“Coitados. Perderam a vida sem saber por quê. A minha maior dificuldade hoje é a solidão. Não tenho mais perto de mim os meus amigos e a minha família. Foram embora e eu fiquei.” O lamento pelas vítimas de Brumadinho, seguido por um desabafo devido à sua própria situação, é do produtor rural de Paracatu de Baixo Divino dos Passos Isaías, de 68 anos. Um sentimento comum entre as vítimas do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, que se consternam e tentam exprimir, por meio sua experiência traumática, uma forma de encorajar quem foi atingido pela ruptura da barragem da Mina do Córrego do Feijão, na Grande BH.
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Crimes da mineração: como o jogo de interesses facilita a impunidade Recálculo de indenizações em Mariana: Renova não comenta decisãoBarão de Cocais: moradores seguem em área que pode ser atingida por lama de barragemParentes e amigos se despedem de vítima do rompimento da barragem da Vale em BrumadinhoO escritório do advogado Flávio de Almeida Silva representa mais de 100 pessoas em Mariana, a maioria atingidos diretamente pela lama. Segundo o advogado, ao longo do tempo, os atingidos desenvolvem sérios problemas de saúde física e mental. “O dano psicológico é incomensurável. É comum o aparecimento de ansiedade, insônia, estresse pós-traumático. Há pessoas com tratamento psicológico, mas também muita gente simples que precisaria desse tratamento, mas nem sequer desconfia disso e a gente vê que está descompensada”, afirma.
Todos os dias, Divino Isaías precisa carregar sobre a sua cabeça um saco de 30 quilos de ração para o gado, num trajeto de 40 minutos até sua propriedade. Antes, cuidar dos animais era mais simples. Tarefa que resolvia na fazenda, com os parentes.
A escolha por ficar se deve à ligação com Paracatu e também por não haver garantias de que os responsáveis pela tragédia poderiam cuidar de suas terras. “Fiquei porque tenho as minhas coisas aqui, meu patrimônio. Não posso largar isso jogado.”
Sobre a nova comunidade que a Fundação Renova construirá no terreno que é conhecido como Lucila, ele não dá garantias da mudança nem demonstra ter gostado da ideia. “Não é certo não (que vá se mudar). Vou pensar.”
Para as vítimas de Brumadinho, ele recomenda paciência. “Digo a eles que tenham tranquilidade e peçam a Deus.
O desastre em Brumadinho fez muitos atingidos de Mariana reviverem seus traumas. “Quando soube do que aconteceu em Brumadinho nem dormi de noite. A gente fica muito sensível. Depois, nos outros dias, veio aquele sono acelerado, de que você acorda assustado. Vejo aquela onda (do rompimento) passar na televisão e penso que já vi isso”, disse o agricultor José Carlos da Silva, de 56.
“Você vive (em Paracatu de Baixo) aqui e depois tem um mar de lama. Algumas casas só tinham o telhado. Acabaram meus sonhos. Sonhava um dia me aposentar e ter minha casa aqui, mas isso acabou.
SEM RECONHECIMENTO
As mensagens de esperança da Samarco de que a empresa conseguiria voltar a operar, nos últimos três anos, fizeram com que muitos investidores e empresários mantivessem seus negócios. Mas a realidade de uma perda de cerca de 60% da arrecadação derrubou muitas pessoas que eram empregadoras e proeminentes.
Um empresário do ramo de empreendimentos na construção civil e treinamentos, de 53 anos, que pede para não ser identificado e será tratado como José é um deles. Ele prestou serviços para a Samarco e treinava funcionários diretos e terceirizados da mineradora que almejavam melhorar de vida ganhando mais com especialização profissional.
“Fui afetado de todas as formas. No setor imobiliário, construía, mas não conseguia mais vender imóveis. No campo dos treinamentos, o fechamento dos empregos liquidou essa vontade que os trabalhadores tinham de se aprimorar, porque essa mão de obra teve de ir embora”, disse. Segundo ele, os preços dos imóveis que foram construídos e valeriam R$ 460 mil caíram para R$ 320 mil.
Depois desse baque, o empresário se apegava às promessas de que a Samarco voltaria a operar e se endividou no cartão de crédito e no banco. “Meu padrão de vida era elevado.
Para José, a sequência de desventuras foi dura. “A barragem arrebentou, meu pai morreu e veio a separação.” Com ela, pensão calculada sobre ganhos que já não existem mais. “Não paro de pagar por causa do meu filho, mas não tenho mais condições de manter a vida deles de antes. A Samarco e a Renova nem me consideram atingido”, conta..