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Estado de Minas

Desorientação e medo marcam expectativa de pessoas retiradas de casa

Preocupação de pessoas retiradas de áreas de barragens da Arcelor e da Vale contamina quem vive em zonas próximas. Após reunião sobre Gongo Soco, moradores silenciam


postado em 10/02/2019 06:00 / atualizado em 10/02/2019 08:02

Assustado, Amaro Sabino, que vive fora da área de risco, acomoda pertences no alto do armário por temer que se percam em um eventual desastre(foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Assustado, Amaro Sabino, que vive fora da área de risco, acomoda pertences no alto do armário por temer que se percam em um eventual desastre (foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)


Barão de Cocais e Itatiaiuçu – O dia seguinte à retirada de mais de 600 pessoas de áreas de risco assombradas pela falta de segurança de duas barragens de rejeitos de minério das empresas Vale, em Barão de Cocais, e Arcelor Mittal, em Itaiaiuçu, foi marcado por bastante expectativa. Moradores que tiveram que sair de suas casas esperam por estudos e vistorias que permitam atestar as devidas estabilidades e possibilitem o retorno das pessoas para seus imóveis pelo menos para reorganizar as vidas. Em Barão de Cocais, na Região Central do estado, a expectativa ganha a companhia do medo e da falta de orientação, duas reclamações recorrentes da comunidade. Está marcada para hoje uma vistoria de uma empresa alemã no maciço da barragem da Mina de Gongo Soco para analisar e emitir um laudo que dirá se os 487 moradores evacuados de suas residências poderão voltar para casa. Ontem, ocorreu a primeira reunião, a portas fechadas, entre os moradores e a Vale, empresa responsável pelo reservatório de rejeitos. Após horas desde o início do encontro, nenhum dos atingidos quis comentar com a imprensa sobre as medidas repassadas pela mineradora. E disseram que “orientações” foram passadas para que não comentassem os combinados feitos na ocasião. O Ministério Público recomendou à Vale que retire bens culturais de Barão de Cocais.

As famílias saíram às pressas de casa na madrugada de sexta-feira após o acionamento dos sinais sonoros de emergência. Um áudio em altos falantes instalados na cidade alertava para o risco de rompimento da barragem. Numa escala crescente de 1 a 3 de risco, o maciço da Vale subiu do nível 1 para o nível 2. As medidas, segundo a Vale, fazem parte do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM). O centro de apoio da Vale em Barão de Cocais amanheceu muito movimentado na manhã ontem. Muitos buscavam informações e pediam auxílio para retornar a suas casas e recuperar pertences pessoais, remédios, além de alimentar os animais. “Preciso pegar meu medicamento de pressão, minhas roupas e de cuidar dos meus cavalos, das minhas galinhas. Como vou fazer? Até agora, não sei”, contou Aparecida Maria Batista, de 53 anos. A primeira noite foi tensa, pouco conseguiu dormir. “Foi horrível, desesperador”, acrescentou.

Naquela noite, a informação do risco da barragem chegou rápido na zona urbana da cidade. Lá, todos também se desesperaram e saíram às pressas de suas casas. É uma população que mora à beira de um dos principais rios da cidade e se mostra preocupado por não saber o que vai fazer.  “Ninguém da Vale ou da Defesa Civil nos procurou. Estamos ficando o dia todo fora de casa. Alguns disseram que não atingirá (as casas). Mas como não? Minha casa é do lado do rio. Estamos preocupados: podemos ficar ou não?”, questionou Vanderson Dantas, de 39, que vive no Bairro Santa Cruz, há 12 anos, com a esposa e os três filhos crianças.

Seu vizinho, Amaro Sabino, de 84, também contou que saiu às pressas e está ficando na casa de um parente aguardando o comunicado oficial para voltar para a cidade. “Vim só cuidar dos meus bichos. Tenho cachorro e galinha. Mas não vou ficar aqui. Tenho muito medo. Não consigo parar de pensar no que aconteceu naquela madrugada, nunca vi nada parecido por aqui”, contou ele, que mora a vida toda na cidade. Ele guardou pertenceus no alto do armário como medo de perdê-los. O pânico também se espalhou ao lado, no Bairro São Geraldo. “Tirei meu cachorro daqui e fui para a casa de um amigo, que fica na parte mais alta. Informaram que não precisaríamos evacuar. Não vou dormir aqui. Como posso confiar?”, disse Maycon Douglas, de 25.

ALERTA Na manhã de ontem, panfletos foram distribuídos sobre a situação. E a Defesa Civil explicou que os moradores da zona urbana não precisam deixar suas casas e sim ficar em estado de alerta. “Temos duas áreas. uma área de evacuação que é rural e fica no contrafluxo do Rio São João. Essa área está evacuada e as pessoas não devem frequentá-la. Outra é uma zona de alerta ribeirinha”, informou o major Eduardo Lopes, da Defesa Civil. Com apoio dos bombeiros, o órgão providenciou um plano de contingência, estas áreas estão mapeadas, estão sendo utilizados carros de som nesses bairros específicos pedindo à população que, em caso de acionamento de sirenes, deixem esses locais e ocupem pontos específicos.

“Não foi feito treinamento, apenas divulgação. A assistência de comunicação do município e da Vale, que tem nos apoiado nesse sentido, está divulgado mensagens, por meio do WhatsApp, spots, panfletos digitais, identificando esses bairros e orientando a passar por locais específicos, que a gente chama de pontos de encontros. Ele garante: hoje essas pessoas podem entrar nas casas e continuar as atividades normalmente, mas devem ficar “atentas” e identificar a sua região e o ponto mais próximo da residência, ou do local onde ela está. Em caso de rompimento de barragem, essas pessoas têm, aproximadamente uma hora e 10 minutos de segurança para buscar pontos mais altos.

 

 

SEM COMENTÁRIOS Os quase 500 moradores que foram retirados de casas próximos da Mina Gongo Soco se reuniram ontem com representantes da mineradora a Universidade Aberta Brasil – onde foi montado o centro de comando das autoridades e da Vale para ministrar as operações da região. Em pauta, a incerteza de quando poderão retornar para os seus domicílios. Essa foi a primeira reunião e, inicialmente, contava com a participação de cerca de 60 pessoas. De acordo com relatos de testemunhas, os moradores chegaram cedo ao local, por volta das 9h. O clima esquentou depois que uma mulher e seus dois filhos se apresentaram para ouvir os representantes da empresa. “Foi então que a Defesa Civil anunciou que não teria reunião. E a população não aceitou. Em resposta, disse que iria ocorrer apenas com alguns moradores, sem a presença dos movimentos sociais e da imprensa”, contou Maíra Gomes, representante do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Posteriormente, a imprensa e os representantes dos movimentos sociais dos atingidos por barragens foram retirados e apenas um grupo menor dos moradores pôde acompanhar. Foram horas com portas fechadas. E se os ânimos começaram acirrados, moradores deixaram o recinto calados alegando que foram “orientados” a não repassar o teor do encontro. A reportagem do Estado de Minas tentou conversar com cinco deles e as respostas foram as mesmas. “Disseram-nos que o melhor é não falar”, disse um deles muito receoso.

A “orientação” se tornou alvo de duras críticas do Movimento dos Atingidos por Barragens que decidiu entrar com uma ação judicial: “Vamos acionar o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a respeito da coação e das ameaças que a Vale está fazendo com a população. É bom lembrar que mais uma vez a Vale faz isso, não é uma ação de agora. Esta é forma de atuação desde o desastre de Mariana, que é de dividir os atingidos e criminalizar o movimento social. Trancaram os moradores na sala de reunião e proibiram o acesso da população, da imprensa, ferindo o direito a informação e o direito organização popular. Eles ameaçaram as pessoas, que saíram assustadas da reunião”, pontuou.

Sobre a discussão durante a reunião, o representante da Defesa Civil confirmou que ocorreu a restrição para participar. “Precisamos retirar algumas pessoas que a própria comunidade não reconhecia como representantes dos seus direitos e, na verdade, estavam perturbando os trabalhos. Então, foi necessária a nossa intervenção” explicou o major Eduardo sobre a retirada dos movimentos sociais e da imprensa. A Vale informou que não houve nenhum tipo de orientação para que os moradores evitassem declarações sobre a reunião. Segundo a empresa, foram explicados detalhes dos procedimentos de segurança, esclarecidas dúvidas e acolhidas demandas da comunidade durante o encontro. Ainda de acordo com a mineradora, uma equipe multidisciplinar formada por psicólogos, assistentes sociais e médicos no Ponto de Atendimento do Colégio Nossa Senhora do Rosário e nos hotéis. “A Vale ressalta que a decisão de evacuação das áreas próximas à barragem de Gongo Soco é uma medida preventiva e que seguirá apoiando a população acolhida até que a situação seja normalizada”.


Visita para retirar pertences

Em Itatiaiuçu, a Defesa Civil de Minas Gerais informou que 95 pessoas que saíram de suas casas estão alocadas em um hotel de Itaúna. Os demais moradores de uma lista com cerca de 150 pessoas procuraram residências de parentes depois que 54 famílias tiveram que deixar os imóveis na comunidade de Pinheiros,  às margens da BR-381, pelo risco trazido por uma barragem de 5,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos desativada desde 2012. O reservatório é da Arcelor Mittal Mineração Brasil, que opera na região a Mina Serra Azul. Ontem, a empresa anunciou que 30 cachorros, 40 gatos e um coelho poderão voltar para os donos no hotel. São animais de até 15 quilos. A mineradora estuda a remoção dos bichos de maior porte.

Por alguns instantes, moradores tiveram a possibilidade de voltar aos imóveis em área de risco para verificar as condições dos animais deixados no momento em que foi determinada a saída das casas. Segundo o tenente Flávio Fagundes, da Defesa Civil de Minas Gerais, cada família foi autorizada a enviar um representante para ir até sua própria residência, acompanhados da Defesa Civil. “Essa também é uma oportunidade para retirada de pertences que não puderam ser levados na saída desses moradores, mas vamos permanecer apenas durante a verificação dos animais”, diz o tenente Fagundes. Segundo a Arcelor, uma médica veterinária da Comissão de Proteção Animal do Conselho Estadual de Medicina Veterinária visitou a área de risco onde vivem as famílias retiradas de casa para atestar as condições de saúde dos animais deixados pelos donos.

O presidente da empresa, Sebastião Costa Filho, declarou que o episódio de Brumadinho fez a mineradora rever padrões do projeto geotécnico da barragem e por isso houve mudança de estágio de segurança de 1 para 2, exigindo a retirada das pessoas da mancha de inundação. Ontem, a empresa se reuniu com moradores e informou que não tem prazo para terminar estudos e análises que vão nortear a busca pelo retorno do nível 1 e, assim, permitir a volta às casas. Enquanto isso, as despesas seguem custeadas pela mineradora, que garantiu que vai atender as demandas e prometeu, inclusive, dar novas casas a quem quiser deixar a área de risco e se mudar para outro lugar. (GP)


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