Jornal Estado de Minas

MINERAÇÃO

Como a mineração devora as montanhas e traz medo aos moradores do entorno de BH


 
Nova Lima, Itabirito e Congonhas – A sensação de perigo não escolhe hora nem padrão social pelos caminhos que ligam Belo Horizonte a dezenas de cidades da Região Central de Minas Gerais, onde o rico subsolo do estado atraiu de pequenas a grandes indústrias da mineração. Do asfalto das principais estradas federais que cortam a capital mineira, a BR-040, em direção ao Rio de Janeiro, e a BR-381, no sentido São Paulo, escavações, barragens, máquinas e equipamentos, muitas vezes em sequência, avançam sobre a paisagem montanhosa, ou se revelam sem esforço do olhar de quem trafega nessas estradas por trás do mato e de eucaliptos, denunciados também pelo pó brilhante acumulado nas margens.

Quanto mais próximos das áreas mineradas ou que acumulam rejeitos da extração de ferro, maior a apreensão rondando moradores e gente a trabalho no comércio ou nas empresas prestadoras de serviços, como oficinas mecânicas e lanchonetes. A tragédia provocada pelo rompimento da Barragem 1 da Mina de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, fez crescer o temor, três anos depois da mesma tragédia ocorrida em Mariana, com o vazamento de lama de rejeitos de minério da Samarco.
 
Imagens de satélite mostram avanço da mina Várzea do Lopes, da Gerdau, nos últimos 12 anos - Foto: Reprodução Google Earth 
 
O sentimento é o mesmo nos bairros simples Cristo Rei e Residencial, aos pés de uma imensa barragem de rejeitos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Congonhas, ou no condomínio de luxo Vale dos Pinhais, em Nova Lima, vizinho de duas estruturas da Vale – Maravilhas 1 e 2 –, que se estendem também sobre Itabirito. A exploração de ferro, que deu nome e fama à província mineira, o chamado Quadrilátero Ferrífero, conhecido no mundo, segue seu curso e se espalha por 15 municípios assentados sobre ocorrências de ferro, ouro, manganês e bauxita (minério de alumínio), distantes até 110 quilômetros de BH.

Atrás dessa riqueza, só dentro do Quadrilátero, explorado desde os tempos dos bandeirantes no Brasil Colônia, há 181 barragens, 70 maciços, ou seja, quase 40%, têm alto dano potencial. Quer dizer, em caso de rompimento, podem provocar grande impacto e prejuízo ao meio ambiente, com base em informações da Agência Nacional de Mineração e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).

Batalha


As reservas minerais em atividade assustam tanto quanto cavas abandonadas ou interditadas pelos órgãos ambientais ou a Justiça nos últimos anos (veja o mapa). No condomínio de luxo Vale dos Pinhais, as barragens da Vale podem ser avistadas das varandas e dos jardins de casas de alto padrão. Há pelo menos meia dúzia de construções como que grudadas às estruturas com rejeitos de minérios extraídos da Mina do Pico. A retirada dos condôminos foi pedida em outubro do ano passado, por meio de ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).



O processo requereu a saída também dos moradores do condomínio Estância Alpina.
Os promotores sustentam que as famílias não teriam tempo hábil para sair de suas casas se houver rompimento das barragens do complexo Maravilhas, da Vale. A síndica do condomínio Vale dos Pinhais, Maria do Carmo Ferreira, prepara assembleia dos moradores marcada para semana que vem, quando eles decidirão, com a ajuda de um advogado, entre pedidos de realocação de suas moradias e indenização da Vale, para se livrarem do risco dos reservatórios de rejeitos.

“A gente sabe que será uma longa batalha quando assistimos à situação das pessoas afetadas pelo rompimento da barragem de Mariana. Lá, há quem não tenha recebido ainda”, afirma Maria do Carmo. Dos 157 lotes do condomínio, 60 abrigam construções. Desse universo, cerca de 30 famílias vivem no local e o restante curte o fim de semana entre as belas montanhas.

Maria do Carmo defende a realocação dos moradores, como o MPMG requereu. “Queremos negociar. Nossos lotes (de 2.300 metros quadrados) valem R$ 200 mil.
Uma indenização não nos daria fora daqui as mesmas condições”, afirma. Em Itabirito, Maria Regina de Jesus Braga e o marido, Dênis Ricardo Gurgel, administradores e sócios numa oficina mecânica, suspiram aliviados ao avistar, do alto, a Serra da Santa, cortada pela mineração de ferro, de onde ainda se vê o que restou do Pico do Itabirito.

A despeito da convicção de estarem livres de um rompimento de barragens de rejeitos de minério, Maria Regina conta a tristeza de ver o fim das montanhas. “Quando a gente compara a visão de hoje com a foto de 1911, data de nascimento do meu avô, é muito triste”, diz. Em Congonhas, não é diferente. Moradores da Rua Alfredo Felix Melion, que desemboca bem debaixo da barragem da Mina Casa de Pedra, da CSN, temem o paredão verde riscado de alteamentos, visto de dentro de casa. “Como não ter medo?”, indaga uma dona de casa, de seu sobrado, que prefere o anonimato.


Dilema de um 'coração de ouro'


Trecho às margens da BR-040 mostra cortes em serra feito por mineradora - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
 
No estado “com peito de aço e coração de ouro”, como definiu Minas Gerais o mineralogista francês Claude Henrique Gorceix, fundador da centenária Escola de Minas de Ouro Preto, a afortunada formação geológica mineira na forma de um quadrado, passou por várias ondas de migração desde a sua descoberta no fim do século 17. A proximidade entre minas e áreas habitadas tornou-se um fenômeno resultante da própria formação das cidades que compõem o Quadrilátero Ferrífero, numa larga extensão de BH a Ouro Preto, Itabira – que é berço das operações da Vale – e Congonhas.

Municípios como Ouro Preto, Mariana, Sabará e Nova Lima surgiram durante o ciclo do ouro, sendo fundados em torno de ricas reservas minerais, lembra o professor Hernani Mota Lima, do Departamento de Engenharia de Minas da Ufop. “A criação dessas cidades ocorreu em função da mineração e hoje o Quadrilátero é a região mais adensada do estado.
Isso fez com que as minas da região se tornassem como que minas urbanas. Hoje, elas são alvo de conflitos e causam distúrbios para a população”, afirma.

Síndica do condomínio Vale dos Pinhais, Maria do Carmo Ferreira convocou assembleia com moradores e advogados para discutir indenização da Vale - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

O Quadrilátero se estende por 7 mil quilômetros quadrados com grandes áreas retalhadas pela mineração, num espaço em que só recentemente surgiu a preocupação com as barragens, depois do crescimento exponencial da indústria da mineração, superior à expansão das cidades. “Não se sabe se as minas abraçam Itabira ou o contrário. Virou uma simbiose”, observa o professor da Ufop.

Só no circuito mapeado pelo Estado de Minas, no rumo das principais saídas de BH (pelas BRs 040 e 381) até Congonhas e Itatiaiçu, 26 áreas, em alguns casos sucessivas, abrigam exploração de minério de ferro. Os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho jogaram por terra a crença de que essas empresas tinham certeza de que as barragens não cairiam, como observa o professor da Ufop.

“Não há mais discussão com relação ao risco. Não há mais como provar a qualquer população a jusante dessas estruturas que elas não correm perigos”, diz. Hernani Lima destaca que o Quadrilátero ainda tem grande potencial em minérios a serem explorados, mas as empresas de mineração terão de mudar, de forma radical, para obter a licença social que permitirá a continuidade da exploração. “Estamos num dilema. As empresas terão de eliminar o risco das barragens, dispor os rejeitos no sistema a seco, melhorar a gestão ambiental e firmar, com responsabilidade, o compromisso com a população.” (MV)
 
* Estagiário sob suprevisão da subeditora Marta Vieira
 
Imagens de satélites feitas em 14 e 30 de janeiro mostram estragos da lama - Foto: Nasa 
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