram a perder hóspedes e clientes. Empresários temem que o cenário negativo gere um efeito cascata em todo o comércio local, culminando com o fechamento em massa de negócios e a perda de empregos na vila.


Dono de duas pousadas que totalizam 44 quartos, Ronaldo Aparício Rodrigues, de 52 anos, diz que todas as acomodações já estavam reservadas para o carnaval antes de a Vale anunciar que a barragem teve o fator de segurança alterado de 1 para 2, o que exigiu a evacuação das pessoas que ocupam a chamada zona de autossalvamento – onde não há tempo para que o poder público atue em caso de rompimento da barragem, e os afetados têm que escapar pelos próprios meios.



“Estava lotado, mas até agora já foram 20 cancelamentos, quase metade da minha capacidade. O normal do carnaval é alugar tudo com dois meses de antecedência, e nos fins de semana normalmente ficamos lotados.

Não há procura para esses próximos sábado e domingo”, diz Ronaldo. Ele conta que tem 20 funcionários empregados atualmente nas duas pousadas e já pensa em alternativas. “Vou ter que definir um plano de férias ou algo do tipo. As pessoas estão assustadas com a situação. E como a vida vale mais que tudo, ninguém quer se arriscar. Acho que vai demorar para as coisas voltarem ao normal,  mesmo se a segurança da barragem for garantida”, completa.


Desde 2006, Alexandre Naurath, de 44, comanda com a esposa a Pousada Farol da Serra. Foram quatro anos de construção para conquistar o objetivo de vida do casal.

Dos 12 quartos, nove estavam reservados para o carnaval. Todos foram cancelados. O dinheiro das reservas começou a ser devolvido ontem. “A pousada é um sonho realizado, que se transformou em pesadelo”, desabafa o empresário. Alexandre diz que, por mais que ele e a mulher expliquem que a pousada não está em área de risco, as pessoas não vão ficar só na hospedaria: precisarão transitar por outros pontos da vila, e por isso não querem se arriscar.


Ele acredita que, no caso de um possível retorno para o fator de segurança 1 da barragem, que garante a estabilidade da barragem, a situação não deve ser resolvida facilmente. “Esses relatórios perderam a credibilidade. Ninguém acredita mais nessas respostas. Acho que só vai resolver quando a Vale anunciar o descomissionamento imediato da barragem, porque nós não podemos esperar até 2021”, diz ele, em referência a um prazo anunciado pela Agência Nacional de Mineração – que ontem mesmo já começou a falar em flexibilização das regras recém-anunciadas.


Um problema que é geral entre todos os mais de 70 empresários e comerciantes que mantêm empresas e pontos de comércio em Macacos, segundo Alexandre, é o pagamento de fornecedores.

“Como vamos pagar pelos produtos que recebemos? Além disso, principalmente os produtos de cozinha têm validade curta”, completa.

 

Mesas vazias já motivam projetos de transferência

Um dos pontos de maior movimento em Macacos é o Restaurante do Gerson, que costuma ficar cheio todos os dias da semana, segundo funcionários e frequentadores. Há nove anos, o empresário Gerson de Souza, de 51 anos, abriu o estabelecimento e já tocava uma ampliação para oferecer um parquinho para crianças – agora deixada de lado. Aos domingos, Gerson chegava a faturar R$ 8 mil, mas vendeu apenas R$ 800 no último, dia seguinte ao alarme das sirenes que indicava a necessidade de evacuação em parte do distrito. Na segunda-feira, Gerson nem abriu, pois os funcionários não conseguiram chegar. Ontem, enquanto o normal era praticamente todas as mesas estarem ocupadas por volta do meio-dia, o que mais se via eram cadeiras vazias.


“Em 2001, quando houve rompimento de barragem aqui em Macacos, as coisas demoraram mais de um ano para voltar ao normal. E agora ninguém acredita na Vale, está todo mundo com medo. Se em três meses a situação não der sinais de retomada, vou procurar outro lugar para abrir”, diz Gerson, que já avalia oportunidades na cidade de Carrancas, no Campo das Vertentes. A queda no movimento traz impacto direto aos trabalhadores, como o garçom Mauro Sérgio Santos Oliveira, de 30 anos, que há seis trabalha com Gerson. “A maior parte do meu rendimento vem dos 10% dos clientes. Estou com medo de faltar trabalho”, diz ele, apreensivo.


O normal da padaria do comerciante José Carlos Cassiano, de 55, é vender 10 quilos de pão de queijo todos os dias e cerca de 1 mil pães.

Depois das sirenes em Macacos, não está chegando a comercializar 150 pães por dia e não alcança 1kg de pão de queijo. “Acabou o comércio. Esta semana joguei fora um monte de produtos de sacolão. Nós vivemos de turismo, se não chegar uma pessoa de peso e garantir que essa barragem é segura, Macacos vai acabar”, alerta.


Moradores e comerciantes informaram que os próximos dias serão de protestos no arraial. Hoje, está prevista uma manifestação para as 6h na porta da Mina Mar Azul, da Vale, antes da entrada dos trabalhadores. No próximo sábado, a ideia da população local é abrir o comércio e ocupar o espaço do Centro da vila, próximo à igreja, para fazer uma manifestação exaltando o vilarejo. O movimento está marcado para as 13h.

 

Acesso flexibilizado

 

Depois de muito transtorno causado entre o fechamento dos acessos a Macacos no sábado  à noite até segunda-feira, ontem o fluxo foi retomado nas ligações entre a comunidade e cidades como BH e Nova Lima. O acesso principal pela AMG-160 foi permitido. Um bloqueio continuou montado na entrada, às margens da BR-040, mas a passagem foi liberada e monitorada das 5h às 20h, conforme anunciou ontem o coronel Antônio Balsa, comandante da 3ª Região da PM.

Funcionários a serviço da Vale fazem o monitoramento, munidos de radiocomunicadores, para manter os demais pontos de bloqueio informados sobre a passagem de carros. A situação se repetiu em outros pontos da vila que tinham sido fechados, mas tiveram flexibilização de acesso. A Vale deve responder hoje sobre o pedido de moradores que foram retirados de casa e hospedados em hotéis de Belo Horizonte, mas reivindicam ir para hospedarias no próprio distrito.

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